MPF atuou contra retrocesso de direitos relativos às populações indígenas e comunidades tradicionais e na cobrança de medidas de proteção contra a covid-19

Órgão superior canalizou esforços para garantir vacinação célere contra a covid-19, a proteção de terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais, entre outras questões

Arte: Secom/MPF

Garantir a proteção dos direitos dos povos originários e tradicionais, especialmente sobre seus territórios. Com esse objetivo, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) monitorou o cumprimento de leis e o andamento de projetos que ameaçaram os interesses dessas populações em 2021. O órgão também atuou em temas como vacinação, alimentação tradicional, garimpo ilegal, marco temporal e políticas de isolamento. O trabalho se reflete nas dezenas de ofícios, reuniões, notas técnicas, recomendações, participação em audiências públicas, dossiês, palestras, produção de material informativo, entre outras iniciativas.

Covid-19 e vacinação – No início de janeiro, a 6CCR lançou coletânea composta por 22 artigos e uma cartilha que abordavam os efeitos da pandemia sobre povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais. O material foi elaborado por peritos em antropologia do MPF com o objetivo de avaliar as medidas emergenciais e ações para prevenir e enfrentar a pandemia.

Após o Ministério da Saúde apresentar o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, o órgão colegiado enviou ofício ao ministro, à época Eduardo Pazuello, pedindo esclarecimentos acerca da definição dos grupos prioritários para vacinação dentre os povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros.

Em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU), o órgão divulgou nota pública defendendo a importância da ampla vacinação das comunidades tradicionais e criticando a disseminação de notícias falsas acerca da segurança e efeitos colaterais da vacina.

No Congresso Nacional, a 6CCR defendeu a ampliação da cobertura vacinal de grupos indígenas, ressaltando a importância de imunizar também aqueles que vivem em áreas urbanas. O assunto também foi tema de seminário promovido pelo órgão superior. A coordenadora da 6CCR, Eliana Torelly, alertou para a necessidade de assistência especial para essa parcela da comunidade, especialmente durante a pandemia.

Por delegação do PGR, as subprocuradoras-gerais da República Eliana Torelly e Ana Borges, integrantes da 6CCR, acompanham as ADPF 709 e 742 em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Essas ADPFs foram ajuizadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, respectivamente. Além de diversas manifestações pelo cumprimento das decisões do STF e aprimoramento das ações do Poder Executivo para o enfrentamento da pandemia da covid-19, as subprocuradoras-gerais participaram da Sala de Situação Nacional sobre povos indígenas isolados (ADPF 709) e do Grupo de Trabalho Interdisciplinar (ADPF 742).

Em maio, o órgão superior do MPF se reuniu com as comunidades quilombolas para discutir, dentre outros assuntos, a denúncia de que gestores públicos estavam descumprindo medidas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no enfrentamento da covid-19 em territórios tradicionais. A reunião tratou ainda da política de titulação de terras quilombolas e do aumento da insegurança alimentar nessas comunidades.

Alimentação tradicional – A 6CCR se posicionou contra projetos que previam alterações na Lei 11.947/2009, norma que rege a alimentação escolar e prevê que 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) sejam destinados à agricultura familiar. Em março, o órgão divulgou nota pública destacando que a aprovação das mudanças resultaria em prejuízos à tradição alimentar e à autonomia dessas populações, desrespeitando sua cultura.

Em abril, a Catrapovos Brasil, iniciativa instituída pela 6CCR, promoveu evento para discutir a adoção de alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas, entre outras, em todo país. A proposta é viabilizar a compra de alimentos produzidos pelas próprias comunidades e encaminhá-los às escolas indígenas e tradicionais, visto que no passado foi constatado que a alimentação escolar era escassa, inadequada e descontextualizada, com muitos itens industrializados e enlatados, sem qualquer relação com a produção local e com a cultura alimentar da comunidade. A aquisição desses alimentos é também uma forma de garantir renda as comunidades tradicionais.

Abril Indígena – Para marcar o Abril Indígena, a 6CCR promoveu webinário para debater o Projeto de Lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração da atividade econômica em terras indígenas. Procuradores, especialistas e indígenas alertaram que eventual autorização do garimpo e da mineração nos territórios tradicionais viola os direitos constitucionalmente garantidos aos povos originários e representa um risco à cultura, à saúde e à existência daquelas comunidades.

Em nota pública, o órgão alertou para os retrocessos na política indigenista do Estado brasileiro. O documento listou atos e medidas do governo federal que fragilizam direitos conquistados pelos povos indígenas nas últimas décadas.

Maio Cigano – Para dar visibilidade ao Projeto de Lei 248/2015, que pretende instituir o Estatuto dos Ciganos, a 6CCR promoveu debate virtual para discutir as propostas que serviriam de subsídio para o texto do documento. O encontro, que contou com a participação de mais de 30 lideranças de comunidades ciganas brasileiras, resultou na aprovação de diversas propostas, dentre elas o reconhecimento dos ciganos como comunidades tradicionais. As sugestões foram encaminhadas ao Senado e, no segundo evento virtual para tratar do PL, mais lideranças puderam apresentar, discutir e aprovar sugestões ao texto, com alterações em diversos artigos.

Convenção 169 da OIT – Ainda em maio, a 6CCR em parceria com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) realizou webinário sobre a importância da Convenção nº 169 da OIT para a proteção de povos indígenas e tradicionais. O enfoque do debate foi o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, que pretende autorizar o presidente da República a retirar o Brasil do rol de nações que fazem parte da Convenção. No evento, a coordenadora Eliana Torelly ressaltou que a permanência do país é fundamental para assegurar os direitos dos povos indígenas e tradicionais e que eventual saída apenas demonstraria a incapacidade de lidar com a diversidade.

Em agosto, o tema voltou a ser discutido em webinário sobre os impactos da eventual saída do Brasil do tratado internacional. Na visão da 6CCR, a PDL 177/2021 é mais uma tentativa de dirimir a conquista de direitos dos povos tradicionais. O órgão reiterou que a revogação da Convenção 169 da OIT pelo Brasil é inconstitucional e ineficaz. Em novembro, o MPF enviou ao Congresso Nacional nota técnica contrária à proposta.

Ameaças de retrocesso – O órgão superior do MPF recomendou à Fundação Nacional do Índio (Funai) a revogação imediata da Resolução 4/2021, norma que estabeleceu novos critérios de heteroidentificação de povos e indivíduos indígenas para fins de execução de políticas públicas, complementares à autodeclaração. A 6CCR alertou que a norma é inconstitucional e viola o direito de autodeterminação dos povos originários. Com efeito, em março, o STF suspendeu a vigência da resolução.

Em junho, o posicionamento do MPF contra o PL 191/2020, que pretende regulamentar a mineração em terras indígenas, foi formalizado em nota pública. A 6CCR apontou que, além de inconstitucional, o PL foi apresentado sem consulta prévia às comunidades indígenas que serão afetadas. Além disso, demonstrou preocupação com o aumento dos casos de garimpo ilegal em terras indígenas e cobrou providências do Poder Executivo.

A Câmara do MPF também considerou inconstitucional a Lei Complementar 1.089/2021 do Estado de Rondônia, que alterou limites de unidades de conservação, afetando povos indígenas e tradicionais. Em agosto, durante sessão colegiada, o órgão superior aprovou nota técnica que defendia a competência federal para atuar no caso.

Em setembro, a 6CCR defendeu direito à consulta prévia livre e informada de todas as comunidades tradicionais que seriam afetadas pelo projeto Bloco 8 da Sul-Americana de Metais S.A (SAM Mineradora), empreendimento minerário no norte de Minas Gerais. Posicionamento semelhante foi adotado em relação ao projeto de Estrada de Ferro 170 (EF-170), denominada Ferrogrão. Para o órgão, todas as populações afetadas precisariam ser ouvidas para que pudessem opinar sobre as situações que as afetam e sobre suas prioridades diante da instalação do empreendimento.

Territórios – A Câmara também atuou em relação ao Plano Sete Terras, que prevê a retirada de garimpeiros e invasores dos territórios Araribóia, Karipuna, Kayapó, Munduruku, Trincheira Bacajá, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami. Em manifestação enviada ao STF, a 6CCR defendeu que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deve participar da execução do Plano.

Ainda visando à proteção de terras das comunidades tradicionais, a 6CCR/MPF deu continuidade à ação coordenada relativa à Instrução Normativa nº 9/2020 e à sobreposição de registros de imóveis sobre terras indígenas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O MPF obteve liminares na Justiça Federal que suspenderam a Instrução Normativa nº 9/2020 em oito estados da federação. O normativo alterou os critérios para a emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL). Com a mudança, os proprietários ou possuidores de terras poderiam emitir a declaração para áreas dentro do limite de terras indígenas ainda não homologadas pelo governo federal brasileiro. A 6CCR considerou que a instrução viola direitos constitucionais dos povos indígenas, favorece a grilagem de terras públicas e agrava conflitos agrários. As decisões também determinaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) considerar as terras indígenas não homologadas na análise de sobreposições nos sistemas de Gestão Fundiária (Sigef) e de Cadastro Rural (Sicar).

Para melhorar o controle sobre os territórios, a 6CCR, em parceria com a Secretaria de Pesquisa, Perícia e Análise (Sppea) e a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), criou a Plataforma de Territórios Tradicionais. A ferramenta utiliza georreferenciamento para reunir e disponibilizar, de forma interativa, informações de diversas fontes sobre as áreas habitadas por essa população em todo Brasil. O projeto busca mapear a ocupação das áreas bem como traçar diagnóstico das necessidades desses grupos.

Marco temporal – O debate sobre a tese do Marco Temporal – que limita o direito sobre a terra às comunidades indígenas que ocupavam a área na data de promulgação da Constituição – continuou em 2021, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal. Em junho, a 6CCR manifestou-se contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que busca alterar o regime jurídico das terras indígenas, inclusive quanto ao processo de demarcação. A proposta estabelece o chamado “marco temporal” como condição para o reconhecimento dos direitos territoriais indígenas assegurados na Constituição. Por meio de nota pública, o órgão superior do MPF pediu a retirada do projeto da pauta de tramitação da Câmara dos Deputados, alegando que a proposta viola a Constituição e repete vícios de outras propostas legislativas contrárias aos direitos indígenas.

O PL também foi alvo de críticas durante audiências públicas no Congresso Nacional. Em agosto, o MPF reiterou que são inconstitucionais quaisquer medidas que enfraqueçam a proteção às terras indígenas prevista no artigo 231 da Constituição. Em setembro, pontuou que o PL flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas, retirando desses povos as suas riquezas. Além disso, dá aos ocupantes das terras indígenas o direito de permanecerem nelas até que haja o pagamento de indenização pelas benfeitorias; e admite o contato com povos em isolamento voluntário em caso de utilidade pública, sem especificar o que será considerado utilidade pública.

O julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário 1.017.365, que analisa a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, foi inicialmente pautado para junho. Em memorial enviado à Corte, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que “a adoção da data da promulgação da Constituição Federal vigente (5 de outubro de 1988) como referencial insubstituível para o reconhecimento aos índios dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam iria de encontro ao regime de direito intertemporal e ignoraria a existência de uma ordem normativa prévia à 1988”.

O julgamento só teve início em setembro. Durante a sessão plenário, o PGR defendeu o direito da etnia Xokleng sobre a área objeto de disputa possessória, sugerindo tese de repercussão geral no sentido de reconhecer o dever estatal de proteção dos direitos de comunidades indígenas antes mesmo da conclusão do processo demarcatório de seus territórios. Para garantir a segurança jurídica de todo o processo, a identificação e delimitação das terras deve ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada situação a norma constitucional vigente a seu tempo. Após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o julgamento foi suspenso, com o placar empatado em um a um.

Mulheres e crianças – Ainda em setembro, a coordenadora da 6CCR, Eliana Torelly, visitou o acampamento das lideranças indígenas que vieram à Brasília para acompanhar o julgamento da tese do marco temporal. A visita integrou a programação da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o MPF defendeu a necessidade de maior visibilidade à violência sofrida pelas mulheres indígenas dentro de seus territórios, não só no caso do crime organizado, mas também de crimes como violência sexual e feminicídio.

Em defesa das crianças indígenas, o órgão superior do MPF sustentou, durante audiência pública realiza pela Câmara dos Deputados, em setembro, que as políticas públicas de proteção aos menores indígenas devem considerar a diversidade cultural e social do grupo. Segundo a 6CCR, os povos indígenas têm compreensões particulares acerca da infância, o que não pode servir ao preconceito e à discriminação.

Índios isolados – Em novembro, a 6CCR lançou, no Memorial do MPF, localizado na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, a exposição “Índios Korubo – Vale do Javari”. Os indígenas de recente contato se tornaram personagens de uma coletânea de 15 fotografias de autoria de Sebastião Salgado. Durante o evento de lançamento da mostra, a coordenadora da 6CCR reiterou que a manutenção da política de não contato com indígenas em situação de isolamento voluntário é medida que se impõe para a própria sobrevivência desses povos. Em julho, o órgão do MPF já havia divulgado nota pública de repúdio contra falas do então coordenador regional da Funai no Vale do Javari, Henry Charlles Lima da Silva, que sugeriu e encorajou ações violentas contra esses povos isolados.

Pescadores artesanais – O órgão colegiado criticou a criminalização do recebimento do seguro-defeso por pescadores artesanais, durante audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados em novembro. O foco da reunião foi o atual processo de recadastramento nacional dos pescadores profissionais, iniciado em junho. Pescadores afirmaram que, da forma como foi proposta, a iniciativa visa a supressão do benefício. Para o MPF, o grupo é vítima do preconceito e da omissão do Estado em promover políticas públicas eficazes.

Administrativas – Após articulações e sugestões da 6CCR, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados aprovou, em novembro, emendas para ações voltadas às comunidades tradicionais. As emendas legislativas incluem no orçamento da União para 2022 cerca de R$ 150 milhões para programas voltados à regularização de territórios quilombolas e à distribuição de alimentos a comunidades tradicionais, mas ainda é necessário percorrer todo o trâmite no Congresso Nacional até a aprovação final da Lei Orçamentária Anual (LOA), prevista para janeiro de 2022. A conquista foi resultado do trabalho conjunto com a Assessoria de Articulação Parlamentar (Assart/MPF).

A subprocuradora-geral da República Eliana Torelly é a coordenadora da 6CCR, cujo colegiado é composto ainda pelos subprocuradores-gerais Ana Borges e Aurélio Rios, como membros titulares. Como suplentes, atuam os subprocuradores-gerais Denise Vinci Tulio e Mario Bonsaglia. O subprocurador-geral Domingos Dresch, que também atuava como suplente, se aposentou em setembro. Ainda não foi designado um novo membro para sua vaga.

Durante todo o ano, a 6CCR realizou 11 reuniões ordinárias e quatro extraordinárias, com a deliberação de 271 procedimentos no total.

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República – MPF

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *