A Terceira Margem – Parte CCCXXVIII

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XXXVI

Jornal do Brasil n° 138, 16.06.1965

No Caminho dos Semivivos – VI

Jornal do Brasil, n° 138 – Rio, RJ
Quarta-feira, 16.06.1965
Rondon, 75 Anos Depois
No Caminho Dos Semivivos (VI)
[Reportagem – Juvenal Portella /Fotos – Rubens Barbosa] 

Reunidos os dados que turmas coligiram nos seus estudos, foi escolhido o traçado que, partindo da linha telegráfica de Oeste, um quilômetro antes desta atravessar o Rio Manso, procurasse a Colônia de São Lourenço, desta para Coxim, fraldejando a serra de São Jerônimo e de Coxim pela margem direita do Taquari até o Juca Gomes, de onde procuraria Corumbá através dos pantanais do Paraguai-Mirim.  

Esta foi uma das rotas seguidas por Cândido Mariano da Silva Rondon, em 1900. Na maior parte deste trecho existem índios, que ele conheceu ainda hostis, que pacificou e ajudou a civilizar. Nos mesmos locais, em 1965, ainda há hostilidade, da parte dos muitos brancos que querem acabar com o que resta das terras. Por este caminho passamos e nele, agora, poucos têm esperança de que um novo Rondon surja para salvar o que resta da raça indígena.

IGUALDADE 

A mentalidade alcançada pelos responsáveis pelo problema indígena nos Estados Unidos permitiu, segundo o “The National Indian Institute”, que se alcançasse condições de vida tão humanas como a de qualquer branco civilizado evidentemente dentro de outro padrão.

Na verdade, respeita-se o índio e a ele se concedem vantagens comuns aos demais cidadãos, inclusive determinado empréstimo visando ao melhor aproveitamento de suas terras, claro que uma adaptação ao problema brasileiro seria, no momento, quase impossível, pois muitas dificuldades precisam ainda ser superadas, inclusive a da incompreensão humana.

Se, por exemplo, a Secretaria de agricultura de Mato Grosso nem ao menos oferece condições para conhecer as terras do seu território, como poderia ditar normas que beneficiassem as terras dos indígenas?

Essa é uma mostra em diversas, pois ao tempo que os organismos norte-americanos, no momento em que se levou a sério o problema, trataram de encaminhar soluções concretas, entre nós a situação ainda está como há 10 anos ou pior, levando-se em conta medidas que não foram tomadas e que, por, isso, agravaram o drama.

No livro “Os Índios dos Estados Unidos” a que já nos reportamos, existe um trecho explicando uma lei aprovada pelo Congresso ‒ a “Indian Reorganization Act. [18.06.1934]” ‒, a terceira das grandes leis que influíram na história dos assuntos indígenas. Essa lei, na realidade, ocupava-se do problema da terra. O artigo comentou o assunto assim:

De acordo com os métodos democráticos, a vigência da lei sobre uma tribo ou um grupo depende de um referendo, e os índios têm direito a votar se a aceitam ou não. Alguns aspectos da lei estavam em completa contradição com a política indígena anterior, outros a desenvolveram. A lei:

          1. Proibiu o parcelamento das terras que as tribos tivessem ou comprassem no futuro;
          2. Devolveu as terras que haviam tirado das tribos e que estavam sem colonizar;
          3. Autorizou o Governo a comprar mais terras para as tribos todos os ano, com fundos federais;
          4. Tornou obrigatória a conservação dos recursos naturais das terras indígenas;
          5. Estabeleceu restrições sobre herança para o arrendamento, a troca ou para evitar a sua alienação;
          6. Estabeleceu um fundo rotativo de créditos para fazer empréstimos às tribos ou a indivíduos para empresas agrícolas ou industriais.

Ao proibir o parcelamento de mais terras, a Lei de Reorganização índia pôs fim à política que havia dominado e controlado a vida indígena desde 1887. Ao estabelecer que se adquirissem novas terras, reconheceu as necessidades dos índios que não tinham terras, que haviam sido deserdados pela lei e pela História. Aceitou o princípio básico de que o futuro da maioria dos índios estava ligado à terra. As disposições sobre a conservação das riquezas naturais se baseavam na ideia de que se devia proteger as riquezas naturais das propriedades índias, tanto como as da Nação.

O Fundo Rotativo veio a ser o primeiro fundo de crédito importante dos índios. Havia se comprovado que sem um fundo como esse nenhum esforço econômico dos índios podia dar frutos.

A Lei de Reorganização Índia pós fim à força destrutiva da posse privativa da terra. As condições das propriedades índias têm sido trocadas. Em 1934, as terras índias, como temos dito, chegavam a pouco mais de 52 milhões de acres. Em 1941, o total havia subido para 55 milhões e mais alguma coisa, devido em parte à Lei de Reorganização. O fundo rotativo agora ascende a US$ 5.299.600 e com sua ajuda tribos e indivíduos tem estabelecido um número de empresas econômicas.

E OS ESFORÇOS?  

No plano brasileiro, desconhece-se um mínimo de tentativas de caráter oficial visando o benefício indígena, principalmente com relação ao problema das terras. Pode-se alegar que o Governador de Mato Grosso baixou decreto desimpedindo uma área de terra para os indígenas, mas isso não tem grande significado quando se lembra o fato de que ele próprio expediu títulos para que outros explorassem áreas reservadas aos índios. Não se pode, também, deixar de mencionar o esforço de alguns funcionários responsáveis, que tentaram de muitos modos e maneiras conseguir situações melhores.

Um exemplo disso foi José Bezerra Cavalcanti, que já, em 1924, se preocupava com os índios do Paraná. Nesse ano, enviou um extenso relatório sobre a povoação de São Jerônimo, relatando o drama das terras dos indígenas dessa região. Nessa ocasião, advertira Bezerra Cavalcanti:

O caso da Povoação Indígena de São Jerônimo é característico e muito próprio para se prever qual será a sorte dos nossos indígenas se lhes vier a faltar a assistência que lhes presta este Ministério, por intermédio desta repartição.

E esta assistência, realmente, tem faltado, principalmente dos órgãos oficiais. Não se votam leis procurando melhorar as condições de vida do índio.

Ao contrário, parlamentares de quando em quando espalham notícias inteiramente falsas e alarmistas, como aquela, há meses, que dizia estar um grupo da tribo Cinta-Larga prestes a conter os habitantes da aldeia de Vilhena, quando na verdade os índios foram à procura de recursos médicos, que não possuem ainda hoje.

Não se concede, por leis especiais, créditos para construção de estradas ligando os aldeamentos indígenas ao resto da civilização, o que poderia ajudar muito no escoamento de uma produção que passaria a existir, se medidas paralelas fossem também tomadas. Onde estão os esforços no sentido de transformar uma situação realmente triste? O caso dos índios de Mato Grosso não é isolado. Índios do Pará, do Amazonas, de outros Estados, por fim, sofrem dramas iguais ou mais intensos.

No quadro das comparações, o Brasil sofre uma terrível desvantagem com os Estados Unidos, mesmo respeitadas as circunstâncias e as condições entre um e outro país. De qualquer forma, o mínimo deveria ter sido tentado, numa ação conjunta e não isolada. Os índios do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, segundo o SPI, sofrem menos, porque possuem condições melhores. Então, não é válido esquecer os outros, como tem acontecido.

Enquanto em 1934 se votava uma lei concedendo crédito para agricultura dos índios norte-americanos, aqui, hoje, alguns lutam para evitar que terras de índios brasileiros sejam tomadas, com a cumplicidade [ou omissão] de certos organismos estaduais.

Processos semelhantes aos adotados aqui ‒ exploração do trabalho indígenas em troca de bebida etc. ‒, doenças que vitimam os daqui ‒ tuberculose, sarampo etc. ‒ ocorreram com os índios dos Estados Unidos também e tudo isso foi sendo superado. As mesmas esperanças dominam uns poucos homens que, deve-se dizer, ainda tentam fazer alguma coisa em favor da raça índia. Mas, esperanças só pouco representam. Pelo que vi, depois de uma longa jornada sertão adentro, somente com uma grande reforma e um esforço comum é que será possível, como que começando tudo de novo, encontra-se o caminho da salvação. Caso contrário, continuaremos no caminho dos semivivos, que são os índios brasileiros. (JB, n° 138)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 21.10.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

JB, N° 132 a 138. Rondon, 75 Anos Depois No Caminho Dos Semivivos (I a VI) ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, n° 132 a 138, 09 a 16.06.1965.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

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