A Terceira Margem – Parte CCXXXIX

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon  1ª Parte – XIX  

Entrada da Gruta Ricardo Franco

Forte Coimbra – I  

Anchieta, Aspilcueta ([1]) e Nóbrega ressurgem unificados nessa personalidade incomparável, única, abençoada, nesse homem que tão alto eleva a nossa raça, a nossa nacionalidade, desmentindo, pelo exemplo, por atos e palavras, o pessimismo ultramontano dos que descreem de nossos destinos… Rondon, ao lado das tarefas de técnico, desdobra, maravilhosamente, as energias de um Santo. E de tribo em tribo, de taba em taba, de maloca em maloca, vai esse homem admirável surgindo, de olhos brilhantes e sorriso nos lábios, estendendo ao silvícola, sobre a palma da mão leal, sementes de fraternidade, germes de progresso, de paz, de harmonia e confiança. (Álvaro Sá de Castro Menezes)

08.08.2017: Forte Coimbra  

À tarde o Cmt da 3° Cia Fron, Cap Glauco Viana Coitinho, guiou-nos até Gruta Ricardo Franco ([2]), anteriormente batizada pelo próprio Ricardo Franco de “Gruta do Inferno”. O Cap Glauco foi um cicerone à altura discorrendo com desenvoltura sobre as características e histórico do local. A estreita entrada da gruta dá acesso, através de um terreno íngreme, a uma pequena galeria inicial. A luminosidade natural vai esmaecendo à medida que se penetra na caverna e seria difícil continuar a progressão sem o auxílio da iluminação elétrica ali instalada.

Mais adiante, adentramos em um amplo salão, onde se destacam um lago de águas límpidas, um teto deslumbrante do qual pendem formosas estalactites e um solo fértil de onde brotam belas estalagmites. Alguns destes conjuntos formam sólidas e torneadas colunas. Do grande salão partem túneis e corredores que conduzem a outras galerias menores.

Gameleira Secular (João S. da Fonseca)

Relatos Pretéritos: Gruta do Inferno 

Capitão Ricardo Franco de A. Serra (1786) 

GRUTA DO INFERNO 

Diário da Diligência do Reconhecimento do Paraguai desde o Lugar do Marco da Boca do Jauru até Abaixo do Presídio de Nova Coimbra… – Ano de 1786 

09.07.1786: […] logo fomos vendo os montes de Coimbra, a que chegamos no dia 09 de manhã, com 16 léguas de caminho total desde o morrete de Albuquerque. O morro de Coimbra está situado na margem Ocidental do Rio Paraguai, e na margem oposta há outro pouco menor; ambos abeiram no Rio; o que faz chamar, a este estreito passo, fecho dos morros; ambos estão cercados de campos que se alagam nas cheias; o 1° se navega à roda dele em 70 min, e o 2°, que é menor, e do lado de nascente, em 50.

10.07.1786: Em 10, circundando em canoa este monte, o configuramos: tem meia légua de comprimento de Norte a Sul, a sua grossura maior, que é no meio dele, tem um terço desta distância. A ponta de Norte é baixa, e junto dela há uma pequeníssima lagoa, pouco afastada do Rio, donde nasce um furo que torneando este monte, pelo Oeste, vai sair, formando grande baía, 3 léguas abaixo no Paraguai.

Na dita ponta fomos ver uma caverna curiosa que ali há; 45 passos andamos em terreno plano pelo mato do pé do monte, e 145 mais subindo a sua escarpa, que não é muito íngreme, até darmos em dois buracos retangulares, feitos na penha ([3]) viva. Dependurados por uma destas quebradas, e caindo de pedra em pedra, descemos coisa de duas braças até cairmos em uma abóbada subterrânea de 50 palmos do comprido, e 25 de largo; o seu teto ótima só pedra quebrada com os buracos por que entramos, e por que lhe entra a luz. Desta abobada pendem muitas pirâmides agudíssimas de pedras chamadas Estalactites, formadas por antiquíssimas lapidificações ([4]); algumas são da grossura, na sua base, de um homem, e da sua altura, e outras menores; o chão está coberto de sólidos penedos o de outros sólidos da matéria das mesmas pirâmides, superabundância da sua formação.

A dita abóbada para parte de Sul vai caindo em 45 graus, para o centro deste monte, e formando com o pavimento que para a mesma parte igualmente desce, uma profundidade ou espaço aéreo cheio de mil penedos, cujo fundo se perde na escuridade ([5]); a largura deste espaço em cima é de uma braça, e em baixo parecia de 3 palmos; enfim uma pedra que lançamos gastou 5 segundos em tempo de chegar lá até o fundo. A ponta de Sul deste monte, que é a única parte dele que abeira no Rio, terá 200 braças de largura; no meio desta distância está o Presídio de Nova Coimbra, erigido em 1775. Consiste em uma estacada retangular e flanqueada em recíproca defesa; o lado maior que olha para o Rio tem 45 braças, e o menor 16; na parte de Leste desta ponta, e 64 braças distante do Presídio, há uma mina das pedras denominadas Dondrites; isto é, uma espécie de lajeados arroxeados, em que se vê esculpidas com curiosa delicadeza as mais perfeitas e miudíssimas ramificações de cor negra; de tal forma que dividindo-se cada uma destas pedras em delgadas laminas, em todas elas se vê o mesmo. A outra extremidade defronte desta ponta, que dista pouco mais do Presídio, é funestamente célebre pela mortandade de quase 60 Portugueses, do dito Presídio, que aleivosamente despedaçaram, há poucos anos, os Gentios Cavaleiros com título de paz. Ao cume deste monte subimos, onde há uma guarita que vigia e descobre muitas léguas à roda; dele só vimos para qualquer parte, uma extensa e geral alagação que cobria os vastos campos gerais, que vêm desde a boca do Paraguai Mirim, cortando o Paraguai Grande por entre eles, alagação a que se não via fim. A situação geográfica de Coimbra é na Latitude austral de 19°55’, e na Longitude de 320°01’45”; a agulha varia 10° de Norte para Leste; a cheia apenas tinha descido um palmo da sua máxima altura. (RIHGB – XX, 1857)

Paineira rosa barriguda

Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira (1791) 

GRUTA DO INFERNO 

04.04.1791: A mesma Gruta do Inferno [que assim ouvi chamar a quem a descreveu, o Sargento-mor Ricardo Franco] é outra armadilha, de que creio que até o presente não tem lançado mão o gentio, por não ter dado fé dela. Para examiná-la, a cumprir as soberanas ordens de Sua Majestade, que por V. Exª me foram intimadas, saí daquele Presídio ([6]), pelas 08h30, de 04 de abril, embarcado em canoa ligeira e equipada; e com uma hora e quarto de caminho que fiz, rodeando a dita colina, pela parte do Norte, cheguei ultimamente ao porto de desembarque, de onde gastei ainda um quarto de hora a fazer uma picada ligeira, e andar a distância de boas 19,5 braças entre umas 4,5 de terreno plano e matoso, que andei pela base da colina, e as 14,5 de escarpa, que subi, até a boca da mencionada gruta. Está situada na contraponta do morro que olha para o Norte; e a interposição de uma grande pedra a divide em duas, ambas retangulares; porém a primeira, que é inferior, tem 11 palmos de comprimento ao rumo de Nascente, e 8 de largura; e a segunda, que é a superior, por onde entrei, tem 10 palmos de comprimento E.O., e 7 de largura. Pelo que mostram ambas elas, ninguém pode ajuizar do que dentro em si é semelhante gruta. O mesmo Sargento-mor Ricardo Franco de Almeida Serra, quando nela entrou, e a descreveu, não a viu em toda quanto é a sua extensão e magnificência.

Pelo que, se alguém até agora tem parecido encarecida a sua descrição, é porque a ninguém ocorreu examiná-la como deve ser, para vir no conhecimento do quanto ela é realmente superior a todo o encarecimento. Não é como a celebrada Gruta das Onças, onde, excetuada a grandeza, nada mais há que ver senão água, entulhos e morcegos: porém, até na grandeza a deixa muito a perder de vista a Gruta do Inferno, digna certamente de um mais apropriado nome que este, posto por quem a viu primeiro, que sem dúvida se horrorizou da sua escuridão e profundidade.

Para ver-lhe o fundo, me conduzi com muito jeito por uma precipitada escarpa à baixo, até dar comigo na profundidade de 190 palmos, sendo aquela escarpa um enormíssimo entulho de pedras abatidas da abobada, que constitui o teto da gruta, por onde está sempre pingando água. Marchavam adiante de mim doze pedestres com outros tantos archotes, que eu providentemente havia mandado fazer, não só para me guiarem os passos ao descer por um tão tenebroso precipício, mas também para iluminaram a gruta, de maneira que pudessem ver à vontade ambos os desenhadores que me acompanhavam, para a figurarem como convinha. Porém, tão grande se foi ela mostrando, e tão temerosamente escura, que espalhando-se as luzes, apenas via cada qual o precipício de que escapava, se bem que assim mesmo nos conduzimos sem a menor lesão, até chegarmos ao seu verdadeiro fundo. Eis aqui onde a natureza me tinha preparado o maravilhoso espetáculo, que recompensou dignamente tanto o meu perigo, como o meu trabalho. Porque, olhado à primeira vista o todo, depois de distribuídas as luzes em proporcionadas distâncias, representou-se-me uma mesquita subterrânea, e observadas as suas partes, cada uma delas fazia saltar aos olhos uma diferente perspectiva.

A que do fundo daquele grande salão se oferece à vista do espectador colocado à entrada dela, e a de um magnífico e suntuoso teatro, todo decorado de curiosíssimos estalactites, uns dependurados da abóbada, que constitui o teto, à maneira de outras tantas goteiras fusiformes, curtas ou compridas, grossas ou delgadas, redondas ou compressas, simples, bifurcadas, ramosas, tuberosas, verrugosas; outras saindo do pavimento, à maneira de pilares, colunas, columelas lisas ou caneladas, pavilhões de campo, e um tão grosso, que dois homens o não abarcam.

Ao lado esquerdo da mesma sala se deixa ver, como debruçada sobre ela, uma superbíssima cascata natural, com todas as suas pedras cobertas de incrustações espatosas ([7]) e calcárias, que vivamente representavam alvos borbotões de espuma das águas precipitadas daquela altura.

Em outra parte, porém, do mesmo lado parece que a natureza se moldou no gosto da arquitetura gótica. Por todo esse lado estão espalhados diversos labirintos, cada um dos quais de per si constitui uma curiosíssima gruta: tem aquela sala a sua linha de direção lançada ao rumo de Leste, que é o mesmo que segue o interior de toda a gruta, com diferença de ser cruzada. Pelo que segue a boca inferior, viu-se que tão somente o salão, incluída uma câmara sua, tinha de comprimento total cinquenta e uma braças. Todo o seu plano, que, aliás, era irregular, se havia então convertido em um lago de água salobra, porém clara, fria e cristalina; e reconheceu-se que pouco ou nenhum curso tinha, por estar represada pela enchente do Rio. (FERREIRA)

Apoio do Exército na Visita à Gruta Ricardo Franco.

Filmete:  https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 16.06.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Descrição da Gruta do Inferno, no morro da Nova Coimbra sobre o Paraguai – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Tomo IV, 1842.

RIHGB – XX, 1857. Diligência do Reconhecimento do Paraguai desde o lugar do Marco da Boca do Jauru até Abaixo do Presídio de Nova Coimbra… – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume XX, 1857.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Padre João de Aspilcueta.

[2]    Gruta Ricardo Franco: 19°53’15,2” S / 57°47’32,1” O.

[3]    Penha: rocha.

[4]    Lapidificações: petrificações.

[5]    Escuridade: escuridão.

[6]   Presídio: Forte.

[7]   Espatosas: como o carbonato de cálcio hialino.

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