A Terceira Margem – Parte CCXXV

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – V

Mapa de Três Lagoas até Foz do Apa (DNIT)

Coronel Amílcar Botelho – II 

Frases de Roosevelt – Observações de Roosevelt sobre o Brasil e os Brasileiros  

Roosevelt era espirituoso e alegre, não parecendo incomodar-se muito com os enxames de abelhas e de mosquitos, que, às vezes, lhe cobriam as mãos, enquanto, impassível, escrevia as suas impressões e a sua correspondência ([1]) durante as refeições e ao terminá-las, detinha-se a palestrar conosco, em francês, e distinguia com evidente simpatia o admirável palestrador que é também o Comandante Heitor Xavier Pereira da Cunha, distintíssimo oficial da Marinha de Guerra, hoje reformado, nosso companheiro durante o começo da Expedição.

Pereira da Cunha deleitava-nos com a sua verve ([2]), ao mesmo tempo em que provocava inteligentemente as opiniões de Roosevelt, mas sempre correto e gentil, como um homem de fina educação que é.

Em uma dessas palestras, a propósito dos japoneses, Roosevelt declarou formalmente condenar a emigração desse povo para o seu país, porque lhes observara as tendências acentuadas para a absorção e para o predomínio sobre o elemento nacional.

Por condenar as violências de seus patrícios, para repelir e expulsar os japoneses da América do Norte, estes interpretaram os seus atos como respeito aos japoneses, que eram formidáveis! Esta arrogância teve como resposta ao pé da letra o celebérrimo “raid” ([3]) da esquadra norte-americana, com passagem obrigatória pela Ásia. (MAGALHÃES, 1942)

Vamos reproduzir, a seguir, parte do Anexo 5 ‒ Relatório apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon pelo Capitão Amílcar Armando Botelho de Magalhães, Ajudante da Expedição Científica Roosevelt-Rondon, publicado em 1916:

Capítulo 1 – Sob a Vossa Chefia imediata 

02 a 05.12.1913: Em 2 de dezembro desse mesmo ano, obedecendo a tão honrosa indicação, parti em vossa companhia pelo noturno de luxo, às 21h30. No dia 3 chegamos a S. Paulo, com um atraso de 02h20 e às 20h13 partimos pela Estrada de Ferro Sorocabana.

Às 10h30 do dia 4 chegamos à estação Bauru, onde nos aguardava um trem especial, posto a vossa disposição; às 11h50 partimos de Bauru e às 21h00 desembarcamos em Araçatuba, onde pernoitamos, visto não estar em certo trecho consolidada a linha, de modo a permitir que se viajasse à noite. Em caminho para Araçatuba, fez-se uma pequena parada na estação provisória “Heitor Legrue”, onde os índios Kaingangs, esses mesmos considerados ferozes e cuja pacificação foi feita pessoalmente por vós, em época bem recente, vieram documentar vivamente a injustiça de que eram vítimas, festejando a vossa passagem pelas suas terras.

Às 03h00 do dia 5 partimos para Itapurá onde apenas demoramos 20 minutos; às 09h00, desembarcamos na estação provisória de Jupiá. Às 12h00 desatracou o “ferry-boat” conduzindo-nos para a margem direita do Rio Paraná, o que vale dizer, transportando-nos do Estado de S. Paulo para o de Mato Grosso. Reorganizado o trem sobre os trilhos da outra margem, partimos às 14h00 para Três Lagoas onde almoçamos às 14h30. Às 15h30 retornamos ao trem e às 20h30 desembarcamos na estação do Rio Verde, última estação inaugurada nesse trecho e na qual fizemos a nossa segunda refeição.

06 a 09.12.1913: Às 05h00 de 6 partimos para a ponta dos trilhos; às 08h00 saltamos do “wagon” e às 09h30 partimos montados, da ponta dos trilhos, com destino ao Rio Pardo, onde apeamos às 16h05 ([4]) em Rio Pardo, onde às 19h00 fizemos a única refeição desse dia, aguardamos a chegada da tropa, que só apareceu às 22h00, recebendo ordem vossa de prosseguir viagem, substituindo-se alguns animais cargueiros que davam mostras de cansaço.

Às 02h00 do dia 7 iniciamos a nova marcha, aproveitando a claridade das estrelas e, às 10h15, apeamos junto ao Córrego Campo Alegre, onde tomamos a única refeição desse dia; às 16h10 prosseguimos viagem. No dia 8 às 02h30 apeamos em um sítio pertencente ao Cel Sebastião de Lima, a uma légua de Campo Grande, aí pernoitando. Às 08h35 do mesmo dia oito, chegamos à Vila de Campo Grande onde aguardamos a vinda dos cargueiros que conduziam nossa bagagem, o que só se deu às 13h00.

Nesse mesmo dia partimos às 18h00 e à 01h00 do dia 9 chegamos ao acampamento da construção do outro trecho da Estrada de Ferro Noroeste. Ainda a 9, às 06h15 partiu o trem especial posto à vossa disposição para vos conduzir a Porto Esperança. Adiante da vila de Aquidauana o trem parou alguns minutos, junto à estação provisória “Visconde de Taunay”, onde um numeroso grupo de índios “Terenas”, soltando foguetes e cantando na sua língua, dava mostras do quanto os alegrava a vossa presença entre eles. Não me posso furtar ao dever de citar episódios como esse, visto envolver o assunto de tão grande interesse para a nossa Pátria, ferindo o grande problema das relações do homem civilizado com o homem que habita as selvas. É curioso assinalar, como nota probatória do prestígio em que é tida a vossa pessoa entre eles, o fato de trazerem as mães, de muito longe, os seus filhinhos recém-nascidos, para receberem o ósculo afetuoso que lhes imprimíeis, fato a que também se liga o sentimento afetivo do índio. Desembarcamos às 22h00, em Porto Esperança ([5]), passando-nos com as bagagens para bordo do paquete “Nyoac”, onde afinal a urgência da marcha permitiu que fosse tomada uma refeição nesse dia. Às 23h30 partia o “Nyoac”, Rio Paraguai abaixo, com destino à foz do Apa.

Localização da Foz do Apa, em 1913

10 a 11.12.1913: No dia 10, às 04h00, paramos defronte ao nosso legendário Forte de Coimbra ([6]), glorioso baluarte da honra nacional, teatro de um choque armado da bravura paraguaia contra a bravura brasileira e onde se imortalizaram Portocarrero e o pequeno grupo de obscuros, mas heroicos defensores da nossa Pátria.

Às 05h30, prosseguimos viagem a bordo do “Nyoac” e no dia 11, 05h30, arriamos ferro em frente a Porto Murtinho ([7]), pequeno povoado mato-grossense da margem esquerda do Rio Paraguai. De Porto Murtinho partimos às 08h05 e às 09h50 encontramos navegando contra nós o paquete “Brasil” de cujo bordo retiramos as nossas malas de fardamento fino, embarcadas no Rio de Janeiro conjuntamente com a carga destinada à Expedição, fazendo-nos ao largo novamente às 10h30. Ancoramos às 13h30 do dia 11, defronte embocadura do Rio Apa onde aguardamos a chegada do Sr. Roosevelt, olhando simultaneamente as terras brasileiras da sua margem direita e as terras paraguaias de sua margem esquerda. Nessa expectativa passamos a noite do dia 11, estabelecendo o serviço de vigilância e conservando-nos de “prontidão” segundo a terminologia militar. 12.12.1913: No dia 12 às 10h40 foi assinalada, a jusante, a fumaça de um navio no extremo do estirão ([8]) em que nos encontrávamos e às 11h10 ([9]) ancorava a bombordo a canhoneira paraguaia “Adolpho Requielme”, em que viajava o Sr. Roosevelt. Após os cumprimentos de estilo, levados a bordo da “Riquielme”, partimos às 12h10 comboiando com o “Nyoac” aquele navio de guerra ([10]). (MAGALHÃES, 1916)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.05.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon – Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria Macedo, 1916.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    O “The Outlook”, um dos grandes diários de New York, pagava-lhe os artigos à razão de um dólar por palavra!

[2]    Verve: oratória.

[3]    Raid: ataque.

[4]    Tínhamos feito, nessa primeira marcha a cavalo, vinte léguas ou 120 quilômetros, contados pelos marcos da estrada quilometrada! (MAGALHÃES, 1942)

[5]    Porto Esperança: 19°36’35,71” S / 57°27’22,98” O.

[6]   Forte de Coimbra: 19°55’13,35” S / 57°47’31,70” O.

[7]    Porto Murtinho: 21°41’55,10” S / 57°53’22,57” O.

[8]    Na Imagem 02 podemos notar que o processo de assoreamento da Foz do Rio Apa, em decorrência da remoção da vegetação ciliar da sua Bacia, projetou a margem esquerda sobre a ilha frontal à boca eliminando-a, numa extensão de mais de 2 km rumo Oeste e os sedimentos foram carreados, na maior parte, para SO em virtude da corrente do Paraguai. O desvio do talvegue do Rio, em consequência, dirigiu a torrente contra a margem direita que foi paulatinamente solapada ampliando a curva à direita que já existia. Podemos afirmar, então, que o encontro dos expedicionários deu-se, aproximadamente, nas coordenadas 22°05’24,48”S/57°58’21,01”O, pois a lógica nos leva a considerar que os nautas abrigar-se-iam da correnteza ancorando a embarcação ao Sul da margem direita do Boca do Apa ao mesmo tempo que esta localização facilitava a visão do Estirão que se alongava no sentido SSE (Susudeste). As cartas antigas mostram uma ilha, ou banco de areia, na vazante, na Boca do Apa que com o passar dos anos foi progressivamente incorporada ao continente pelos sedimentos.

[9]    Há uma diferença de 7 minutos entre os cronômetros do Cap Amílcar (11h10) e do Telegrama enviado pelo Cel Rondon (11h17) ao Ministro Lauro Müller. Nas suas Conferências no Teatro Fênix, por sua vez, Rondon afirma que: às 11h30, a “Riquielme” estava a bombordo do “Nyoac”. O que nos leva a poder considerar que o “Riquielme” ancorou, portanto, após as 11h00 à bombordo do “Nyoac”.

[10]  Telegrama do Cel Rondon publicado, no Jornal “O Paiz”:

Porto Murtinho, 14.12.1913 – Participo a V. Exª termos chegado, no dia 11, às 13h30, e ancorado na Foz do Rio Apa, onde aguardamos a passagem do Coronel Roosevelt, e sua comitiva. Às 11h17 do dia 12, ancorou a nosso bombordo a canhoneira Adolpho Requielme, a cujo bordo veio o ilustre Ex-presidente norte-americano. Após cumprimentos, levados pela Comissão Brasileira, a bordo do navio paraguaio, levantamos ferro Rio acima, comboiando aquela embarcação. (O PAIZ, n° 10.662)

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