A Terceira Margem – Parte CCXVIII

Navegando o Tapajós ‒ Parte XXII 

Igreja de Boim

Boim, PA

Terra dos Tupinambás  

(Elísio Eden Cohen e Maria das Graças Pinto Paz)  

Boim! Boim! Terra dos Tupinambás

Boim! Boim! Não te esquecerei jamais

Boim dos meus amores

Terra boa de viver

Quero sempre estar bem perto

Pra contigo conviver

Tem festa de Santo Inácio

Que é a grande reflexão

A este Santo Milagroso

Que é nossa proteção. […]

Volto a reportar informações sobre a região de Boim, por onde passamos quando subíamos o Tapajós, tendo em vista as conversas que mantive com ribeiri­nhos e moradores de Aveiro e, em especial, o Sr. Júnior, gerente da Agência do Bradesco em Aveiro.

Boim   

Distrito de Santarém, PA, assentado na Baía do Boim, margem esquerda do Rio Tapajós, a, aproxima­damente, noventa quilômetros da sede do Município de Santarém. O termo “Boim” é de origem tupi e significa “cobrinha”, obtido através da conexão dos termos “mboîa” (cobra) e “mirim” (pequeno). Foi fundada, em 1737, pelo Padre jesuíta José Lopes com o nome de “Aldeia de Santo Inácio de Loiola”.

No dia 09.03.1758, a Aldeia teve sua deno­minação alterada para Vila de Boim.

Igreja Católica de Boim  

Igreja de Boim – Santo Inácio de Loyola

A Igreja de Boim está localizada no centro da Comunidade próxima à Praça Padre Antônio da Fonseca e ao Porto. Tentaram várias vezes, sem sucesso, construí-la de frente para o Rio Tapajós. Os moradores afirmam que cada vez que metade da obra era concluída os temporais a arrasavam. Certa vez um dos operários sonhou que a igreja deveria ser construída na mesma posição em que fosse encontrada a imagem de Inácio de Loiola. No dia seguinte, a estátua do Santo foi encontrada de lado para o Rio. Hoje a Igreja de Boim é a única assim posicionada em todo o Tapajós. A versão mais aceita, porém, é a que reproduzimos a seguir.

Lenda da Igreja 

Fonte: Maickson Santos Serrão, 18.01.2011.   

Em 1895, auge da Revolta dos Cabanos, o povo boinense fugiu para a mata. Um certo homem religioso, todavia, tratou de esconder a imagem de Santo Inácio de Loyola. Embora pesada, escondeu-a atrás de uma árvore de Sapupema e a cobriu com folhas de Piririma e Samambaia. Após o fim da revolta, os moradores retornaram à vila e deram pela falta do Santo.

O homem, então, disse o local do esconderijo e os comunitários puderam levá-lo à Igreja. Entretanto, noutro dia, novamente o Santo havia sumido. Dessa vez, ninguém sabia onde encontrá-lo. Resolveram procurar atrás da árvore e, para surpresa geral, lá estava ele. Levaram-no por três vezes à Igreja e em todas ele voltava para trás da Sapupema.

Uma senhora idosa, curandeira, consultou os astros e disse que o Santo queria uma Igreja nova. Começaram, portanto, a construção de um novo templo com a frente para o Rio, como é de costume. Quando a construção estava quase finalizando, um forte temporal a destruiu completamente. Não desistiram. Voltaram aos trabalhos e novamente veio abaixo. Fizeram por três vezes e todas caíram. Novamente consultaram a curandeira, que garantiu que deveriam construir a Igreja como tinham encontrado o Santo, ou seja, de lado para o Rio. Assim fizeram e a Igreja está até hoje de pé, com algumas remodelações feitas em 1949 e em 2005. (SERRÃO, 2011)

Flerte de S. Inácio e Nossa Senhora do Rosário 

Fonte: Manuel Dutra baseado na obra de Elísio Eden Cohen 

Entronizado pelos jesuítas, Santo Inácio não foi o primeiro padroeiro, cargo que pertencia a Nossa Senhora do Rosário. As duas imagens ficavam lado a lado, no interior da capela e os moradores logo descobriram que havia um flerte entre os dois. De 1910 para cá, Santo Inácio virou padroeiro e ninguém sabe onde foi parar a Nossa Senhora do Rosário. Insatisfeito com a solidão, o Santo guerreiro da Espanha Basca, como bom cavaleiro que foi na vida terrena, buscou alternativa.

À noite, quando todos dormiam, exceto o boto conquistador, Inácio Lopez de Loyola deixava o seu pedestal e, descendo algumas léguas Tapajós abaixo, em pouco tempo estava ao lado de N. Sr.ª da Saúde, na Vila de Alter do Chão. Não foi uma nem duas vezes que os fiéis, ao chegarem para a reza matinal, assustaram-se ao perceber as vestes do santo úmidas pelo orvalho e a orla de seu manto apinhada dos carrapichos do mato por onde andara na noite anterior.

Seja como for, nada diminui a fé de quantos até hoje prometem-lhe mil coisas em troca de outras tantas, sobretudo pistolas. Assistir a uma festa religiosa em Boim é ouvir o estourar dos fogos do começo ao fim. Por cima de tudo, Santo Inácio é Santo mesmo. Não é o tronco de carvalho no qual a imagem de quase um metro e meio foi esculpida. Ele assume a mesma estatura do fiel que, com devoção, se aproximar dele em oração. Antes da última restauração, que deixou a estátua bem vistosa para a festa de 31 de julho, havia um buraquinho entre os lábios, deixado por um antigo restaurador de imagens de Santarém. Porém, não se tratava de um lapso do artista. Era naquele orifício que Inácio colocava o cigarro que fumava em suas sortidas noturnas, para espantar os carapanãs. (DUTRA)

Boim Contra os “Ingerados” 

Fonte: Maickson Santos Serrão 

Desde a infância, sempre nas contações de histórias que ouvimos dos mais velhos da comunidade, nos deparamos com a figura dos “ingerados”, que são pessoas, segundo a crença, demoníacas que se transformam em outros seres, principalmente animais. De madrugada, o fulano se “ingera” para cavalo. O sicrano se “ingera” para uma onça. A beltrana se “ingera” para uma porca. Essa metamorfose acontece devido a essas pessoas possuírem “orações feias”, ou seja, pactos demoníacos. As incertezas pairam entre as pessoas, mas aquelas de mais idade garantem que é real. Afirmam que já viram, presenciaram esse momento macabro. Os “ingerados” circulam geralmente altas horas da noite e perseguem pessoas, principalmente quando estão sozinhas, e cães nas ruas. Mas há aqueles que, talvez, sejam mais “poderosos” ou mesmo “sem vergonha” e resolvem passear cedo da noite mesmo, sempre em locais com pouco movimento.

Um dia desses, um senhor da comunidade foi surpreendido por um desses seres. Próximo ao cemitério, deparou com uma porca que o fez correr. O senhor acabou passando mal e foi parar na água doce. Alguns comunitários, em solidariedade, foram caçar a tal porca, que é uma pessoa “ingerada”. Não a encontraram. Acabam surgindo suspeitos nas conversas de vizinhança e outros até apostam que sabem quem é a pessoa que se “ingera” para a porca. A caçada continua. Quarta, dia 16.10.2013, algumas pessoas a avistaram no bairro do Tucumatuba. Os mais corajosos da comunidade garantem que o fim dos seres “ingerados” está próximo. Será? Existem mesmo? Já imaginou você encontrando um cavalo, uma onça, que o persiga à noite? Prefiro não duvidar e espero nunca encontrá-los em minhas andanças por aí! (SERRÃO, 2013)

Estudos 

(Alcides Werk) 

VI 

O amargo deste sal que me alimenta

Agora, eu mesmo o consegui catando

Abismos nesse Mar desconhecido

Que o tempo me mostrou depois de mim.

Este sabor estranho de distância

Que vivo a cada hora e que me envolve,

Vem da vida que vi nessa voragem.

Sei, agora, que após a ronda inútil

Por além dos limites do meu nada,

Voltamos mais vazios, eu e o barco

Que construí para guardar tesouros.

No regresso noturno, cumpro o gesto

De buscar o local, em cada porto

Onde possa esconder um sonho morto.

Das Fronteiras 

(Alcides Werk) 

[…] Nas minhas tardes vazias, enquanto o céu não me espera por total falta de méritos, atravesso essas fronteiras à procura de outras vidas, e quando retorno à casa trago a alma pesada de canções amargas. Mas se ergo a voz uma vez, e canto um canto rebelde num gesto forte de amor, todos me julgam um hostil estrangeiro. Quando se esgotar o meu tempo de luta, construirei minha morada entre árvores sadias e simples, e assistirei em silêncio força do tempo destruindo as fronteiras.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 18.05.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

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