A Terceira Margem – Parte CLXXVII

Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte LIII  

Rio Solimões

Coari, AM – Codajás, AM  

Rio Solimões

Solicitamos o apoio de uma viatura da Polícia Militar para nos levar do Hotel LH até o Flutuante Mer­cadinho Paulão, de propriedade do Sr. Paulo Lopes de Oliveira. Estávamos desembarcando as tralhas e o Sr. Paulo veio, pessoalmente, abrir o depósito onde deixá­ramos o motor rabeta e outros materiais.

03.03.2013 – Partida para Codajás 

Rio Solimões

Partimos, eu e o Marçal, às 04h45, deixando o Mário para trás arrumando os badulaques na lancha Mirandinha. Iríamos enfrentar o maior percurso desde a Foz do Breu (141 km) e precisávamos iniciar cedo nosso deslocamento. Remamos lentamente afundando nossos remos nas negras águas do Lago Coari e fomos aos poucos aumentando o ritmo e deixando para trás as luzes da Cidade. Quando desci o Solimões, de Tabatinga a Manaus, em janeiro de 2009, fui muito bem recebido pelo Major PM Denildo e os Secretários do Prefeito de Coari, recém-eleito. Acompanhado por eles, conheci a Cidade do Gás e informado dos diversos projetos que seriam levados avante pela nova administração. É com tristeza que verifico que muito pouco foi feito, defini­tivamente a Cidade estava muito menos atraente do que há 4 anos. O Sol só apareceu quando nos encontrávamos próximos à Boca do Lago Mamiá, as águas rápidas do Solimões facilitavam o deslocamento e estávamos confiantes em atingir Codajás antes das 17h00.

Rio Solimões

Quando passamos ao largo da Comunidade São Francisco do Camarazinho, fizemos a primeira parada, às 09h00, acostando na Mirandinha, no meio do Rio para abastecer os cantis e comer bananas. Havíamos remado 51 km até então, faltavam só 90. Pedi ao Mário para fotografar a Escolinha onde eu pernoitara, no dia 11.01.2009, a decadente Escolinha de então tinha sido reformada, pintada e ganhara novo telhado.

Rio Solimões

Depois do breve descanso, continuamos nossa jornada. Até então o dia nublado bloqueara os raios solares propiciando uma manhã bastante agradável. Parecia que São Pedro estava disposto a colaborar com nossa progressão.

Rio Solimões

Remamos por mais uma hora e começamos a prestar a atenção nas plúmbeas nuvens que se forma­vam à nossa proa. Exatamente às 11h00, a tempestade chegou, mas como estávamos acompanhando sua evolução, já há algum tempo, estávamos próximos à margem e acostamos em uma pequena baía na mar­gem esquerda, aguardando as rajadas mais fortes passarem. Aguardamos apenas uns 10 minutos antes continuar, os ventos de proa e a chuva eram agora mais fracos e só tínhamos que nos preocupar com os banzeiros. Curiosamente eu enfrentara a pior tempes­tade de minha descida pelo Solimões, em janeiro de 2009, exatamente nesta mesma região:

Estávamos a meio caminho quando o tempo fechou, trazendo consigo chuva forte e ondas de 60 cm. Determinei ao Romeu que mantivesse contato visual, não cheguei a colocar a saia, pois conseguia evitar que a água entrasse no caiaque jogando o corpo para trás, evitando que a embarcação afundasse muito a proa.

As ondas eram bem menores do que aquelas que normalmente enfrentara no Guaíba e Laguna dos Patos. (Hiram Reis e Silva – Descendo o Solimões)

Rio Solimões

Aqui, também, perdera minha bússola sueca “Silva” que me acompanhara desde os tempos de Aspirante há mais de três décadas. Ela mergulhou celeremente nas águas lamacentas do velho Rio e as notas do “Dies Irae” soaram nos meus ouvidos numa justa homenagem à velha amiga:

A velha bússola participara, ombro a ombro, de diversas competições, pistas de orientação, mano­bras, montagem de exercícios, marchas, uma série infindável de momentos, sempre apontando o rumo correto. As imagens de competições de Pelopes, as montagens de pistas de orientação em que ela era minha parceira inseparável e as pistas que juntos executamos, tudo isso veio, na época, à minha mente junto com o som do Réquiem imaginário. O “Réquiem Dies Irae”, de Wolfgang Amadeus Mozart, está envolto por um manto de mistério, romantismo e fantasia. A obra foi encomendada pelo Conde Walsegg-Stuppach, em memória de sua esposa, e Mozart, atarefado e doente, foi compondo o “Réquiem” quando podia, dando mais importância a outras obras. A esposa estava preocupada com a mudança no seu comportamento.

Um dia, quando passeava com o marido com intuito de animá-lo, Mozart disse que estava escrevendo o “Réquiem” para si próprio afirmando: “eu não consigo tirar da minha cabeça a imagem desse estranho. Vejo-o constantemente a me perguntar, solicitando-me e implorando-me impacientemente que complete a tarefa, é o meu Réquiem, não o posso deixar inacabado”.

Infelizmente a morte interrompeu o mais belo “Réquiem” produzido até hoje pelo maior de todos compositores clássicos. Mozart faleceu no dia 05.12.1791 e, finalmente, o “Réquiem” foi concluído pelo seu discípulo Franz Xaver Sussmayr. (Hiram Reis e Silva – Descendo o Solimões)

Rio Solimões

Enfrentamos banzeiros, com ondas de até um metro, durante boa parte do tempo até nos aproxi­marmos de Codajás. A vantagem é que o Rio agora bem mais estreito aumentava a velocidade das águas permitindo-nos atingir até 17 km/h. Aportamos nas proximidades do Porto de Codajás, às 15h05 – 141 km em 10h20. O Cb Mário, que, a meu pedido, chegara meia hora antes, já acordara com o “Pisca” um flutuante para guardar as embarcações, o material e contatara nossos caros parceiros da Polícia Militar do Estado do Amazonas.

Hospitalidade da Polícia Militar 

Alto-horário – Rio Solimões

Fomos cortesmente recepcionados pelos Cabos PM Francisco Valmir de Souza Pereira e Gilmar Simplício Nazário. Por mais uma destas amazônicas coincidências, tínhamos encontrado o Cb PM Simplício, na nossa descida pelo Solimões na Cidade de São Paulo de Olivença, AM. A dupla nos levou até o hotel onde pernoitaríamos e, logo depois, o Cabo PM Valmir nos obsequiou com um lauto almoço em sua residência.

Os gaúchos se ufanam, e com razão, de serem corteses e hospitaleiros, mas devemos nos lembrar que estas qualidades desconhecem fronteiras. Volta e meia, nas nossas amazônicas andanças, somos brindados com estas tão caras qualidades que não respeitam fronteira, crença ou cor.

Alto-horário – Rio Solimões

Plagiando Caetano Braun, o augusto Poeta do meu abençoado rincão – a hospitalidade é um laço bem grosso e de armada grande que Deus trançou, pra que ande, apresilhado nos tentos do coração das “criaturas livres e de bons costumes” de todas as querências!

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 22.03.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

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