A Terceira Margem – Parte CXVII

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXXVII   

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Descendo o Rio Madeira ‒ XVIII    

Rumo a Foz do Rio Madeira   

Rumo à Fz. do Sr. José Holanda (16.01.2012)   

Resolvi passar a última noite em Nova Olinda do Norte, nas confortáveis instalações do Palace Hotel. Precisava descansar para enfrentar o último lance que faltava do Rio Madeira, e o Porto Hidroviário, onde aportara o Piquiatuba; com sua movimentação constante, não permitiria um sono reparador.

Havia prometido ao grande Amigo e Mestre José Holanda que chegaria à sua Fazenda, a 78 km de distância, exatamente às onze horas e, para isso, precisava manter uma média de 13,8 km/h, um ritmo bastante forte para o final dessa 1ª Etapa da 4ª Fase do Projeto Desafiando o Rio-Mar.

Autor e Marçal na Foz do Rio Madeira

Acordei às 04h45 e fui direto para o Porto. Às 05h30 partimos, eu e o Soldado Marçal Washington Barbosa Santos (Cozinheiro do B/M Piquiatuba), embarcado no caiaque “indomável” de propriedade do José Holanda. A correnteza forte, a ausência de troncos, as nuvens encobrindo o Sol causticante, tudo conspirava para que atingíssemos nosso objetivo no tempo estipulado. O Marçal resolveu deixar o João Paulo remar comigo os últimos quinze quilômetros.

Uma esperada garoa começou a cair refrescando nossos corpos, o Grande Arquiteto, por intermédio de São Pedro, resolvera dar uma “forcinha” para que atingíssemos nosso objetivo com mais tranquilidade ainda. Chegamos às 11h01, um minuto além do programado para o tão esperado churrasco. O Mestre Holanda fora abastecer sua lancha e chegou logo em seguida.

Degustamos uns saborosos jaraquis ([1]) e carne de porco assados enquanto ouvíamos atentamente as histórias de sua vida. O Mestre Holanda perguntou a meu filho se ele estava satisfeito com o caiaque que ele emprestara e, como ele respondesse afirmativamente ganhou o caiaque de presente, ele já tinha deixado, também, em Itacoatiara, um carro para ficar à nossa disposição.

José Holanda   

Fazenda do José Holanda

A biografia do José Holanda é um exemplo de luta e determinação de um homem que jamais se conformou, nunca se acomodou e que, se hoje tem condições de levar uma vida mais confortável, é porque o fez por merecer. É um privilégio poder dizer que sou seu Amigo e mais que isso que ele é, sem dúvida, um de meus Mestres. Descendente de cearenses que se estabeleceram nas proximidades de sua atual propriedade, possui a determinação e a vontade férrea dos sertanejos cuja têmpera foi forjada no Sol causticante da caatinga.

Com treze filhos e mais de 30 netos, Holanda encanta a todos com sua fala mansa, seu carisma contagiante e a riqueza ímpar de experiências colhidas em suas mais de sete décadas de vida na região.

Alfabetizado tardiamente pelo antigo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), recuperou o tempo perdido lendo autores consagrados, dentre eles Ernest Hemingway. O deslocamento até a fazenda do José Holanda, na Foz do Rio Madeira, foi realizado numa lancha rápida por ele mesmo projetada, com motor Suzuki de 300 HP.

Fazenda do José Holanda

Quando desci o Amazonas, em dezembro de 2010, José Holanda comentou que o abigeato é comum na região e que em determinada ocasião um comerciante local, seu vizinho e proprietário de um flutuante comercial, surrupiou-lhe seis búfalos. Conhecendo o responsável pela autoria do roubo, ele se dirigiu, com a tranquilidade que lhe é peculiar, ao estabelecimento comercial do mesmo e fez uma compra considerável de combustível e de gêneros bem superior ao preço dos seis animais levados pelo inescrupuloso mercador.

Fazenda do José Holanda

Determinou que a embarcação carregada se afastasse e ficou com uma lancha rápida para lhe facilitar uma emergencial evacuação. Chamou o meliante para uma mesa e disse que precisava conversar com ele. Olhando fixamente nos olhos do ladrão disse que o pagamento do material que ele havia acabado de adquirir deveria ser abatido do preço dos búfalos roubados. Quando o malandro se esticou para pegar uma arma, Holanda mostrou-lhe a Calibre 12 engatilhada e destravada e saiu sem ser incomodado pelo covarde trapaceiro.

Por volta das 14h00 horas, partimos, embarcados no Piquiatuba, para Manaus, eu precisava conhecer a Ponte sobre o Rio Negro depois de pronta, checar alguns projetos rodoviários do 2° Gpt, visitar alguns diletos amigos em Manacapuru e Iranduba, comprar alguns livros e pesquisar alguns dados na Biblioteca Pública. A ida também tinha um aspecto logístico importante: precisávamos reabastecer o Piquiatuba para continuar nossa jornada pelo Rio Amazonas, de Mauari, Costa do Amatari, AM, até Santarém, PA, renovar o estoque do rancho e trocar nossas roupas de cama por outras limpas já que as águas amareladas do Madeira tinham deixado nelas sua marca.

Irmão Rio   

A sensação de navegar de madrugada é mágica, as luzes e as lembranças de Nova Olinda aos poucos foram ficando para trás e desvanecendo-se. As pás do remo mergulhavam carinhosamente nas águas tranquilas que mais pareciam um colossal espelho a refletir infindáveis emoções.

Redescobri o Madeira ao meu estilo, vasculhei impressões colhidas pelos “civilizados” desde o século XVII, extasiado aprendi com o Engenheiro e escritor Manoel Rodrigues Ferreira a verdadeira história da “Ferrovia do Diabo”, tive a oportunidade, graças ao Jornalista José Carlos de Sá Júnior, de conhecer as obras e as características técnicas da Hidrelétrica de Santo Antônio, vivenciei com citadinos, ribeirinhos e garimpeiros suas experiências, suas histórias, seus sonhos.

Balsa no Rio Amazonas

Naveguei mais de 1.100 km do Rio Madeira durante 24 dias, dos quais 14 dias de navegação e 10 dias de estada em 5 cidades e 1 comunidade, e, em todo este período, ele foi meu Mestre e eu seu atento discípulo. Fizemos uma média de 45,8 km/dia se considerarmos os deslocamentos e as paradas e 78,6 km/dia se considerarmos apenas os dias de navegação.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.12.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Jaraqui (Prochilodus brama): peixe muito comum no Amazonas, o corpo apresenta listras negras horizontais na parte superior da linha lateral, mais acentuadas na parte posterior. Semelhante ao curimatá.

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