A Terceira Margem – Parte CV

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXV

Lago de Santo Antônio – AM

Descendo o Rio Madeira ‒ VI 

Diário on Line, 23.03.2012

Sueco usa Caiaque em Aventura por Rios da América do Sul 

(Lívia Gaertner) 

Bastante difundido como embarcação para esportes radicais, o caiaque tem assumido papel fundamental, nos últimos seis meses, na vida do sueco Christian Bodegren, 38 anos, que resolveu conhecer o continente Sul-americano de um jeito bem diferente.

O estrangeiro chegou a Corumbá no domingo, 18.03.2012, depois de percorrer os 679 quilômetros que separam a Cidade Sul-mato-grossense do Município de Poconé, no estado vizinho de Mato Grosso, usando o caiaque como meio de locomoção pelo Rio Paraguai. Entretanto, a aventura de Christian começou bem antes, em setembro, quando desembarcou na Venezuela, mais precisamente na Cidade de Tucupita, onde iniciou sua jornada no Delta do Rio Orinoco. Ele contou ao Diário que, após cruzar a Venezuela, entrou no Brasil percorrendo os estados do Amazonas e de Rondônia ao longo de Rios da região tais como Negro, Amazonas, Madeira, Mamoré, até parar no Guaporé, este último que adentra no estado de Mato Grosso.

Ele contou que um trecho da viagem teve que ser feito por estrada já que não havia conexão fluvial e, nessa etapa, segundo Christian, ele conheceu uma das características do povo brasileiro: a tendência a ser prestativo. “Para mim, não foi problema”, afirma ao contar que as pessoas o ajudaram no transporte não somente dele, mas também do seu “companheiro” caiaque. Com a ajuda das pessoas, ele chegou até a Cidade de Cáceres, onde retornou com a embarcação para o Rio, desta vez, o Paraguai. Bodegren, que é carpinteiro e vive de construir andaimes na Noruega, explica que conhecer lugares diferentes do pequeno povoado onde vive na Suécia o ajuda a crescer como ser humano. Ele diz que desde muito jovem o desejo de viajar em longas jornadas por continentes diferentes o atrai. […]

Christian, que fala o idioma Inglês e um pouco do Espanhol, conta que, muitas vezes, precisa recorrer à linguagem corporal para ser entendido pelos povoados que percorre. Entretanto, a língua diferente não é um dos maiores problemas enfrentados pelo sueco que aprendeu rapidamente uma palavra em português: mosquitos. Contudo, ele avalia que o nosso Pantanal tem abundância não somente dos insetos que acabam causando incômodo, mas também um grande número de animais silvestres.

Pelos locais que passei nessa Expedição não tinha visto tantos animais, principalmente jacarés e capivaras, como pude ver aqui”, afirmou.

Rotina guiada pela natureza 

Christian Bodegren detalhou que sua rotina pelos Rios segue o ritmo da natureza, começando logo quando o Sol se levanta e só termina por volta das 17 horas, quando a claridade natural vai diminuindo.

Procuro um lugar para montar minha rede e uma capa impermeável que a cobre. Descanso, mas fico atento a tudo ao meu redor. Às vezes, é impossível achar lugar para parar e tenho que remar a noite inteira”, disse ao contar um episódio desesperador que passou numa dessas ocasiões. “Numa noite, apareceu um pequeno buraco no caiaque, eu ia remando e a água subindo. Só depois de 4 horas é que vi uma luz. Eram pessoas que estavam coletando cupins para servir de isca [para tuvira] e elas me ajudaram tampando o buraco com durepox”, lembrou o sueco que deixou Corumbá nesta sexta-feira, 23.03.2012, com destino à Cidade de Buenos Aires, na Argentina, onde pretende encerrar a aventura pela América do Sul, ao atingir o Oceano Atlântico.

O sueco tem um site [www.christianbodegren.com] onde relata suas aventuras pelo mundo. Uma delas foi ter cruzado o deserto do Saara em dromedários durante 8 meses. Se tudo o que planejou der certo, Chistian pretende retornar para a Suécia no mês de junho com novas histórias e fotos que faz questão de expor para a comunidade onde vive. Para o aventureiro estrangeiro, todo seu esforço será compensado se seu estilo de vida puder mover outras pessoas.

O que me conduz é a curiosidade, vontade de saber mais, ver com os próprios olhos. Se eu inspirar uma pessoa, para sair de casa e fazer algo saudável, já me sinto feliz”, finalizou. (LÍVIA GAERTNER)

Igarapé Três Casas 

Avançamos 17 quilômetros além do programado e aportamos na primeira das três Fozes do Igarapé Três Casas depois de navegar 75 quilômetros.

As águas do Igarapé eram mais limpas que as do Madeira e paramos no encontro das águas onde grupos de botos tucuxis e vermelhos perseguiam suas presas. Contando com a colaboração dos botos, pescamos o suficiente para nos abastecer até Manicoré. O Igarapé Três Casas nasce no Lago de mesmo nome e, depois de avançar sinuosamente em direção ao Rio Madeira, muda de ideia e corre paralelamente a este. O Rio Madeira, inconformado com a pretensão do birrento filete d’água que teima em retardar o pagamento de seu tributo (tributário) ao volumoso caudal, rompeu o barranco que os separava e invadiulhe o canal com suas águas fortes e barrentas, golpeando-o covardemente contra a margem direita até que não restasse o menor vestígio das águas negras do Três Casas, transformando o Igarapé num mero furo do grande manancial; mais adiante, essas mesmas águas voltam-se sobre si mesmas tornando o Madeira um afluente de si mesmo. À noite, o higiênico “coxinha”, membro canino da tripulação, se lançou às águas e foi fazer suas necessidades fisiológicas equilibrando-se num tronco à flor d’água.

Partida do Igarapé Três Casas (29.12.2011) 

Partimos por volta das 05h30. Na altura de Bela Brisa, por volta das dez horas, três jovens garimpeiros vieram ao nosso encontro convidando-nos para almoçar. Agradecemos a gentileza e informamos que só fazíamos a refeição no final da jornada e ainda faltava muito para isso. Eles nos contaram que tinham apoiado o suíço Christian Bodegren na sua passagem por ali. Aportamos no Lago do Antônio ao meio-dia, depois de remar 63 quilômetros.

A maioria dos documentos consultados se refere ao local como Lago Santo Antônio. Vamos reportar um pequeno histórico, por nós adaptado, relatado pelo Senhor Constantino Veiga, o Seu Tantra, colhido pelo João Paulo junto à Associação de Desenvolvimento Comunitário dos Produtores Rurais do Lago do Antônio (ADCPLA).

História do Lago do Antônio 

Fonte: Senhor Constantino Veiga, Seu Tantra. 

O Lago era habitado pelos Índios, seus primeiros moradores quando chegaram os brancos portugueses, mandando explorar a seringa, castanha e madeira de lei. Os Índios não queriam “os invasores”, porque a região era muito farta de peixe, de caça […]. O patrão contratou, então, um homem chamado Antônio que foi o primeiro civilizado a vir morar no Lago. Antônio transformou sua casa numa Fortaleza para resistir aos ataques dos Índios. Antônio falava a língua nativa e distribuía presentes, que o patrão mandava, aos Índios. Antônio construiu um batelão para transportar os Índios, já pacificados, do Lago do Antônio e do Igarapé Grande para pescarem, trabalharem na colheita da castanha, extração da seringa e da madeira de lei.

Partida do Lago de Santo Antônio (30.12.2011) 

Partimos às 05h30 rumo à Boca do Cará, piscoso afluente do Madeira. A viagem transcorreu sem maiores novidades, apenas pudemos notar que a quantidade de balsas de garimpeiros diminuíra consideravelmente. Aportamos na Boca Cará às 11h45 depois de percorrer 65 km. Nos últimos quilômetros, fomos acompanhados de perto por bandos de botos vermelhos e tucuxis.

João Paulo e o BM Piquiatuba – AM

Embarcamos os caiaques no Piquiatuba e estávamos empenhados na nossa rotina diária quando, mais uma vez, o “coxinha” se lançou às águas e nadou até a margem. Parece que o cãozinho entendeu que não devia poluir a embarcação com seus dejetos e resolveu demarcar o território, várias vezes. Estava na quinta etapa de sua fétida demarcação quando apareceu um enorme cão que o nosso pequeno tripulante canino enfrentou e pôs para correr.

O João Paulo e a tripulação foram fazer um reconhecimento do Rio Cará e no trajeto quase foram atropelados por um enorme jacaré-açu. Permaneci no Piquiatuba colocando minha documentação em dia e admirando as evoluções dos botos tucuxis e vermelhos cercando os cardumes que infestavam a Boca do Cará.

Partida da Boca do Cará (31.12.2011)  

Meu filho ficara até tarde ouvindo as estórias do dono de um mercado flutuante ancorado na Boca do Cará e, consequentemente, não conseguiu acordar de manhã cedo. Eu e a tripulação do Piquiatuba nos esquecemos de colocar os celulares para despertar e, quando acordei às 05h22, já estava começando a clarear. Acionei o Mário e às 05h35 parti, sozinho, rumo à Comunidade Bom Suspiro, na Foz do Rio Marmelo.

Mapas do DNIT: as referências que eu colhera dos Mapas do DNIT estavam completamente equivocadas. A verdadeira Laranjal estava a mais de 10 km ao Sul da Laranjal do DNIT, a Comunidade Marmelos do DNIT é, na verdade, Bom Suspiro na Foz do Marmelos, um belo Rio de águas negras, o local mais aprazível que encontrei no Madeira até agora.

São inúmeros outros erros que poderiam ser corrigidos com uma pequena equipe dotada de GPS e computador embarcada em um barco regional, como o nosso, e uma voadeira. Garanto que, em três meses, seria possível levantar com precisão os dados de todo o Rio Madeira. O mesmo poderia ser feito nos demais Rios, seria uma pesquisa importante e necessária já que os Mapas atuais não retratam a realidade. O 8° BEC possui as embarcações e a melhor tripulação para desempenhar esta tarefa que qualquer oficial de Engenharia do Exército estaria em condições de assumir.

A velocidade do Rio era grande e consegui imprimir um ritmo forte (12,2 km/h) e sem paradas, me alimentando e hidratando embarcado, para ganhar tempo, chegando a meu destino exatamente às 11 horas depois de percorrer 66 quilômetros em 05h25. Para quem desce o Rio Madeira, Bom suspiro é a primeira Comunidade do Município de Manicoré, fronteira com Humaitá. Depois do almoço, eu e meu filho acompanhamos o Mário numa visita ao Rio Marmelos. A beleza do local e a simpatia dos membros da Comunidade Bom Suspiro convenceram-nos a permanecer mais um dia no local. O Piquiatuba ficou estacionado na margem esquerda do Marmelos, em Humaitá, já que o mesmo faz a divisa entre este Município e Manicoré.

Partida da Foz do Marmelo (01.01.2012) 

Decidi percorrer os 90 km que separam Bom Suspiro e Manicoré em apenas um dia para recuperar a parada no Marmelos. Acordamos antes de o Sol nascer e ficamos esperando clarear um pouco para sair. O João Paulo resolveu não participar desta navegação.

Quando fui embarcar no caiaque, levei um tombo, o primeiro em quatro anos, e em mais de 30.000 km de navegação no caiaque oceânico “Cabo Horn”. Desvirei rapidamente o caiaque, como o material estava todo amarrado, só tive de catar algumas bananas que caíram do caiaque. O percurso foi agradável, a chuva fina caía, minorando os efeitos da canícula amazônica e cheguei à 12h55 a Manicoré; navegara 90 km em apenas 07h15, a uma velocidade média de 12,4 km/h. Em Manicoré procurei os amigos da PM que me apresentaram o Jornalista Walter de Azevedo Filho. Walter marcou uma entrevista para o dia seguinte e ficou de agendar os contatos que solicitamos.

Flutuante na Boca do Cará – AM

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 09.12.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *