A Terceira Margem – Parte XCV

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXIV

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XVI 

Tratado de Petrópolis e a Ferrovia 

A Revolução Acreana, conflagração em que os brasileiros liderados por Plácido de Castro venceram os bolivianos pelas armas, obrigou aos diplomatas dos dois países a tentar encontrar um acordo honroso.

Foi assinado, no dia 17.11.1903, em Petrópolis, o Tratado que punha termo à disputa em torno daquela região fronteiriça. No seu artigo VII, o Tratado determinava:

TRATADO DE LIMITE ENTRE O BRASIL E A BOLÍVIA 

ARTIGO VII 

Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir, em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o Porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo [Estado do Mato Grosso], chegue a Vila Bela [Bolívia], na confluência do Beni e do Mamoré.

Dessa Ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquias e tarifas.

Joaquim Catramby Vence a Concorrência 

O Decreto n° 1.180, do dia 25.02.1904, autoriza o executivo a abrir créditos necessários à construção da Ferrovia. Imediatamente o Ministério da Viação elabora o Edital de Concorrência, pois o Governo decidira entregar a empreitada a uma construtora particular. O artigo 3° do Edital determinava que a Diretriz Geral da Estrada de Ferro deveria ser norteada nos trabalhos das Comissões Morsing e Pinkas, mas que os seus custos deveriam se basear apenas no Relatório Pinkas, o mais baixo dos dois, como já vimos anteriormente.

Os chilenos, atentos, oferecem uma compensação à Bolívia, decorrente da perda de seus territórios, na Guerra do Pacífico, e oferecem a construção de uma Ferrovia ligando o Porto de Arica, agora chileno, a La Paz. Esta ferrovia não somente substituiria a peruana, mas, sobretudo, visava fazer concorrência à Madeira-Mamoré. Apresentaram-se à concorrência dois empreiteiros ferroviários, os engenheiros cariocas Joaquim Catramby e Raymundo Pereira da Silva. O vencedor da concorrência foi Catramby.

Joaquim Catramby Vende a Concessão 

Desembarca em Santo Antônio, em maio de 1907, a construtora Norte-americana May, Jekyll & Randolph, com sede em Nova York, que supostamente Catramby subempreitara. Em agosto, a May, Jekyll & Randolph funda em Portland, EUA, a companhia Madeira-Mamoré Railway, cujo único objetivo seria de adquirir de Catramby a concessão outorgada pelo Governo Brasileiro.

A Madeira-Mamoré Railway fazia parte de um grande grupo de Ferrovias brasileiras, sob o nome de Brazil Railway Company, dirigido pelo Norte-americano Percival Farquhar. Provavelmente, Farquhar já adquirira a Concessão de Catramby antes mesmo de enviá-la a Santo Antônio. Em 30.01.1908, o Governo Brasileiro, através do Decreto n° 6.838, autorizou a transferência da Concessão de Catramby à Madeira-Mamoré Railway que contratara para a construção da Ferrovia a May, Jekyll & Randolph. A Madeira-Mamoré Railway estava interessada em conseguir, futuramente, a Concessão de Exploração da Ferrovia.

Decreto n° 6.838 (30.01.1908) 

Senado Federal 

Subsecretaria de Informações 

DECRETO N. 6838 DE 30 DE JANEIRO DE 1908

Autoriza a transferência à Madeira Mamoré Railway Company do contrato da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, à vista do que lhe foi requerido, decreta:

Artigo único. Fica autorizada a transferência à Madeira Mamoré Railway Company, a que se refere o Decreto n° 6755, de 28.11.1907, do contrato celebrado em 14.11.1906 com o Engenheiro civil Joaquim Catramby, em virtude do decreto n° 6103, de 07.08.1906, para construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, sendo aquela companhia sub-rogada nos respectivos direitos e obrigações.

Rio de Janeiro, 30.01.1908, 20° da República.

AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA.

Miguel Calmon du Pin e Almeida.

Ano de 1907 

Fiz uma requisição anual de drogas para um hospital de 300 camas. […] A febre volta depois do 6°, 7° ou 8° dia. […] Excessivamente má a condição física, primária, de 95% dos trabalhadores chegados hoje. As mulheres, fisicamente, de fraqueza extrema. Recomendei ao Mr. Randolph que a todo trabalhador deveriam ser dadas, diariamente, 10 cg de quinino, do Pará até Porto Velho. (Dr. H. P. Belt)

A May, Jekyll & Randolph realizou um inventário dos materiais deixados pela empresa Collins com o objetivo de verificar os que podiam ser aproveitados. Os trabalhos na linha férrea iniciaram no dia 21.06.1907. A empresa manteve, neste ano, uma média mensal de 140 trabalhadores brasileiros. Estabeleceu-se que o ponto inicial da Ferrovia seria em Porto Velho, o Ponto Velho de Morsing. O Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas, de 1907, sobre as Estradas de Ferro do Brasil, afirma que o pedido de mudança do local foi encaminhado àquele Ministério no final de novembro de 1907 e que a autorização foi concedida através do Aviso n° 2, de 16.01.1908.

Ano de 1908 

Em Porto Velho, a sete quilômetros de Santo Antônio, a May iniciou a construção do Cais, Estação, Oficinas, residências e, a meio caminho entre Porto Velho e Santo Antônio, o Hospital de Candelária, uma Cidade brotava em plena selva. A empresa, porém, não proporcionava condições sanitárias, médicas e hospitalares adequadas aos seus trabalhadores, forçando o médico H. P. Belt a utilizar seus próprios instrumentos cirúrgicos bem como suas drogas já que não eram adquiridos pela construtora. O Engenheiro-chefe Sr. H. F. Dose faz as seguintes considerações sobre os primeiros trabalhadores estrangeiros trazidos para a região:

Justamente em 1907, acabavam os contratantes [May, Jekyll & Randolph] a construção de uma Estrada de Ferro em Cuba, na qual tinham empregado 4.000 trabalhadores galegos [espanhóis] habituados a trabalhar em região apresentando condições climáticas semelhantes às do Madeira. Confiaram, pois, os empreiteiros nesses trabalhadores, a fim de levar a efeito a difícil tarefa que se lhes antepunha. Em janeiro de 1908, logo que ficaram terminados os primeiros trabalhos de locação e roçada, foram embarcados no vapor Amanda, em Santiago de Cuba, com destino a Porto Velho, 350 homens entre contramestres, ferreiros, cozinheiros e capatazes. Era intenção dos empreiteiros mandar um navio periodicamente a Cuba, para trazer mais trabalhadores com prática, à proporção que os trabalhos de locação o permitissem.

Ao chegar, porém, o Amanda ao Pará, foram contadas tais coisas aos trabalhadores, pelos habitantes da região a que se dirigiam, que eles abandonaram o navio aterrorizados, recusando-se absolutamente a seguir viagem. De um total de 350 homens, apenas 65 chegaram ao destino. Os jornais do Pará juntaram-se ao povo com publicações exageradas relativamente ao clima fatal e ao número de óbitos que já tinham dado na Estrada. O cônsul espanhol telegrafou ao Ministro de seu país em Havana, pedindo que fosse impedida a emigração dessa Ilha para a Madeira-Mamoré. Isso foi feito e os contratantes ficaram assim inteiramente privados desse contingente de trabalhadores práticos com que contavam.

Os artigos publicados na Folha do Norte, Província do Pará, e outras folhas paraenses foram transcritos em Portugal, Espanha, Itália e em quase todo o mundo, tornando-se, por isso, muitíssimo difícil obter trabalhadores, mesmo por qualquer preço. Portugal, Espanha e Itália decretam a proibição da emigração de seus súditos para uma região considerada fatal à existência humana. (FERREIRA, 1959)

Os empreiteiros concluíram que a construção estaria fadada ao fracasso se mantivessem um número fixo de trabalhadores. Os homens trabalhavam eficientemente nos primeiros dois ou três meses; depois de atacados pelas doenças, a maioria se tornava incapacitada de produzir como antes. Era, pois, necessário renovar o efetivo mensalmente para substituir os mortos e inutilizados. A companhia destacou agentes especiais para contratar trabalhadores, conhecidos como “importados” em diversos países, mas, principalmente, nas Antilhas, Barbados, Espanha, Portugal, Grécia, Itália, França, Índia, Hungria, Polônia e Dinamarca. Os agentes aliciavam os trabalhadores fazendo uma descrição sedutora da região e informando que esses poderiam se tornar agricultores logo após a conclusão da Estrada.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 25.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia

 FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo – Brasil – São Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1959.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

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