A Terceira Margem – Parte LXXXIII

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LII 

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ IV 

National Bolivian Navigation Company 

Church foi até a Bolívia onde, no dia 27.08.1868, obteve a concessão de canalizar o trecho das Cachoeiras, organizando a National Bolivian Navigation Company. Não encontrou, porém, parceiros que financiassem o empreendimento nem nos EUA nem na Europa. Retornou à Bolívia, um ano depois, informando que só conseguiria levantar fundos em Londres se o Governo boliviano os garantisse. No final de 1869, o contrato inicial foi modificado para a construção de uma ferrovia ao longo das corredeiras ao mesmo tempo em que a Bolívia autorizava e garantia, no mercado europeu, um empréstimo de 2.000.000 de libras a juros de no máximo 8%.

Madeira and Mamoré Railway 

Como a ferrovia seria construída em território brasileiro, Church veio ao Brasil e, no dia 20.04.1870, o Governo brasileiro autorizou a concessão, por 50 anos, exigindo que a companhia se chamasse “Madeira and Mamoré Railway”, que ela ligasse Santo Antônio a Guajará-mirim, que a construção deveria se iniciar dentro de dois anos e concluída no final de sete, prazos que poderiam ser prorrogados excepcionalmente.

Church retornou a Londres onde contatou os banqueiros Erlanger & Co. que condicionaram o empréstimo à contratação da empreiteira Public Works Construction Company, para construção da Ferrovia, além da confirmação da garantia do empréstimo, tendo em vista mudanças na política interna boliviana. Equacionadas as imposições dos banqueiros londrinos, no final de outubro de 1871, Church e os senhores C. F. de Kierzkowski e L. E. Ross, engenheiros da Public Works, desceram o Rio Mamoré e o Rio Madeira até a Cachoeira de Santo Antônio. Os engenheiros da Public Works tinham a missão de avaliar e informar à sua empresa se a estrada era viável e o seu custo. Kierzkowski e Ross foram favoráveis ao empreendimento, apesar dos poucos dias que tiveram para fazer a avaliação e, no dia 01.11.1871, encenaram uma cerimônia simbólica, removendo a primeira pá de terra da construção da ferrovia.

Início da Construção 

No dia 06.07.1872, vinte e cinco engenheiros da Public Works chegaram a Santo Antônio, na época, sede de um Destacamento Militar brasileiro. Church, por sua vez, destacou o Engenheiro Edward D. Mathews para fiscalizar os trabalhos da construtora, e o Governo brasileiro uma Comissão chefiada pelo Engenheiro Antônio Álvares dos Santos Sousa.

Relatório do Eng° Santos Sousa (07.05.1873) 

Segundo o relatório de Antônio Álvares dos Santos Sousa, dez meses depois de iniciados os trabalhos, os ingleses foram vencidos pelas dificuldades apresentadas pelo clima, pela floresta e endemias amazônicas e estavam prontos para bater em retirada:

Todos sofrem mais ou menos de febres intermitentes e, na ocasião da minha visita, estavam sendo atacados de varíola. Em geral parecem-me todos contrariados por não lhes ser permitido antecipar a retirada.

Relatório do Eng° Genesto (07.1873) 

A Public Works, alarmada com a situação que se desenrolava, enviou para Santo Antônio um Engenheiro de sua confiança, o Sr. Genesto, que entregou seu relatório em julho de 1873. Após dez meses de “iniciados” os trabalhos, não havia sido assentado um único metro de trilho pela Public Works.

Jornal do Comércio, n° 245 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 04.09.1873

 Essa via Férrea a ser construída terá uma extensão algo tanto maior do que a princípio se computava. Mas este inconveniente não é o maior no momento. São as obras, que demandam ingentes sacrifícios.

Os trabalhos de terras atingem o quádruplo da primeira estimativa. O rochedo cumpre que seja talhado ao vivo em um longo trajeto, e a ponte principal importará em dez vezes o orçamento primitivo. Enfim, as despesas de transporte para o material é preciso que sejam calculadas no dobro do máximo cogitado.

Além de tudo isto o clima é o mais insalubre que se pode imaginar, sendo as forças operárias que se podem coadunar ([1]) eminentemente deficientes. Há também grande escassez de alimentos e subsistências e falta absoluta de quaisquer socorros, a não serem, por alto preço, expressamente importados. A persistir-se na ideia da realização da linha, segundo meus cálculos, a mesma levará 20 anos a construir, e não custará menos de 2.000.000 libras, sem incluir o sacrifício de grande número de vidas. (JC, n° 245)

Em virtude do Relatório Genesto, a Public Works resolveu, no dia 09.07.1873, entrar com uma ação nos tribunais londrinos, solicitando rescisão do contrato, considerando que teria sido iludida quanto à extensão da estrada, as condições adversas do terreno e da salubridade da região afirmando textualmente:

Que a zona era um antro de podridão onde seus homens morriam qual moscas, que o traçado cortava uma região agreste em que se alternavam pântanos e terrenos de formação rochosa, e que, mesmo dispondo-se de todo o dinheiro do mundo e de metade de sua população, seria impossível construir a estrada.

Dorsay & Caldwell 

A questão judicial com a Public Works congelara o empréstimo de 700.000 libras. Church não desistiu, procurou outra empresa para levar adiante o empreendimento cujo sucesso provaria a falta de competência da Public Works e lhe asseguraria uma vitória nos tribunais ingleses.

No dia 17.09.1873, Church assinou o contrato com a empresa Norte-americana Dorsay & Caldwell que assumiu o compromisso de construir os primeiros quinze quilômetros sem qualquer ônus, utilizando o material abandonado na selva pela Public Works. No dia 24.01.1874, chegaram a Manaus os primeiros Norte-americanos da Dorsay & Caldwell que seguiram imediatamente para Santo Antônio. Poucos dias depois, em Santo Antônio, faleceu, de malária, um membro da comitiva que, como os ingleses anteriormente, resolveram bater em retirada.

Intervenção de D. Pedro II

D. Pedro II resolve auxiliar Church, consequentemente promovendo a construção da estrada, enviando ao Senado uma proposta adicional de 400.000 libras às 700.000 do empréstimo boliviano. O projeto de D. Pedro II dá novo alento a Church, mas ainda havia o problema com a Public Works que apresentara uma planta da ferrovia dando novo rumo à ação judicial e que poderia prejudicá-lo. Church propôs um acordo no qual a empreiteira receberia 45.000 libras, que seriam pagas pelo novo empreiteiro, mais as custas judiciais.

A Golpista Reed Bros. & Co. 

A Dorsay & Caldwell detinha o contrato até então, mas não tinha interesse em levá-lo adiante, por isso, transferiu-o para uma empreiteira de Londres, a Reed Bros. & Co. A Reed, demonstrando sua total má fé, aceitou o encargo contratual sem conhecer o projeto e muito menos a região.

A Companhia protelava sua ida para a região até que, em 18.01.1877, Church declarou nulo o contrato com a empresa. Demonstrando qual era sua intenção desde o início, a Reed, que não gastara um único penny no empreendimento, entrou com uma ação judicial exigindo indenização por perdas e danos.

Church, desesperado com mais esta demanda judicial e querendo iniciar logo a construção da estrada, aceita fazer um acordo e paga 25.000 libras aos pilantras ingleses.

O Coronel Church resolve, a essa altura, abandonar a Inglaterra, e passar a sua ação para os Estados Unidos. Naquele país, somente tivera aborrecimentos. Talvez na sua pátria, fosse mais feliz. (FERREIRA, 1959)

P. & T. Collins 

É para remediar essa situação [o isolamento econômico da Bolívia] e para revelar ao mundo região tão bela quanto o Paraíso Terrestre que dois engenheiros de Filadélfia [P. & T. Collins] vão contornar as Cachoeiras do Madeira. Não sou nenhum visionário; ao contrário, sei bem o que digo. Terminada essa obra monumental, a riqueza da Austrália e da Califórnia empalidecerão ante a produção aurífera das montanhas e dos Riachos bolivianos, bem assim ante as safras abundantíssimas das planícies e dos vales que lhes ficam de permeio. (Coronel George Earl Church)

O Coronel George Earl Church encontra-se nos Estados Unidos com o Sr. Franklin B. Gowen, industrial do aço, Presidente da Philadelphia and Reading Coal and Iron Company que tinha interesse em intermediar o contrato de Church.

No dia 25.10.1877, foi lavrado o contrato entre a empreiteira P. & T. Collins e a Madeira – Mamoré Railway Co. P. & T. Collins comprometeram-se a pagar as 45.000 libras que o Coronel Church prometera à Public Works e assinaram um contrato com a Philadelphia and Reading Coal and Iron Company que forneceria todo material ferroviário a ser usado na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

O contrato marcava como data limite dos trabalhos o dia 25.02.1878 e sua conclusão após três anos.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 09.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo – Brasil – São Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1959. 

JC N° 245. Relatório do Eng° Genesto – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 245, 04.09.1873.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Coadunar: incorporar.

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