A Terceira Margem – Parte LX

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXIX  

Google Maps

Viagem ao Redor do Brasil (1875-1878) – I 

Dentre as inúmeras viagens pretéritas pelo Rio Madeira esta, escrita pelo então Coronel João Severiano da Fonseca, integrante da Comissão de Limites Brasileiro-boliviana, foi a que mais me cativou. Reprodu­zi, no meu livro, três delas por julgar terem sido as mais notáveis.

Nesta o insigne Patrono do Serviço de Saúde do Exército descreve os costumes e compila um glossário do vocabulário linguístico das diversas etnias indígenas com as quais a Comissão entrou em contato. A obra além de mostrar a participação dos nativos como auxiliares na exploração e colonização do território, narra com deta­lhes as dificuldades enfrentadas nas passagens pelas Cachoeiras e ilustra com gravuras as rotas utilizadas pelos expedicionários para ultrapassá-las.

Conta-nos Olyntho Pillar:

João Severiano da Fonseca 

O Serviço de Saúde do Exército, após a instituição dos Patronos das Forças Armadas e a escolha feliz de Sampaio, Mallet, Osório e Cabrita, que bem evocam as qualidades máximas do intimorato ([1]) infante, do artilheiro rígido, do alígero ([2]) hussardo ([3]) e do Engenheiro audaz, para padroeiros das armas militares do Exército, também desejou possuir o seu símbolo dos dons pacíficos do cientista invulgar e das acrisoladas ([4]) virtudes militares do soldado integérrimo ([5]).

Justa a aspiração, que logo achou guarida nos órgãos de imprensa, como a “Nação Armada”, principalmente. Feriu-se o pleito entre os médicos, farmacêuticos e dentistas do Exército, disseminados pela vastidão do território nacional, recaindo a eleição, quase unânime, no vulto preeminente da cultura indígena, misto de Médico, Militar, Professor, Naturalista, Escritor, Geógrafo, Historiador e Político – o Dr. João Severiano da Fonseca. Não foi unânime porque escassos votos couberam a dois outros nomes também dignos, mas despidos da magnífica aureola que ataviou ([6]) o vulto ímpar daquele que, trilhando toda a afanosa e extensa hierarquia militar, atingiu o generalato médico: o Capitão Manoel de Aragão Gesteira, cirurgião exímio, que, com seus denodados companheiros, escreveu a epopeia da Retirada da Laguna, episódio da Guerra do Paraguai, profissional cônscio de quem Taunay soube afirmar:

debaixo do fogo já dera provas de dedicação e sangue frio, como verdadeiro discípulo do grande “Larrey” ([7]), e o Dr. José Ribeiro de Souza Fontes, Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, titular do Império e Tenente-Coronel Médico do Exército.

Do posto inicial ao glorioso termo, de simples Tenente a General-de-Divisão e 8° Diretor do Serviço de Saúde do Exército, sua personalidade singular, forte e multiforme, descreveu a luminosa trajetória que o fez o merecido paradigma dos que labutam na defensão ([8]) da saúde daqueles que, a chamado da Pátria, se devotam, na caserna, a seu labor construtivo.

É símbolo e exemplo. Oriundo de estirpe valorosa sua existência merece recordada ([9]). Nasceu a 27.05.1836, à margem da Lagoa Manguaba, na velha Cidade de Alagoas – hoje Marechal Deodoro –, na Província das Alagoas, sendo seus genitores o Tenente-Coronel Manuel Mendes da Fonseca e Dona Rosa Maria Paulina da Fonseca. Foi ele o sétimo descendente da numerosa prole desse feliz casal, constituída de dez filhos: Hermes Ernesto ‒ Marechal; Severiano Martin ‒ Marechal-de-Campo e Barão de Alagoas; Manuel Deodoro ‒ Generalíssimo, Proclamador da República e seu primeiro Presidente; Pedro Paulino ‒ Tenente reformado e Senador da República; Hipólito Mendes ‒ Tenente, morto em Curupaiti; Eduardo Emiliano ‒ Major, morto em Itororó; João Severiano ‒ General-de-Divisão Médico; Emília Rosa da Fonseca Furtado de Mendonça ‒ casada; Amélia Rosa da Fonseca Amaral ‒ casada; e, Afonso Aurélio ‒ Alferes, também morto em Curupaiti.

Neste passo é justo ressaltar-se que a respeitabilíssima matrona, que com desvelo os soube embalar ao regaço materno, logrou, pelas suas virtudes espartanas, sobreviver nos fastos da história cívica com o imortal epíteto ([10]) de “Mãe dos 7 Macabeus”.

Ela, nordestina de fibra estoica, vibrava ante os feitos gloriosos de seus filhos, a ponto de iluminar sua casa à notícia de que haviam tombado inertes no campo da luta e da honra. Ao recordar a mártir dolorosa que, no reinado de Antíoco Epifânio, tanto mais daria em holocausto da Mãe Pátria, se preciso fora, três vezes o luto lhe envolveu o coração, que sempre procurou mostrar-se resignada para estímulo de outras mães a sacrifícios semelhantes. (PILLAR)

Mãe dos 7 Macabeus” 

Bíblia Sagrada ‒ Livro II ‒ Macabeus, 7: 

  01. Havia também sete irmãos que foram um dia presos com sua mãe, e que o Rei por meio de golpes de azorrague ([11]) e de nervos de boi, quis coagir a comerem a proibida carne de porco.

  02. Um dentre eles tomou a palavra e falou assim em nome de todos. Que nos pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos a morrer antes de violar as leis de nossos pais.

  03. O Rei, fora de si, ordenou que aquecessem até a brasa sertãs ([12]) e caldeirões.

  04. Logo que ficaram em brasa ordenou que cortassem a língua do que falara [por] primeiro e, depois que lhe arrancassem a pele da cabeça, que lhe cortassem também as extremidades, tudo isso à vista de seus irmãos e de sua mãe.

  05. Em seguida, mandou conduzi-lo ao fogo inerte e mal respirando, para assá-lo na sertã. Enquanto o vapor da panela se espalhava em profusão, os outros com sua mãe, exortavam-se mutuamente a morrer com coragem. […]

   07.Morto desse modo o primeiro, conduziram o segundo ao suplício. […]

  10. Após este, torturaram o terceiro. Reclamada a língua, ele a apresentou logo, e estendeu as mãos corajosamente. […]

  13. Morto este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, […]

  15. Arrastaram em seguida o quinto e torturaram-no; […]

  18. Após este, fizeram achegar-se o sexto, […]

 20. Particularmente admirável e digna de elogios foi a mãe que viu perecer seus sete filhos no espaço de um só dia e o suportou com heroísmo, porque sua esperança repousava no Senhor. […] (PILLAR) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 07.10.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

PILLAR, Olyntho. Os Patronos das Forças Armadas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Biblioteca do Exército Editora, 1981  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Intimorato: destemido, valente.

[2]    Alígero: veloz.

[3]    Hussardo: membro da cavalaria ligeira.

[4]    Acrisoladas: aperfeiçoadas.

[5]    Integérrimo: muito íntegro.

[6]    Ataviou: adornou.

[7]    Domique Jean Larrey: General médico do exército de Napoleão que muito contribuiu para os serviços Médicos de Urgência Atuais. Atendia os soldados feridos em pleno campo de batalha.

[8]    Defensão: defesa.

[9]    Recordada: lembrança.

[10]  Epíteto: apelido.

[11]  Azorrague: açoite de várias correias.

[12]  Sertãs: frigideiras largas e rasas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *