Amazônia em Chamas: Povo Bororo perde árvores frutíferas e medicinais para o fogo no Mato Grosso

Segundo o Inpe, 46 territórios indígenas estão com focos de queimadas neste mês de agosto. O povo Paresi também sofre com os incêndios florestais

(Foto: Mayke Toscano/Secom-MT/07/08/2020)

Cuiabá (MT) – Com três biomas diferentes: Amazônia, Cerrado e Pantanal; o Mato Grosso é um dos estados brasileiros mais castigados nesta “temporada de queimadas” no país. A estiagem tem agravado os focos de calor em áreas de agropecuária já degradadas e expandindo para áreas nativas provocando grandes incêndios florestais, sobretudo no Pantanal, atingindo Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas.

Conforme o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ao todo são 46 terras indígenas (TIs) com focos de queimadas desde o início do mês julho até hoje, distribuídas nos três biomas do estado.

Ainda de acordo com o Inpe, de janeiro até 19 de agosto foram registrados 1668 focos de calor nas TIs. O mês mais crítico vem sendo agosto, que apesar de ainda não haver terminado já registra 690 focos, a diferença de julho, que terminou com 567 queimadas.

A terra indígena com maior número de queimadas é a Paresi (no bioma Cerrado), da etnia do mesmo nome, no município de Tangará da Serra, ao oeste do Mato Grosso. No local, dados do Inpe apontam 302 focos de queimadas no território de 564 mil hectares.

Foi entre o final de julho e início de agosto que ocorreu uma das queimadas mais críticas até agora no cerrado, na Terra Indígena Tadarimana, do povo Bororo, no município de Rondonópolis, região sul do estado. Por lá, segundo o cacique Bosco Arquimedes, o fogo devastou cerca de 7 mil dos 9.745 hectares que a reserva possui. Houve uma perda irreparável de fruta nativas e ervas medicinais, que estão sendo usadas no combate ao coronavírus.

“Perdemos praticamente todas as frutas nativas, como o cajuzinho e pequi, que estavam começando a dar frutos para florescer no próximo mês. Outra perda que nos preocupa muito são as ervas medicinais no combate à Covid. Que eu me recorde, dos mais de 70 infectados que tivemos, apenas um saiu da reserva para se tratar no hospital e graças a Deus voltou depois. O resto, tudo foi tratado e curado com as ervas, os remédios do mato. Agora vamos ter de esperar a chuva para florescer tudo de novo e essas frutas e ervas só serão recuperadas na safra do ano que vem”, lamenta o cacique Arquimedes.

Ele conta que a causa do fogo ainda é um mistério, e não se sabe se foi uma ação criminosa ou acidental. Diz que, aparentemente, um pequeno foco se iniciou aos fundos de uma casa, dentro do território, e depois se alastrou pela reserva. O incêndio demorou cinco dias para ser contido, partir de um intenso trabalho dos Bombeiros e também dos indígenas que auxiliaram no combate às chamas.

Na reserva moram cerca de 700 pessoas distribuídas em oito aldeias. Só na central, Tadarimana (mesmo nome da TI) há cerca de 320 moradores. O território é banhado pelos rios Juridi, Tarumã e Vermelho, que fazem a divisa da TI com as duas grandes fazendas da região, especializadas no cultivo de cabeças de gado.

Agosto é o mês mais quente

No bioma Amazônia do estado do Mato Grosso, de primeiro a 19 de agosto, foram registrados 1.904 focos de calor, ficando atrás de Rondônia, com 1.920 focos, do estado do Amazonas, com 5.635 focos, e do Pará, com 8.247 focos.

Já o bioma Pantanal é o que teve mais focos, com um total de 2.490 registros, 43,7% do total; e o Cerrado teve 1.223 focos, 22,1%. Amazônia com seus 1.904 focos responde com 34,2% dos focos totais do estado.

Se for levado em conta as queimadas ocorridas desde janeiro, a floresta amazônica no estado já acumulou 6.965 focos de calor, conforme dados de 1o. de janeiro a 19 de agosto do Inpe.

A fumaça das queimadas desses biomas está tão intensa que encobriu cidades no dia 13 de agosto, inclusive a capital Cuiabá, onde o céu escureceu, lembrando o que aconteceu em 2019 em São Paulo.

Segundo Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a tendência é que os focos aumentem na Amazônia entre os meses de agosto e setembro, devido à seca e o aumento da degradação ambiental.

Ele observa que até agora o desmatamento na amazônia mato-grossense está, praticamente, no mesmo patamar em relação ao ano passado: “Segundo o levantamento feito pelo Imazon, de janeiro a julho deste ano, 971 quilômetros quadrados já foram desmatados na Amazônia em Mato Grosso, o que representa um leve aumento de 2%, em comparação ao ano passado”, destaca.

Em contrapartida, se o desmatamento se mantém estável, os índices de degradação “explodiram”, com uma aumento de 640% em relação ao ano passado, o que na prática representa 2.713 quilômetros de floresta degradada, de janeiro a julho deste ano. Segundo Paulo, é a degradação que pode elevar ainda mais os índices das queimadas na Amazônia, na região Norte de Mato Grosso.

Ele explica que a degradação surge da exploração predatória de madeiras, quando é aberto um grande clarão na floresta em busca das madeiras mais valiosas. Nesse processo, a derrubada é feita por maquinários e grandes áreas chegam a perder 50% de sua cobertura original, ficando mais suscetíveis a entrada do sol.

“Com o cara que taca fogo para limpar o solo, esse fogo sai do controle e entra na floresta aberta, que está desprotegida com o mato seco deixado pela degradação.  Neste ano 2.713 quilômetros quadrados de florestas já foram degradados. É uma área enorme suscetível ao fogo. Combinando isso com o tempo seco, a gente ainda pode esperar em Mato Grosso muitos incêndios na floresta amazônica nos próximos meses”, estima Paulo Barreto, do Imazon.

Resex Guariba-Roosevelt queima em Colniza

Neste período de “temporada das queimadas”, o município de Colniza – extremo norte do estado e que abrange a região amazônica – lidera o ranking dos incêndios florestais, com 595 focos de calor, de janeiro até 19 deste mês, segundo o Inpe. Colniza lidera o ranking de dez municípios com mais focos no bioma amazônico, mas é o terceiro no geral do estado, atrás de Poconé e Barão de Melgaço, que ficam no bioma Pantanal.

De acordo com o coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinicius Silgueiro, dos 595 focos de Colniza, pelo menos 400 acontecerem desde 01 de julho, quando começou o período proibitivo das queimadas (de 1° de julho a 30 de setembro), estabelecido pelo governo estadual. “Ou seja, de tudo que ocorreu em Colniza esse ano, 96% é com toda certeza ilegal e criminoso”, ressalta Vinicius.

Em relação às categorias fundiárias, o pesquisador ressalta que 17% dos focos ocorreram “na Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, 36% em imóveis com CAR [Cadastro Ambiental Rural], concedidos pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT); 42% em áreas não cadastradas e 5% em assentamentos”.

Criada pelo governo estadual em 1996, a Resex é a única do ramo extrativista em Mato Grosso e constantemente vive sob ameaça de grileiros. Ela está localizada entre os municípios de Colniza e Aripuanã, sendo praticamente uma ilha verde de conservação numa região em que os ambientalistas chamam de “arco do desmatamento”.

O território também está situado entre os rios Guariba e Roosevelt e é considerado um exemplo de economia sustentável no país, cuja a extração vem da madeira, da Castanha do Pará, além de outros recursos da floresta.

Como é o combate às chamas

No Pantanal, as chamas são combatidas por uma mega operação denominada “Pantanal II”, sob a coordenação do Centro Temporário Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman-MT), que reúne 124 profissionais dos governos de Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, Forças Armadas, Ibama e o polo Socioambiental Sesc Pantanal.

A operação atua com helicópteros da Marinha e aviões do Corpo de Bombeiro e da Força Aérea Brasileira que têm despejados litros de água sobre o fogo, desde o início de agosto. No boletim da operação do dia 13 agosto consta que até agora 1.816.060 milhão de litros de água já foram utilizados no combate às chamas que insistem em se alastrar pelo bioma. O governo do estado também informa que já “reduziu em 73% o número de focos de calor no Pantanal”.

Uma notícia boa, conforme o boletim, é que “linhas de fogo” que ameaçavam os Santuários das Araras foram extintas pelas equipes terrestres, “por meio do combate direto, preservando assim a rica fauna da região pantaneira”.

Mas também no último dia 12, a operação relata que evitou uma tragédia, quando a casa de “Seu Dito Verde”, ponto turístico e patrimônio histórico da região, quase foi incinerada pelas chamas. Seu Dito mora há mais de 50 anos na região.  “A linha de fogo avançava de maneira intensa e o combate foi extremamente difícil, pois as aeronaves adentravam em meio à fumaça, sob altas temperaturas, e alijavam água na cabeça do fogo e sobre a casa de palha, estratégia essa que possibilitava que as equipes terrestres pudessem avançar no combate terrestre”, destaca trecho do boletim.

O Ciman também atua com equipes para debelar as chamas nos biomas da Amazônia e Cerrado. Os trabalhos permanecem nos três biomas até que a situação dos incêndios esteja controlada.

A reportagem também entrou em contato com o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, Dércio Santos da Silva, coordenador Geral do Ciman, para ter mais detalhes da operação, principalmente para saber se os causadores dos incêndios criminosos já foram identificados e se eles serão punidos pelos danos ambientais. O tenente coronel ficou de enviar as perguntas pelo WhatsApp, mas isso não correu, até a publicação desta matéria.

O espaço segue aberto para o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, Dércio Santos da Silva, coordenador Geral do Ciman, se manifestar.

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ÍNTEGRA PUBLICADA EM:    AMAZÔNIA REAL 

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