Governo nega falta de atendimento aos indígenas durante pandemia; entidades denunciam redução de gastos em saúde

Representante do Ministério da Saúde desmente que índios com Covid-19 estejam sendo tratados com cloroquina. Médico defende isolamento das comunidades indígenas

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Governo e povos indígenas divergem sobre o número de pessoas infectadas nas comunidades – Marcio James/Prefeitura de Manaus

Representantes do governo federal negaram que haja falta de atendimento às comunidades indígenas para o enfrentamento do coronavírus. Eles fizeram um relatório das ações realizadas junto a cerca de 750 mil índios cadastrados em todo o país, mas foram questionados sobre a diminuição dos gastos públicos com saúde indígena durante a pandemia.

As informações foram repassadas durante audiência pública nesta quarta-feira (15) da comissão externa que analisa o combate à Covid-19. Houve desencontro nos dados sobre o coronavírus entre os índios. Os números da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde mostram 4.213 infectados e 216 óbitos. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), entidade da sociedade civil, informou quase 15 mil infectados e 501 mortes.

O secretário de Saúde Indígena, Robson da Silva, detalhou a estrutura de atendimento, o trabalho das equipes multiprofissionais e a distribuição de mais de 800 mil itens de proteção. Disse que a taxa de letalidade, de 2,2%, é menor do que entre os não indígenas, mas reconheceu a vulnerabilidade dos povos. O secretário descreveu a dinâmica da doença.

“A Covid, ela se comporta na questão das comunidades indígenas como uma grande onda. A primeira foi o Alto Rio Solimões, depois o Alto Rio Negro, depois Yanomami, leste de Roraima, um pouco no Ceará, Pernambuco. E a gente observa uma linha que dura mais ou menos seis semanas: começa a primeira semana, morrem uma, duas pessoas, três; quando chega à terceira, quarta, quinta, sexta (semanas), esse número se intensifica e baixa”, disse.

O secretário de saúde indígena negou que a cloroquina esteja sendo prescrita para o tratamento da Covid-19 e explicou que o medicamento é usado contra malária nas aldeias.

Execução orçamentária
Já a representante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Leila Saraiva, apontou um desmonte das políticas indigenistas a partir da análise do orçamento público. Ela fez comparações entre os gastos de 2019 e 2020 tanto na Saúde Indígena quanto na Funai. Enquanto de janeiro a junho de 2019 foram executados R$ 656 milhões na principal ação orçamentária da Saúde Indígena; de janeiro a junho de 2020, os recursos pagos foram de R$ 620 milhões.

“A pandemia deixou ainda mais evidente o caráter político do orçamento público, que dá para ver, através do orçamento público, quais são as prioridades efetivas do governo. A execução orçamentária, óbvio, ela tem a ver com a capacidade dos órgãos, mas ela também tem a ver com a vontade política”, observou.

Isolamento
O neurologista Erik Jennings, coordenador de saúde do povo Zo’é, do norte do Pará, enfatizou a rapidez da disseminação da doença e declarou que só o isolamento foi capaz de impedir que a comunidade não registrasse casos de Covid-19. O médico fez uma sugestão.

“Nas áreas em que não há coronavírus, a gente minimizar mais o risco de levar isso à aldeia, não só aos profissionais de saúde, mas com toda a pressão no entorno. E uma coisa que vai mudar muito daqui por diante é uma interlocução mais estreita entre Sesai, Funai e os outros órgãos que protegem o meio ambiente. A gente sempre insistiu em que não é possível fazer saúde se a gente não tiver proteção territorial e a Covid está mostrando isso, se a gente não proteger o território, a Covid entra”, explicou.

Durante a audiência pública, parlamentares relataram falta de remédios, de profissionais de saúde e de testagem para os indígenas e cobraram detalhes sobre o plano de contingência do governo.

Vetos de Bolsonaro
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) se mostrou indignada com os vetos ao Projeto de Lei 1142/2020, que estabelece um plano emergencial para o enfrentamento do coronavírus pelos indígenas e outros povos tradicionais.

O presidente Jair Bolsonaro vetou itens que obrigavam o governo a garantir a esses povos o acesso à água potável; a distribuir gratuitamente materiais de higiene, limpeza e de desinfecção; a ofertar emergencialmente leitos hospitalares e de terapia intensiva; e a comprar ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea.

“Os 22 pontos são essenciais dentro do texto do PL, o que coloca mais a gente numa preocupação e numa necessidade urgente de derrubar esses vetos na próxima sessão do Congresso Nacional”, disse a deputada.

No final da reunião, a comissão externa decidiu encaminhar um ofício ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, pedindo rapidez na apreciação dos vetos. A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas enviou uma carta aberta ao senador Alcolumbre e ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), salientando que a derrubada dos vetos é essencial para o enfrentamento da pandemia entre indígenas e quilombolas, já que o número de infectados e mortos está aumentando.

Reportagem – Cláudio Ferreira
Edição – Roberto Seabra

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