Para manter o vácuo de soberania na Amazônia, fundos “gafanhotos” chantageiam Brasil

Os autores mostram a realidade das “ameaças” feitas em tom de alarde contra o Brasil.

Créditos: DefesaNet

O Brasil ficou em polvorosa em 23 de junho, com o anúncio de que embaixadas brasileiras em seis países europeus e nos EUA haviam recebido um autêntico ultimato de um grupo de investidores internacionais, que, alegando preocupação com “o aumento no desmatamento” e “violações dos direitos dos povos indígenas”, ameaçavam reduzir os seus investimentos em empresas e títulos públicos do País. O assunto deslocou para o segundo plano a grave evolução da pandemia de covid-19, ainda longe de uma situação de controle.

“A escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada com relatos de um crescente enfraquecimento das políticas ambientais e de direitos humanos e esvaziamento dos órgãos de fiscalização, estão criando uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil”, diz a carta, enviada às embaixadas na Noruega, Suécia, França, Dinamarca, Holanda, Reino Unido e EUA (texto divulgado pelo Observatório do Clima).

Como de hábito, não se trata de qualquer preocupação legítima com a preservação do meio ambiente e a defesa dos povos indígenas, mas de uma maldisfarçada manipulação da crescente fragilidade política do presidente Jair Bolsonaro, para impor um retorno às políticas de “limitação de soberania” sobre a Região Amazônica e o controle dos recursos da região, por meio da bem financiada rede de ONGs que representa aqueles interesses. A implicação tácita é a de que esses recursos naturais são as “garantias” dos seus investimentos no Brasil.  Por isso, a ofensiva se insere no contexto da “financeirização” das questões ambientais, a vasta iniciativa que reúne governos de nações industrializadas, altos interesses corporativos e a rede de ONGs que forma as “tropas de choque” do aparato ambientalista-indigenista internacional, como este Alerta tem acompanhado.

Os signatários (28 fundos de investimento e, curiosamente, os Church Commissioners, entidade que administra as propriedades da Igreja da Inglaterra) se mostram particularmente interessados no Projeto de Lei 2633/2020, peça-chave para a regularização fundiária, imprescindível para qualquer política ambiental e de desenvolvimento séria para a Amazônia, cuja votação encontra-se pendente na Câmara dos Deputados.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (23/06/2020), Jan Erik Saugestad, CEO do fundo norueguês Storebrand Asset Management e iniciador da carta, foi categórico quanto ao destaque conferido ao PL: “Claro que será muito negativo se esse projeto passar porque legaliza a ocupação e encoraja mais o desmatamento. Não há dúvida de que isso será muito negativo. E temos que ter a fotografia completa para tomar nossas decisões. Fortemente insistimos ao governo que não deixe esse projeto passar da forma como está.”

Saugestad deixou claro que o Brasil está sendo tratado de forma diferenciada em relação aos outros países: “Normalmente, tendemos a nos engajar diretamente com as empresas, como o esforço feito no ano passado para combater o desmatamento com o apoio de mais de 250 instituições financeiras à iniciativa [ver Alerta Científico e Ambiental, 26/09/2019]. Temos iniciativas em andamento que cobrem a produção de soja e gado. Mas é o governo que faz as políticas e o arcabouço regulatório com as quais as companhias trabalham. Então, para nós que investimos em empresas, também é importante que as políticas sejam previsíveis e alinhadas com o que acreditamos ser um desenvolvimento sustentável. Desta vez, decidimos não fazer isso de forma indireta com as companhias, mas, sim, de forma direta com perguntas, num diálogo direto com o governo. ”

De forma curiosa, instado a estimar o volume de investimentos no Brasil representado pelo grupo de paladinos ambientais corporativos, limitou-se a dizer, “adoraria ter esse número, mas não tenho”.

Os presidentes dos grandes bancos privados nacionais bateram na mesma tecla. Em uma videoconferência promovida pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), o presidente do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, afirmou que a questão ambiental é o principal “perigo” que ameaça o Brasil. “As consequências ambientais podem até vir de uma maneira mais lenta do que as da saúde como a covid-19, mas são mais duradouras e difíceis de reverter”, disse ele (O Estado de S. Paulo, 23/06/2020).

Para seu colega do Bradesco, Octavio de Lazari: “Todo mundo falava de sustentabilidade, de problema com o Planeta, de aquecimento global, reflorestamento, derrubada, de qualidade do ar, da água. Todo mundo falava sobre isso, mas de fato nós temos de reconhecer que fizemos muito pouco em relação a isso.”

E o presidente do BTH Pactual, Roberto Sallouti, foi enfático ao afirmar que a “agenda ASG”, sigla para ações ambientais, sociais e de governança, não é mais “opcional”, mas “algo que se nós não incorporarmos, os nossos clientes vão escolher outros bancos, porque essa é uma demanda da sociedade”.

Previsivelmente, a ofensiva desses fundos especulativos – verdadeiros “fundos gafanhotos”, que chegam, devastam e voam –, caiu como uma luva para os planos do “superministro” de Economia Paulo Guedes, que, prontamente, manifestou a sua preocupação imediata com que os “ruídos” na questão ambiental não possam prejudicar a pauta de atração de investimentos externos, item fundamental da sua agenda pós-pandemia. Ou seja, para que não faltem os recursos necessários ao seu plano de desmonte do Estado brasileiro, com a privatização de empresas estratégicas como a Eletrobrás, é preciso assegurar o “engessamento” econômico da Amazônia Legal (a, rigor, do País) e frear todo e qualquer exercício de uma soberania efetiva do Estado sobre a região, em detrimento dos seus 24 milhões de habitantes. Este é o corolário direto da política ultraliberal de Guedes, inteiramente atrelada aos interesses da alta finança “globalizada”, cuja meta se limita a pouco mais que gerar grandes fluxos financeiros para operações especulativas, em detrimento de toda a economia real, aí incluída a infraestrutura física, cuja expansão fica condicionada aos interesses de investidores privados.

Assim, o País permanece com as suas aspirações e perspectivas de retomada do desenvolvimento ao cumprimento de um duplo “dever de casa”, tanto em relação aos investidores privados (principalmente, internacionais), como ao aparato ambientalista-indigenista, que sempre operou como instrumento auxiliar daqueles, que tem sido a tónica dos últimos 30 anos.

Em entrevista ao “Estadão” de 24 de junho, o vice-presidente Hamilton Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia, disse que a resposta brasileira será dada “com a verdade e com trabalho”.

Todavia, as reações das autoridades e lideranças nacionais não podem ser apenas defensivas. É preciso demonstrar, pelas mesmas embaixadas, que o País não é uma nação “bananeira”, por exemplo, recordando aos signatários que a área preservada do Bioma Amazônia, em território nacional, equivale a quase o dobro da área combinada dos seis países europeus cujos embaixadores brasileiros receberam a carta.

Igualmente, dever-se-ia reiterar o recado dado sem rodeios pelo presidente brasileiro, em seu discurso na abertura da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro passado: “Quero reafirmar minha posição de que qualquer iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira. Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos.”

Para os patriotas brasileiros, independentemente de ideologias, deveria ser claro que estamos frente a uma tentativa de manipulação da crise política nacional em prol de interesses alheios ao País. Parafraseando a resposta de outro presidente, Floriano Peixoto, diante do oferecimento da “ajuda” da frota britânica, na Revolta da Armada de 1891, os fundos “gafanhotos” deveriam ser recebidos, figurativamente, à bala.

É mais que hora de se retomar o impulso, há muito abandonado, para um novo projeto nacional de desenvolvimento, um imperativo para o período pós-pandemia imediato, com o qual os brasileiros possam retomar as rédeas da construção do seu futuro, em vez de deixá-lo ser definido por essa exótica aliança de especuladores desligados da economia real e do bem-estar geral da sociedade com militantes profissionais, todos descompromissados com os interesses maiores dos brasileiros.

Lorenzo Carrasco  e Geraldo Lino – MSIa  

PUBLICADO EM:   DEFESANET

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