Tabatinga: jovem fala do impacto da pandemia na tríplice fronteira

Edmo conta nesta entrevista como está sendo o impacto da pandemia do Covid-19 nessa região, fortemente marcada pela presença indígena. E denuncia que a população indígena está desprotegida, pois “o território está mais vulnerável e sendo invadido, e o vírus sendo levado pelos invasores”.

O jovem Edmo Flores dos Santos, 27 anos, nasceu em 04 de junho de 1993, na cidade de Santo Antônio do Iça, no sudoeste do Estado do Amazonas, cerca 880 quilômetros distante de Manaus, capital do estado. Após concluir seus estudos de ensino médio, entrou na Companhia de Jesus no dia 07 de fevereiro de 2014.

Desde então, é a primeira vez que o jovem jesuíta volta a morar na região amazônica, como membro de uma equipe missionária ligada ao Serviço Jesuíta para a Panamazônia, da Conferência das províncias jesuítas latino-americanas (CPAL). Residindo desde o início do ano na cidade colombiana de Letícia, localizada ao lado cidade brasileira de Tabatinga e em frente ao povoado peruano de Santa Roza, na tríplice fronteira por onde passa o Rio Amazonas, Edmo conta nesta entrevista como está sendo o impacto da pandemia do Covid-19 nessa região, fortemente marcada pela presença indígena. E denuncia que a população indígena está desprotegida, pois “o território está mais vulnerável e sendo invadido, e o vírus sendo levado pelos invasores”.

Após viver quatro anos em Belo Horizonte estudando Filosofia, Como você recebeu esta destinação dos seus superiores para viver os próximos dois anos na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, de volta à sua querida Amazônia, onde você nasceu e viveu boa parte da sua vida?

Estou muitíssimo feliz, principalmente por ter juntado tudo isso: A necessidade da Igreja (de ter missionários na Amazônia), ser uma preferência apostólica da Companhia de Jesus, ver a minha vontade e a vontade de Deus acontecendo etc. Quando cheguei tive um mês de inserção nas atividades do SJPAM (Serviço Jesuíta para a Panamazônia): visitas às comunidades ribeirinhas, conhecendo os trabalhos da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica), FUCAI (Fundación Caminos de Identidad), CIMI (Conselho Indigenista Missionário), Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, etc. São muitas reuniões e preparação de agendas. Além disso, sou ministro da comunidade missionária onde vivo (uma espécie de responsável pela economia da casa, manutenção, alimentação, etc.) Vejo tudo isso como uma boa experiência boa de inserção, articulação, serviço à Igreja e incidência na sociedade nesse tempo que passarei aqui.

Neste seu primeiro ano de experiência missionária, como parte da sua formação jesuítica, como está a situação da chegada do coronavírus aí na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, com todas as dificuldades próprias dessa região tão vasta da Pan-Amazônia?

Por aqui, tava tudo normal até aparecer o primeiro caso  do COVID-19 na tríplice fronteira. Antes disso o povo estava tranquilo, pois nunca havia chegado essas doenças que se espalham pelo mundo, devido o isolamento da região. Do lado colombiano estamos em quarentena obrigatória. Do lado brasileiro e peruano há restrições, mas não tanta. Pensávamos que conseguiríamos superar isso rapidamente, mas a situação saiu do controle. O sistema de saúde, que já é escasso, colapsou. As comunidades aqui dos três países não estão sabendo lidar com isso.

Você é um jovem nascido na Amazônia, em uma cidade aí nessa região do “Alto Solimões” (nome que o Rio Amazonas recebe quando entra no Brasil, vindo do Peru). Como está a sua família e comunidade de origem? Têm recibido notícias deles e sobre as comunidades indígenas mais isoladas?

Da minha família até agora quatro pessoas foram infectadas. Destas, duas faleceram. Duas (tia materna e seu marido) estão internadas em Tabatinga. O povo (indígena) não tem imunidade suficiente para vencer esse vírus… Estamos ajudando naquilo que podemos: distribuindo alimentos para as comunidades e captando recursos de fora para comprar cilindros de oxigênio para os centros de saúde, dentre outras ações ao nosso alcance. Mas, está complicado porque a demanda é alta e o transporte é difícil. Nossa preocupação maior são com as comunidades (indígenas) mais isoladas. Estas têm dupla ameaça: o território está mais vulnerável e sendo invadido, e o vírus sendo levado pelos invasores.

Como vocês estão vivendo o isolamento social, tendo que ficar em casa, quando o carisma dessa comunidade é ser itinerante? Estão conseguindo suportar a “quarentena”?

Aqui em casa estamos ajudando uns aos outros. O bom é que os companheiros daqui ajudam demais. Como não podemos sair muito, além dos trabalhos, conseguimos parar para momentos mais relaxantes: aperitivos, músicas, filmes etc. Dada essa situação (da pandemia) não viajaremos para segurança de nossas comunidades da Amazônia, principalmente os povos indígenas, com os quais nos relacionamos diretamente.

PUBLICADO EM:       VATICAN NEWS