O próximo coronavírus virá da Amazônia? Desmatamento e o risco de doenças infecciosas

Muitas “novas” doenças humanas se originam de patógenos transferidos de animais selvagens, como ocorreu com o coronavírus Covid-19.

Combate ao desmatamento pela Força-Tarefa da Amazônia, composta por procuradores da AGU que atuam junto ao Ibama e ao ICMBio (Foto: Ibama/2020)

A Amazônia contém um grande número de espécies animais e seus patógenos associados com potencial para serem transferidos para os seres humanos.

O desmatamento aproxima os seres humanos da vida selvagem e está associado ao consumo de carne de animais caçados.

O desmatamento da Amazônia está sendo promovido pelos governos do Brasil e de outros países por meio de ações que incentivam a derrubada e por falta de ações para deter a perda de florestas. O potencial de liberação de “novas” doenças adiciona mais um impacto que deve fazer com que esses governos repensem suas políticas.

O único efeito positivo da pandemia de coronavírus Covid-19 é que ela gerou conscientização pública sobre os riscos de doenças emergentes. Pode-se esperar que isso resulte em que esses riscos sejam refletidos em políticas públicas futuras, como as que promovem o desmatamento na Amazônia.

O desmatamento tropical fornece uma ponte para novas doenças passarem de populações de animais selvagens para humanos, como aconteceu no caso do vírus Covid-19, que fez essa transição em um mercado de animais selvagens em Wuhan, na China, com pangolins e morcegos sendo os principais suspeitos [1].

Um artigo de Joel Henrique Ellwanger e 13 co-autores (eu entre eles) acaba de ser publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências [2]. O artigo, intitulado “Além da perda de diversidade e das mudanças climáticas: Impactos do desmatamento da Amazônia sobre doenças infecciosas e saúde pública”, fornece uma extensa revisão da literatura científica sobre esse assunto.

O desmatamento coloca as pessoas em contato próximo com a vida selvagem. Tanto a simples proximidade quanto o consumo humano de carne de animais silvestres podem permitir que patógenos animais “pulem” para os seres humanos.

A grande variedade de patógenos desconhecidos na Amazônia fez com que o Brasil fosse considerado um “ponto de acesso” para doenças emergentes [3-5].

As várias etapas na identificação de fatores que contribuem para o surgimento e transferência de doenças infecciosas estão sob a égide de uma “perspectiva de saúde única”, que considera a saúde de uma população humana juntamente com a saúde das populações circunvizinhas de outras espécies [6]. O desmatamento na Amazônia facilita a transmissão tanto de novas doenças como de doenças antigas como a malária.

A conexão entre o desmatamento e as doenças infecciosas é apenas mais um impacto do desmatamento, adicionado aos impactos da perda tanto da biodiversidade da Amazônia como das funções climáticas vitais da floresta que evitam o aquecimento global e reciclam a água essencial para áreas não amazônicas no Brasil (como São Paulo) e países vizinhos como a Argentina.

Todos esses impactos, incluindo os impactos na saúde pública, apontam para a necessidade de mudanças radicais nas políticas públicas, a fim de retardar e, um dia, parar o desmatamento na Amazônia [7].[8]

Por: | 22/04/2020 às 20:27

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Notas

[1] Cyranoski, D. 2020. Mystery deepens over animal source of coronavirus. Nature 579: 18-19.

[2] Ellwanger, J.H.; Kulmann-Leal, B., Kaminski, V.L., Valverde-Villegas, J.M., da Veiga, A.B.G., Spilki, F.R., Fearnside, P.M., Caesar, L., Giatti, L.L., Wallau, G.L., Almeida, S.E.M., Borba, M.R., da Hora, V.P. & Chies, J.A.B. 2020. Beyond diversity loss and climate change: Impacts of Amazon deforestation on infectious diseases and public health. Anais da Academia Brasileira de Ciências 92(1): art. e20191375 doi: 10.1590/0001-3765202020191375.

[3] Allen, T., Murray, K.A., Zambrana-Torrelio, C., Morse, S.S., Rondinini, C., Di Marco, M., Breit, N., Olival, K.J. & Daszak, P. 2017. Global hotspots and correlates of emerging zoonotic diseases. Nature Communications 8: 1124.

[4] Keesing, F., Belden, L.K., Daszak, P., Dobson, A., Harvel, C.D., Holt, R.D., Hudson, P., Jolles, A., Jones, K.E., Mitchell, C.E., Myers, S.S., Bogich, T. & Ostfeld, R.S. 2010. Impacts of biodiversity on the emergence and transmission of infectious diseases. Nature 468: 647-652.

[5] Nava, A., Shimabukuro, J.S., Chmura, A.A. & Luz, S.L.B. 2017. The impact of global environmental changes on infectious disease emergence with a focus on risks for Brazil. Institute for Laboratory Animal Research Journal 58(3): 393-400.

[6] Monath, T.P., Kahn, L.H. & Kaplan, B. 2010. Introduction: One health perspective. Institute for Laboratory Animal Research Journal 51(3): 193-198.

[7] Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science.

[8] Este texto foi publicado em Inglês na Mongabay, 08 de abril de 2020.Will the next coronavirus come from Amazonia? Deforestation and the risk of infectious diseases (commentary).

PUBLICADO POR: AMAZÔNIA REAL  

NOTA: A equipe do ECOAMAZÔNIA esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião deste ‘site”.  

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