Coronavírus: Deslocamentos dos Jaminawa entre aldeias e cidades preocupam liderança, no Acre

O isolamento social dentro das aldeias para prevenir o novo coronavírus em indígenas do Acre é motivo de preocupação do líder do povo Jaminawa, José Correia da Silva, de 65 anos.

Indígenas que recebem benefícios como o Bolsa Família precisam viajar de rabetas para irem aos bancos, ficando expostos ao contágio da Covid-19 (Foto: Jardy Lopes)

Ele diz que muitas pessoas estão saindo e voltando das comunidades de rabetas (canoa com motor de popa) para receber benefícios como o Bolsa Família em bancos dos municípios de Assis Brasil, Sena Madureira e à capital Rio Branco.

No início de abril, um grupo de 100 indígenas, segundo Zé Correia, viajou para receber recursos em bancos de Sena Madureira. Com medo do contágio da Covid-19, esse grupo retornou às pressas à comunidade sem fazer uma quarentena de 14 dias, como é recomendado pelas organizações de saúde e atendida por outros povos como os Huni Kuin, do Acre.

As aldeias Jaminawa estão localizadas às margens dos rios Yaco, Purus e Caeté. De Sena Madureira, pessoas do grupo viajaram também para a capital Rio Branco, um percurso de 143 quilômetros feito em embarcação.

No Acre, o Ministério da Saúde registrou 115 casos confirmados de Covid-19 e cinco mortes até essa sexta-feira (17 de abril). A capital concentra 86 casos e quatro mortes da doença. Não há registro de casos entre indígenas.

O líder Jaminawa teme que a falta de orientação e de assistência médica coloquem em risco as aldeias, já que o grupo não fez exames antes do retorno ao território.

“Ninguém está com sintoma, mas tenho muito medo porque sabemos que é uma doença perigosa. Se não tem médico nem aqui [polo do Dsei] imagina nas aldeias. E se alguém estiver infectado?”, questiona Correia, que é coordenador técnico da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Sena Madureira.

Segundo o coordenador, a Funai encaminhou verbas para a compra do combustível das embarcações do grupo de 100 indígenas. Mas o valor não suficiente para o transporte de todo o grupo que foi aos bancos nas cidades.

Além de Sena Madureira, os Jaminawa vivem também nos municípios de Assis Brasil e Brasileia. Os deslocamentos das aldeias para os centros urbanos se intensificaram nos anos 90, quando eles começaram a viver nas periferias e a esmolar nas ruas, conforme descreve estudo do Instituto Socioambiental (ISA).

TI Cabeceira do Rio Acre, onde mora o povo Jaminawá, em Assis Brasil – (Foto: Jardy Lopes)

Os Jaminawa também são conhecidos como Yaminawá, que significa “gente do machado”. No Brasil, eles vivem nas terras indígenas Jaminawa, Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) diz que os Jaminawa somam mais de 1,4 mil pessoas.

Povos da mesma etnia habitam em territórios no Peru (mais de 600 pessoas) e na Bolívia (630), países que fazem fronteira do Acre. O tronco linguístico é o Pano.

O enfrentamento da pandemia

TI Cabeceira do Rio Acre, onde mora o Povos Jaminawá, em Assis Brasil – (Foto: Jardy Lopes)

A antropóloga Fátima Ferreira, que trabalhou com a etnia durante três anos, explicou à agência Amazônia Real os deslocamentos desse povo das comunidades para as cidades.

“Temos que falar de três formas de vida Jaminawa, que são: os que já moram na cidade e não querem voltar para a aldeia, os que estão em trânsito e os que estão aldeados. Esse trânsito é uma das características esse povo. Há uma intensa mobilidade entre as aldeias e centros urbanos, e essa é a parte mais preocupante. Não tem nenhum tipo de orientação nesse trânsito e nenhuma prevenção”, disse a antropóloga.

É importante destacar, segundo ela, que os indígenas que vivem em trânsito são aqueles que têm negócios nas cidades ou se deslocam para receber algum tipo de benefício, como o Bolsa Família.

“Mesmo que recebessem algum tipo de orientação, os Jaminawa não teriam como manter o distanciamento social para evitar um possível contágio nas aldeias”, disse Fátima.

Ela explicou que os indígenas dividem espaços nas moradias com familiares. A aglomeração é uma das causas da vulnerabilidade desses povos para o enfrentamento do novo coronavírus.

“São casas coletivas que ficam duas ou três famílias na mesma casa. São casas que geralmente não são divididas em cômodos. É uma vida coletiva que não permite um espaço para isolamento social”, disse.

Para a antropóloga, é necessário criar uma didática específica para traduzir o significado de quarentena e distanciamento social para o povo. “Se para nós, não indígenas, existe dificuldade, imagina para eles. É preciso uma política de assistência de ação direta nesse momento”, acrescentou.

Fátima Ferreira disse que há entre os Jaminawa grande divergências entre as comunidades e que cada aldeia possui uma liderança. “Não são um povo organizado como os Ashaninka ou Yawanawá”.

A agência Amazônia Real procurou a coordenadora regional em exercício da Funai Alto Purus, Oldice Bortolini Somera. Ela disse que a fundação se manifestaria por meio de uma nota à imprensa. Porém, até o fechamento desta edição não houve retorno.

A reportagem não localizou um representante da coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Purus, do Ministério da Saúde, que atende os povos Jaminawa, para falar sobre a ações de prevenção do novo coronavírus. O distrito atende a sete etnias de 151 aldeias e uma população de 12.597 pessoas.

Por Bruna Mello, especial para Amazônia Real – Rio Branco (AC)

Por: | 17/04/2020 às 23:30   

PUBLICADO EM: AMAZÔNIA REAL

 

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