Após a Groenlândia, a Amazônia?

Mesmo estadunidenses educados dentro dos preceitos do “excepcionalismo” e do “Destino Manifesto” e ligados aos altos círculos decisórios do país receberam com surpresa a declaração do presidente Donald Trump sobre a sua intenção de comprar a Groenlândia, maior ilha do mundo e um território autônomo pertencente à Dinamarca, firme aliada dos EUA na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

E se alguém pensava que se tratava de mais uma tirada inconveniente do presidente habituado a elas, Trump logo demonstrou que falava a sério, ao reagir bruscamente à esperada reação negativa da primeira-ministra Mette Frederiksen (“A Groenlândia não está à venda”), cancelando uma visita já programada para setembro à Dinamarca.

Em meio ao alarido, a ex-secretária de Estado Assistente Heather A. Conley, atual vice-presidente para a Europa, Eurásia e o Ártico do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), um dos mais importantes think-tanks de Washington, escreveu um artigo no Washington Post de 21 de agosto, no qual sugere que Trump invista no Alasca, em vez de criar problemas com um aliado estratégico: “Em vez de comprar a Groenlândia, eu incentivo fortemente o presidente a investir no Alasca e aprofundar as nossas relações econômicas e de segurança com a Groenlândia e a Dinamarca. Afinal, ambas estão abertas para negócios.”

Não obstante, convém recordar que grande parte do território estadunidense foi anexado às Treze Colônias originais por compra, casos da Louisiana, Alasca e Ilhas Virgens, ou conquista militar – Texas, Califórnia, Arizona e Novo México, tomados ao México após a guerra de 1846-48, já sob a égide do “Destino Manifesto”.

Seja como for, a bazófia trumpiana deve ter despertado os instintos imperiais dos editores da revista britânica The Economist, que se apressaram em publicar um editorial defendendo a venda de territórios por países envolvidos em disputas com vizinhos, para pagar dívidas ou por razões ambientais. “O mundo poderia ser mais pacífico se países vendessem territórios”, proclama o editorial (reproduzido no “Estadão” de 17 de agosto). “Com um pouco de imaginação, é possível ver um mercado grande e variado para tais negócios. A mudança climática poderia incentivar a demanda”, afirmam os saudosistas do Império Britânico, cuja maior parte foi incorporada manu militari.

Para quem pensa que tais elucubrações constituem delírios impensáveis, também vale lembrar que os altos círculos oligárquicos costumam pensar décadas à frente. Um exemplo é a investida sobre as grandes empresas públicas ibero-americanas, discutida entre eles na primeira metade da década de 1980 e posteriormente implementada como o Consenso de Washington. Em particular, em um seminário promovido em agosto de 1983 pelo American Enterprise Institute, pesos pesados do Establishment, como o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, o futuro presidente da Reserva Federal Alan Greenspan, o ex-presidente Gerald Ford e outros, discutiram abertamente a “necessidade” da entrada de capitais estrangeiros nas grandes estatais de países endividados como o Brasil, Argentina, México e outros, com o esquema batizado de “troca de dívida por ativos” (debt-for-equity swaps). Na ocasião, a brasileira Petrobras foi citada nominalmente como um dos alvos da investida.

Dois anos depois, ao chegar ao Brasil, a resposta mais ouvida por este autor ao comentar o assunto com o general Meira Matos e outros renomados nacionalistas brasileiros era: “Impossível.” Sem recorrer à velha expressão brasileira, “não foi por falta de aviso”, seria relevante saber o que diriam diante da manchete principal do Valor Econômico de 22 de agosto: “Equipe econômica planeja vender Petrobras até 2022.”

E a comparação entre empresas estatais e território está longe de ser forçada. A troca de parcelas das dívidas externas de países por acordos de “proteção” da natureza (debt-for-nature swaps) também foi ventilada pelos planejadores oligárquicos, como parte de um vasto esquema de financeirização das questões ambientais, que agora atinge um paroxismo com a agenda das mudanças climáticas.

Em setembro de 1987, tais opções foram amplamente discutidas no Quarto Congresso Mundial de Áreas Selvagens, realizado em Denver, EUA, com a presença de altos representantes do Establishment anglo-americano, como: o então secretário do Tesouro dos EUA, James Baker; os multibilionários Edmond de Rothschild e David Rockefeller; o magnata canadense Maurice Strong, o principal “executivo ambiental” do Establishment; o ex-diretor da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), William Ruckelshaus; a ex-premier norueguesa Gro-Harlem Brundtland, coordenadora da Comissão Brundtland, que criou o conceito de desenvolvimento sustentável; e vários outros.

Em uma de suas intervenções, Edmond de Rothschild apresentou o aquecimento da atmosfera pelas emissões de carbono dos combustíveis fósseis como o maior problema da humanidade, em antecipação à campanha de “descarbonização” dos dias atuais. Uma das propostas ventiladas para enfrentar o problema foi a criação de um “banco de conservação” internacional.

No seminário, a ONG estadunidense World Resources Institute (WRI) foi encarregada de elaborar um relatório com recomendações para a imposição de uma “ética ambiental global”, em especial, aos países em desenvolvimento. O documento, concluído em 1989, tinha como principais orientações:

1) O estabelecimento de uma Instituição Ambiental Internacional (International Environmental Facility), que “ajudaria a mobilizar um substancial financiamento adicional, em termos apropriados, para projetos de conservação, de agências de desenvolvimento bilaterais, agências de desenvolvimento multilaterais e, onde possível, do setor privado. A sua função básica seria “identificar, desenhar e financiar projetos de conservação sólidos no Terceiro Mundo”.

2) Estabelecer um Fundo Ambiental Mundial, administrado pelo PNUD, que seria financiado com multas a “poluidores” e, especialmente, às atividades produtoras de “gases de efeito estufa”.

3) Promover várias formas de trocas de dívida-por-ativos, inclusive, por exemplo, proporcionar algum alívio das dívidas aos países em desenvolvimento que proíbam o uso de áreas de florestas tropicais para a criação de gado, ou a destinação de empréstimos externos para a preservação de áreas selvagens, em lugar de para projetos de desenvolvimento.

A proposta formal para a criação do “banco de conservação” foi apresentada formalmente pelo governo da França, em uma reunião ministerial do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1989. Como se sabe, o então presidente François Mitterrand (1981-1995) era um entusiasmado proponente da aplicação do conceito de “soberania limitada” às questões ambientais. O projeto foi colocado sob os auspícios do Banco Mundial e formalmente estabelecido em 1991, com o nome Instituição Ambiental Global (Global Environmental Facility), depois mudado para Fundo Ambiental Global, com a mesma sigla em inglês, GEF. Após a conferência Rio-92, em 1992, o GEF foi retirado da alçada do Banco Mundial e convertido em uma agência independente, embora o banco continuasse atuando como curador.

Entre outras atribuições, o fundo funciona como o mecanismo financeiro para a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), entidade encarregada de implementar no âmbito internacional as medidas referentes às questões climáticas, que têm representado a ponta de lança do movimento ambientalista internacional, em seus esforços de limitação da extensão da industrialização e do desenvolvimento a todos os países do mundo.

Com a “financeirização” das questões ambientais e a sua vinculação ao tema das dívidas soberanas, o Establishment oligárquico passou a dispor de um eficiente instrumento de chantagem contra os países em desenvolvimento que estavam na sua alça de mira, em especial, aqueles dotados de vastos recursos naturais. Com o GEF e outras iniciativas afins, as potências controladoras do movimento ambientalista passaram a dispor dos meios de pressionar os países alvos a aceitar a agenda ambiental e indígena, sob pena de ver complicadas as negociações sobre as suas dívidas externas. Como, em geral, nestes países, os recursos para a “proteção” ambiental e das comunidades indígenas estão sempre disputando as prioridades de orçamentos governamentais limitados, os recursos internacionais são recebidos sem maiores questionamentos quanto às exigências impostas pela máquina ambientalista, quanto às restrições ao desenvolvimento interno.

Um exemplo desses programas que enquadraram o Brasil na agenda “verde-indígena” foi o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). Entre 1992 e 2009, o PPG-7 direcionou ao País um total de 463 milhões de dólares, aplicados em projetos de conservação em áreas de ocorrência dos biomas Amazônia e Mata Atlântica, em um esforço para reduzir as pressões internacionais motivadas por temas ambientais e indígenas.

Outro é o Fundo Amazônia, estabelecido em 2008 e financiado pelos governos da Noruega e da Alemanha, cujo destino encontra-se em um impasse, devido aos questionamentos do atual governo brasileiro.

Por outro lado, a despeito da atitude crítica do governo sobre a politização da agenda ambiental, a orientação ultraliberal da equipe econômica liderada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, manifestada na intenção de privatizar a Petrobras, coloca em xeque a capacidade do Estado brasileiro de exercer a sua soberania plena sobre o desenvolvimento do País. Ou seja, o que parecia impensável até há pouco, deixou de ser. Nesse ambiente, propostas esdrúxulas como a de Donald “salvador-da-civilização-judaico-cristã” Trump envolvendo a Amazônia, podem deixar de ser impensáveis. Afinal, a campanha internacional articulada sobre as queimadas na Amazônia tem a intensão manifesta de demonstrar que o Brasil não tem capacidade de proteger o que falaciosamente chamam o “pulmão do mundo”. E é desta emboscada que o Brasil deve preparar-se para sair.

FONTE: MSIA INFORMA

VER MAIS EM: https://msiainforma.org/apos-a-groenlandia-a-amazonia/    

NOTA

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