Brasil é pioneiro em incentivo financeiro contra desmatamento, mas enfrenta desafios

Conhecido como REDD+, mecanismo visa a reduzir a emissão de gases-estufa por desmatamento e degradação florestal.

Ao recompensar financeiramente países em desenvolvimento que batem metas na redução de emissões de gases de efeito estufa, o mecanismo REDD+ (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação florestal) reflete um esforço da comunidade mundial em adotar medidas para preservar o meio ambiente. O Brasil é pioneiro na captação de recursos provenientes do REDD+, mas ainda apresenta alguns problemas na maneira de administrá-lo.

Este diagnóstico foi feito por Vanessa Cuzziol Pinsky em sua tese de doutorado Governança experimentalista no financiamento do clima: o caso REDD+ no Brasil, defendida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Com orientação do professor Isak Kruglianskas, o trabalho analisou como se dá a governança do mecanismo no País, sugerindo medidas para maior eficiência de sua aplicação.

Como funciona

O incentivo, que visa estimular os países a preservarem a cobertura florestal, foi desenvolvido na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), e é definido pelo Marco de Varsóvia, aprovado em  2013 durante a 19ª Conferência das Partes (COP-19) da UNFCCC. O marco estabelece os requisitos que os países devem cumprir para receberem o pagamento por resultados em REDD+.

Países em desenvolvimento que desejam captar recursos financeiros através de REDD+ devem apresentar à UNFCCC resultados de que diminuíram suas emissões de gases-estufa provenientes do desmatamento. Esses resultados são medidos em toneladas de dióxido de carbono e sua verificação é feita por especialistas apontados pelo Secretariado da Convenção-Quadro de acordo com o processo de Mensuração, Relato e Verificação (MRV) de resultados de REDD+.

Pagamento do REDD+ é efetuado por diversos agentes internacionais, especialmente o Fundo Verde para o Clima – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Quando o processo acaba, o país está apto para receber o pagamento, que é baseado em performance e resultado. Esse pagamento é efetuado por diversos agentes internacionais sendo o principal deles o Fundo Verde para o Clima. A partir de então, a nação tem liberdade para investir nos projetos ambientais que quiser, sempre visando à sustentabilidade e à redução do desmatamento.

A governança como fator crucial  

Embora o Brasil seja referência de REDD+ no mundo, existem alguns aspectos identificados por Vanessa Pinsky que podem ser melhorados em relação aos seus arranjos de implementação.

Em seu estudo, a pesquisadora entrevistou representantes do governo e especialistas envolvidos na implementação de políticas públicas e atividades de REDD+ no Brasil, incluindo o Ministério do Meio Ambiente, das Relações Exteriores, da Agricultura, e das Finanças, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os governos dos Estados do Acre e Mato Grosso e da Noruega. Representantes da sociedade civil organizada, que fazem parte de organizações internacionais, nacionais e associações de base comunitária, também foram entrevistados.

Além disso, Vanessa Pinsky analisou documentos oficiais dos governos do Brasil e da Noruega, do BNDES, do Fundo Amazônia e da UNFCCC. Todos os dados foram coletados e analisados entre 2013 e 2018.

O primeiro problema diz respeito à falta de mecanismos de aprendizagem para os responsáveis pela implementação dos projetos ambientais financiados pelo REDD+. Tanto o BNDES, que gerencia o Fundo Amazônia, como o Ministério do Meio Ambiente não possuem estruturas institucionais para criar um sistema de gestão e transferência do conhecimento. “[eles] não conseguem ter arranjos suficientes para que deixem apenas de monitorar resultado, mas passem a compreender qual o impacto das melhores práticas e melhores projetos e como isso pode ser multiplicado”, explica Vanessa Pinsky .

Por ser um mecanismo novo, a maneira como a implementação é organizada torna-se um experimento de campo, já que os projetos de conservação ambiental têm alta complexidade. Muitas vezes eles estão inseridos em comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, e isso envolve questões econômicas relacionadas à geração de renda de forma sustentável, fatores que devem ser levados em consideração.

Vanessa Pinsky é doutora em administração pela FEA. Foto: Arquivo pessoal

 

 

 

 

 

 

 

A baixa capacidade de implementação dos agentes, especialmente do governo dos Estados, também é um fator importante. Muitos projetos do Fundo Amazônia estão atrasados em termos de execução. Segundo Vanessa, “essa baixa capacidade de implementação faz também com que o Fundo Amazônia tenha uma baixa capacidade de operacionalização dos recursos. Desse mais de 1 bilhão de dólares que o Fundo recebeu (oriundo da captação de 2008), cerca de 30% a 40% foi desembolsado para parceiros implementadores”.

Já o BNDES tem um processo muito longo de desembolso que está relacionado à baixa capacidade de execução dos projetos e à baixa capacidade de análise e identificação dos melhores parceiros. Isso é resultado da falta de critérios de análise e aprovação específicos para projetos de conservação ambiental. “A lógica de um projeto ambiental é muito diferente da lógica de um projeto de uma empresa que pede financiamento para o BNDES. E tudo passa pelo mesmo sistema de aprovação. É muito ruim porque a gente tem desafios enormes na Amazônia. Se você tem milhões de recursos parados, isso é uma coisa realmente incompreensível na perspectiva de sociedade civil”, afirma a pesquisadora.

Vanessa aponta como outro agravante o volume de documentos exigidos pelo banco. “Tem ONGs que não conseguem nem passar pelo processo de submissão de projetos porque não têm condições financeiras de arcar com toda a pré-proposta”, enfatiza. Isso exclui alguns parceiros que poderiam ser muito bons para certas regiões e comunidades.

O grande potencial brasileiro 

O Brasil apresenta uma capacidade interessante de liderança quando o assunto é REDD+. O País tem a vantagem do constante aprendizado. “O mecanismo ainda está em gestação, ele não é um produto final”, é o que diz Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências (IB) da USP, que comenta a questão através de uma perspectiva ambiental.

Dentre os fatores que caracterizam tal potencial, Buckeridge ressaltou o fato do Brasil ter a maior floresta tropical do planeta, povos que a habitam e uma história e ciência ambiental bem estabelecidas. A política ambiental de alto nível também é outro elemento que faz com que o REDD+ funcione.

O problema do desmatamento ganha novos contornos quando é analisado sob a ótica da ética ambiental. De um lado, o valor intrínseco, que diz respeito ao direito que o ser humano não tem de desmatar, do outro, o valor instrumental, relacionado aos impactos negativos da degradação das florestas e sua inter-relação com todo o meio ambiente. “O REDD+ ajuda os sistemas humanos a satisfazer essas questões intrínsecas e instrumentais da ética ambiental”, afirma o diretor.

O “+” da sigla também inclui o papel da conservação das florestas e do desenvolvimento sustentável. A redução na emissão de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento tem ligação direta com o regime de chuvas que, por sua vez, está ligado à agricultura. “Com isso, mexe-se com a sustentabilidade mundial. É um mecanismo de sustentabilidade geral que não precisa ser feito do mesmo jeito em todos os lugares do mundo. Em cada local você pode ter meios diferentes para chegar à mesma solução”, analisa Marcos Buckeridge.

Marcos Buckeridge, diretor do IB – Foto: Fernanda Rezende

De acordo com Vanessa Pinsky, a governança em REDD+ no Brasil ainda está em construção e é muito experimentalista. A iniciativa é uma quebra de paradigmas e empodera muito os países em desenvolvimento, uma vez que eles determinam onde investirão o dinheiro.

O problema do desmatamento compreende diversas variáveis e solucioná-lo envolve a relação entre sistemas sociais, econômicos e ambientais. “A implementação desses projetos é complexa e exige uma governança multinível, onde deve-se ter o envolvimento das comunidades indígenas e quilombolas, governos municipais, estaduais e federais, e movimentos de organizações do terceiro setor que são especialistas”, finaliza a pesquisadora.

Em janeiro, um artigo com os desdobramentos da tese de Vanessa foi publicado no jornal científico Journal Climate Policy.

Mais informações: e-mails vanessa.pinsky@usp.br, com Vanessa Pinsky, e msbuck@usp.br, com Marcos Buckeridge

FONTE: Jornal da USP – Por

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