Amazônia: déficit de soberania e de projeto nacional

A suspensão dos repasses financeiros para ações de proteção ambiental na Amazônia, anunciada pelos governos da Alemanha e da Noruega, em represália à atual orientação da política ambiental brasileira, é emblemática do conceito de déficit de soberania utilizado pelo general Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército, para qualificar a limitação da autoridade do Brasil em relação a questões estratégicas para o desenvolvimento da região.

De fato, desde o início da ofensiva do aparato ambientalista-indigenista do “governo mundial” que converteu o País no “vilão ambiental número um” do planeta, a partir da segunda metade da década de 1980, sucessivos governos não apenas se submeteram passivamente a tal agenda intervencionista e antidesenvolvimentista, como passaram a pautar as políticas ambientais e indígenas de acordo com diretrizes ditadas do exterior e promovidas por um exército irregular de organizações não-governamentais (ONGs), para as quais foram terceirizadas várias funções que caberiam ao Estado brasileiro.

Para piorar o quadro, órgãos governamentais encarregados da implementação da política ambiental passaram a depender de recursos externos, por conta de crescentes restrições orçamentárias impostas pela prioridade absoluta conferida ao serviço da dívida pública, em meio à depressão econômica dos últimos anos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi o maior destinatário dos recursos do Fundo Amazônia, agora interrompidos pela Noruega, colocando em xeque as operações de fiscalização do órgão. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) também recebeu uma fatia considerável para o monitoramento do desmatamento, cujos índices têm se tornado motivo de justificados questionamentos, pela forma incompleta e alarmista como têm sido divulgados – e que os mapas compilados com dados do próprio INPE sugerem ser um tanto exagerados (ver abaixo).

Desmatamento no bioma Amazônia até 2015 (vermelho), segundo o sistema Prodes utilizado pelo INPE. Observe-se que o bioma encontra-se quase intocado nos estados do Amazonas, Roraima e Amapá, e ainda encontra-se em grande parte preservado no Acre e no Pará.

 

Enquanto isso, um programa de monitoramento mais sofisticado como o TerraClass, que indica as categorias de áreas desmatadas e as áreas de regeneração da vegetação – excluídas dos índices de desmatamento – encontra-se paralisado pelo INPE desde 2014, por uma alegada falta de recursos. Curiosamente, entre 2008 e 2012, o sistema indicou que a área total de vegetação regenerada na Amazônia Legal superou em duas vezes e meia a superfície desmatada (Embrapa, 23/12/2014).

Não por acaso, o “terceiro setor” (eufemismo para ONGs) é a categoria que recebeu mais recursos do Fundo, desde o início do seu funcionamento, em 2008. As distorções geradas pela atuação de certas ONGs nessa agenda ficaram evidenciadas na auditoria realizada pelo Ministério do Meio Ambiente, por determinação do ministro Ricardo Salles. De um lado, o grosso dos recursos do Fundo nos projetos e programas implementados por elas se destinava ao pagamento de salários, havendo casos de até R$ 45.000,00 mensais, em contraste com os R$ 990,00 anuais destinados a famílias participantes do programa Bolsa Floresta (“para manter a floresta em pé”), criado pelo estado do Amazonas e administrado pela ONG Fundação Amazônia Sustentável.

Um exemplo didático dessa orientação externa foi a declaração do então ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, em uma palestra na Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), em 2011, respondendo a uma queixa sobre a inviabilização econômica do estado de Roraima com sucessivas restrições ambientais e indígenas: “O Brasil tem que cumprir compromissos internacionais assumidos para proteção da netureza e minorias indígenas. Então, vocês de Roraima podem esquecer a ideia de se desenvolver utilizando os recursos minerais, hidráulicos e a produção agrícola. Roraima tem só 450 mil habitantes, se sobra apenas 6% da área, têm que pensar em outra forma de desenvolver o estado (Notícias Agrícolas, 11/06/2011).”

Além de ver expurgadas atividades produtivas como o cultivo de arroz irrigado, erradicado para a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Roraima ainda é o único estado isolado do Sistema Interligado Nacional (SIN) de fornecimento de eletricidade, devido à interdição do projeto da linha de transmissão Manaus-Boa Vista, por atravessar o território dos indígenas waimiri-atroaris, ainda que ao longo da rodovia BR-174 (que os índios interditam impunemente entre 18h00 e 06h00).

Com a promulgação da Constituição de 1988, esse aparato intervencionista passou a receber o precioso apoio de setores do Ministério Público, que, atraídos para a militância “verde-indígena” por inclinações ideológicas e cursos, seminários e outras benesses generosamente financiadas por ONGs do aparato ambientalista-indigenista, acabaram por converter-se em uma virtual força policial do “governo mundial”.

Por outro lado, é inegável que o País terá grandes dificuldades para lidar com a imagem de um virtual pária ambiental ou “ameaça planetária”, que, independentemente de corresponder a uma realidade, está sendo cultivada no exterior, com grande potencial de contágio nas relações diplomáticas, políticas e comerciais. Neste cenário, que exigirá uma grande dose de coesão interna para ser enfrentado a contento, é preocupante constatar que setores econômicos como o agropecuário e alguns governadores de estados da Amazônia estejam cogitando de estabelecer vínculos diretos com países engajados na campanha de pressões, por receio de ver prejudicados negócios e recursos para programas estaduais. Trata-se do velho vício brasileiro de cada setor enxergar apenas os seus interesses em detrimento dos do conjunto da Nação, que só pode ser superado com um empenho coletivo em torno de um novo projeto nacional de desenvolvimento, ao qual se subordinem as políticas setoriais e atue como balizador e catalisador das atividades produtivas em geral.

Entretanto, é preciso uma estratégia de curto prazo para o enfrentamento do desafio da campanha de “vilanização”, englobando autoridades governamentais, lideranças políticas e empresariais, as Forças Armadas e representantes selecionados da academia e da sociedade civil, em um esforço de convergência de atitudes e discursos, evitando-se uma fragmentação que aumentará ainda mais as já grandes dificuldades de posicionamento do País no cenário internacional.

Um requisito imediato é a mobilização de uma força-tarefa de cientistas e especialistas para sintetizar em um “livro branco” (ou “verde”, se se preferir) os aspectos principais da realidade ecológica e socioeconômica da Amazônia, desfazendo os múltiplos mitos sobre a região e colocando na devida perspectiva a amplamente exagerada importância da Floresta Amazônica para o clima global (provavelmente, não maior que a da taiga siberiana), causa de grande parte da histeria atual sobre o desmatamento do bioma.

Acima de tudo, será preciso concretizar dois requisitos fundamentais para o desenvolvimento amazônico e a sua compatibilização com critérios racionais de proteção ambiental, a regularização fundiária e o zoneamento ecológico-econômico, ambos devidamente identificados há tempos, mas nunca implementados com a abrangência necessária.

O desenvolvimento amazônico precisa basear-se em uma grande agregação de valor aos recursos naturais da região, com a promoção de uma ativa sinergia entre instituições de pesquisa (INPE, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Museu Emílio Goeldi, Embrapa, universidades e outras) e empresas privadas, para a qual as populações locais e seu conhecimento tradicional podem aportar uma importante colaboração. Para isto, não faltam recursos humanos qualificados, mas a mobilização destes não pode prescindir dos necessários recursos públicos, que sinalizem aos setores privados a determinação governamental de dar um novo rumo ao desenvolvimento da região.

Tomando de empréstimo uma expressão em voga, seria a ideia de uma Amazônia Industrial 4.0, que poderia, inclusive, funcionar como um dos vetores da superação da presente estagnação econômica e a retomada de um processo de desenvolvimento que qualifique o País para atingir o nível das economias avançadas em algumas décadas.

FONTE: MSIA INFORMA  

VER MAIS EM: https://msiainforma.org/amazonia-deficit-de-soberania-e-de-projeto-nacional/   

 

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