Baixo Rio Branco: pesquisadores apontam caos na saúde dos ribeirinhos

A pesquisa identificou que 80% das comunidades trabalham apenas com agentes de saúde, quando deveriam ter postos de saúde para suprir as demandas. A Unidade Mista construída em Santa Maria do Boiaçu, município de Rorainópolis (RR), ainda não foi inaugurada e não dispõe de equipamentos. As 15 outras comunidades do Baixo Rio Branco sofrem com a falta de assistência médica e o silêncio das políticas públicas.

A expedição organizada pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), composta por pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Universidade Federal do Ceará (UFC), com apoio da Universidade de São Paulo (USP), aponta para a importância de Santa Maria do Boiaçu como uma das localidades centrais do Baixo Rio Branco, em que se concentram alguns equipamentos intracomunitários, dentre estes, o único hospital da região, que atende a um setor do Baixo Rio Branco. No entanto, a equipe observou que Santa Maria do Boiaçu está ‘mergulhada no lixo’.

A atividade de pesquisa realizada no Baixo Rio Branco compõe as ações do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD), vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O professor Antonio Veras, coordenador do PROCAD e da expedição explica que nas outras 15 comunidades, percebe-se que existe uma ausência de serviços de atendimento à saúde. “Ao longo da história, o poder público não deu condições para que estas outras localidades tivessem assistência em todas as áreas”, comentou.

As comunidades de Santa Maria Velha, Sacaí, Canauinin, Lago Grande e Terra Preta têm uma interatividade maior com Santa Maria de Boiaçu pela proximidade. As demais, subindo o rio Jauaperi (RR), estão voltadas para Barcelos, Manaus, Novo Airão e vila de Moura, todas estas localidades pertencentes ao estado do Amazonas, acessada pelo rio Negro, para onde os ribeirinhos se dirigem para buscar atendimento de saúde em casos graves.

Professor Veras diz que na área da saúde, pode-se pensar em soluções como o uso de ambulâncias fluviais para atender cada comunidade de forma segura e rápida. “Isso facilitaria a conexão, levando serviços de uma comunidade para outra. A internet facilita a comunicação dos comunitários e o agente de saúde ou médico podem fazer o atendimento com maior agilidade. Outra medida estratégica é a concentração e melhoria dos equipamentos e serviços urbanos não só em Santa Maria do Boiaçu, mas em Caicubí, que é a segunda maior comunidade do Baixo Rio Branco”, assinalou Veras.

Professor Giovanni Seabra, membro da expedição, explica que em lugares onde existe lixo, não existe saúde. “Onde há acúmulo de lixo, a saúde é precária e a população é vulnerável. Isso pode ser constatado pela grande quantidade de urubus nos quintais e nas ruas de todas as vilas visitadas. Verificamos que Santa Maria do Boiaçu, que é um centro microrregional, está mergulhada no lixo. Não há reaproveitamento, reciclagem ou reutilização. Basta andar nas ruas principais que podemos ver lixo por toda a parte e resíduos de queima nos terrenos e esquinas do povoado”, disse. Isso ocorre até com comunidades que têm um marketing ecológico de reciclagem ou reaproveitamento de coleta seletiva. “Observamos muito facilmente que a coleta seletiva é uma jogada de marketing”, apontou Seabra.

A equipe verificou que nas comunidades de Itaquera e Xixuaú há alguns recipientes disponíveis para recolhimento de vidro, plástico e papel, no entanto,  o lixo é descartado em volta dos recipientes, nas ruas, nos quintais e no rio.  “Além disso, há a queima do lixo. E por que a queima? Porque não cabe transportar o lixo rio abaixo, desde Xixuaú até Manaus, Moura ou Barcelos. Fica muito caro. Por isso convém mesmo queimar. Aqueles produtos de alta periculosidade de contaminação como baterias de iluminação que são muito utilizadas, esses sim devem ser recolhidos, acondicionados e a população orientada para este fim. Daí tem-se um volume menor a ser transportado. Descartáveis como plásticos, PETs devem ser evitados, para isso é possível fazer um trabalho ambiental, primeiramente porque eles são muito receptivos e solidários entre si”, explicou professor Seabra.

Os pesquisadores alertam que o trabalho de educação ambiental é necessário para evitar o consumo de poluentes e, em segundo lugar, para dar o destino correto ao descarte. Eles assinalam que o lixo orgânico não apresenta problema, pois podem ser incorporados ao solo ou lançados no rio servindo como alimento à fauna fluvial. Uma prática incorreta e que afeta a saúde pública é jogar vísceras de animais no quintal ou no lixo acumulado nos logradouros, uma vez que viram iguarias para os urubus.  “Isso acontece prioritariamente com dano muito maior em Santa Maria do Boiaçu, onde lixo de toda natureza é lançado no rio, como um radiador de um grande motor a diesel no ancoradouro, local onde os barcos são amarrados uns nos outros porque não tem outro local para atracação. Sem falar nas televisões, geladeiras, sofás e todo tipo de descarte que é lançado no rio”, verificou professor Seabra.

Os pesquisadores verificaram que o lixo caseiro gerado em diversas comunidades é lançado diretamente no rio. Para isso ocorrer, basta atravessar a rua. “Existe uma rua na maioria das comunidades, espremida entre o casario e o rio. Aí é obviamente muito mais fácil jogar o lixo no rio. As pessoas não sabem que esse lixo vai para as comunidades que estão à jusante, assim como elas recebem o lixo das comunidades a montante. Por isso, as comunidades do Baixo Rio Branco recebem o lixo, por exemplo, que é jogado no rio em Boa Vista”, alerta Seabra.

Ele destaca que é preciso um trabalho ordenado junto aos órgãos públicos para solucionar este problema. “Sabemos que algumas secretarias já estiveram no Baixo Rio Branco no ano passado e ano retrasado, colhendo informações que servissem de suporte às suas ações. Entretanto, absolutamente nada foi feito”, questiona Seabra.

Animais, doenças e outras ameaças: Santa Maria do Boiaçu em estado de alerta constante

A equipe de pesquisadores adverte que, como agravante para a saúde, cães e gatos convivem com as famílias dentro das casas. Para eles, nestas condições, fatalmente haverá pulgas, carrapatos e até leishmaniose sendo transmitida de animal para humano. Outra preocupação é a incidência de ataques de morcegos em adultos e crianças. “Ser atacado, mordido e vitimado por morcegos, por exemplo, em Sacaí se tornou algo normal. Sabemos que existem casos notificados em outras localidades como Terra Preta e Santa Maria Velha. É inconcebível que, nos dias de hoje, populações humanas sejam atacadas por morcegos e contaminadas pela raiva. Isso é inadmissível. E o quê falta? Medidas simples: um protetor, um mosqueteiro, uma casa bem fechada para que isso não aconteça. Em Sacaí praticamente 100% da população já foi vitimada pelos morcegos”, alertou o professor Seabra.

Há outros fenômenos que preocupam os moradores, como a presença de serpentes que perambulam pelas ruas de Santa Maria do Boiaçu. Os pesquisadores apontam que este fenômeno é fruto do desequilíbrio ecológico, uma vez que a floresta é dizimada nas cercanias, por exemplo, de Santa Maria do Boiaçu, para a abertura da pista de pouso, utilizada para os serviços e comodidades de turistas de luxo que praticam a pesca esportiva, assim como existe a abertura de campos de pastagens em meio à floresta.

Os insetos, mosquitos e carapanãs deixam a população mais vulnerável às doenças. Doenças de pele e erupções são causadas por ataque de mosquitos. Uma sugestão dada pela equipe aos moradores é o estímulo ao uso, em larga escala, do óleo de andiroba ou da vela de andiroba, produto natural encontrado abundantemente na floresta. “É preciso uma orientação para o uso de fitoterápicos. O hospital pouco oferece em termos de medicamento que, ao nosso ver, limita-se a remédio para pressão e diabete. Esparadrapo, mercúrio e materiais para primeiros socorros não existem. Lembrando: os dois médicos, ‘sem fronteiras’, um cubano e o outro peruano, são os que dão atendimentos em Santa Maria, alternando-se a cada quinze dias. Eles prestam todo tipo de atendimento, inclusive fazem partos. Nas outras 15 localidade as crianças vêm ao mundo pelas mãos das parteiras, concluiu o professor Seabra.

Reportagem: Éder Rodrigues (RTU/UFRR) | Fotos: RCCaleffi/Coordcom – FONTE: UFRR

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