Meninos dos povos indígenas invadem as redes sociais

RESISTÊNCIA CULTURAL Jovens pais e mães nas diversas comunidades em isolamento voluntário da floresta amazônica brasileira garantem o futuro dos seus filhos mantendo sua identidade originaria, mas sem se isolar dos avanços tecnológicos da nova era.

 

Linda princesa mukashahu, saudades de vocês mamãe te ama muito” —escreveu Waxi Yawanawa, jovem mãe de três criancinhas, duas meninas e um menino. “Meu príncipe caciquinho, saudades de você filho… saudades de todos; minhas filhinhas estão cuidando de casa”, diz Waxi pelo seu Facebook. Ela fica longe de seu lar, tal vez trabalhando ou estudando na cidade, se superando.

Mas ela não esquece, não, sua raiz nativa. Seus filhos são o futuro que ela pariu, e também sua origem, sua identidade mesma. E Waxi têm á mão o Facebook pra estar perto ao lar, ainda ficando longe.

O Facebook é a ferramenta que os povos indígenas brasileiros brandem pra afirmar e projetar sua cultura. Então aí vamos lhes ver, na sua linha do tempo, na sua cotidianidade virtual, arrumando aos meninos com os trajes ancestrais de seus povos, mantendo os costumes espirituais de milênios e milênios, cantando e pintando seus semblantes e seus corpos com os pós vegetais pretos e vermelhos que são parte íntima da sua inocente natureza. A natureza. A inocência eterna.

Hukê Netê, também indígena acreana, igual que Waxi, do povo Yawanawa, fala que os filhos das mulheres indígenas não se criam num berço, ao jeito ocidental, não. As crianças Yawanawa se balançam numa rede desde sua mais ceda existência. “Não dorme na cama” —diz Hukê Netê—, “mais ama dormir nessa redinha desde quando nasceu”.

A Aldeia Virtual dos indígenas brasileiros

A presença dos povos indígenas brasileiros nas redes sociais é impressionante. Muito mais, ainda, quando os meninos apresentam-se com um protagonismo indicador da fortaleza cultural desses povos.

O Facebook é a rede preferida de eles por as virtudes interativas e pelas facilidades multimídia que essa plataforma oferece pra os requerimentos comunitários dos indígenas.

É a Aldeia Virtual feita realidade.

Aportou demais pra este salto qualitativo do movimento indígena brasileiro, a crescente profissionalização de milhares de jovens índios (agora pais de família), nas universidades como a UFAC do Acre, ao que deu lhes aceso eficaz a novas tecnologias da informação e comunicação baseadas na internet.

Nesse contexto, a utilização do Facebook pelos indígenas brasileiros têm o claro fim de promover sua cultura, suas artes e sua ciência ancestrais. É uma forma muito inteligente de proteger e preservar sua milenária identidade civilizatória, sua civilização mesma, isolada na profundidade da floresta; mais plenamente aberta aos conhecimentos científicos e tecnológicos da nova era virtual.

Característica notável na incursão digital dos cultos indígenas da Amazônia, é a maneira pela qual eles se identificam individualmente: Nos seus perfis do Facebook, eles adicionam aos seus sobrenomes o nominativo de seus grupos étnicos, como parte dos seus nomes completos.

O orgulho Hunikui dos povos originários do Acre

Somos Hunikui” postou Samme Ayanni, moça indígena acreana que expressa assim o seu sentimento de profundo orgulho da sua cultura e sua identidade originaria. Ela é mãe duma menina com quem adora se tirar belíssimas “selfies” expostas no seu Facebook com frases poéticas dedicadas á criança como: “A flor mais linda e cheirosa da minha floresta encantada… Te amar e te proteger é minha missão! Que Epa Kuxipa nos abençõe minha Ayanní_Hunikui…”.

Hunikui ou Huni Kuin (da língua Pano que em português significa “os verdadeiros humanos”) é o nome que identifica ao espirito civilizatório dos povos isolados da Amazônia, com um território original que abarca o pé de monte nos Andes peruanos até a fronteira com o Estado do Acre (antes Bolívia) e o sul do Estado de Amazonas, atravessando o Alto Yuruá, o Purús e o vale do Yavarí, pelos rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru, Envira e Humaitá.

Os Hunikui adquirem diversas nominações segundo o território que eles ocupam geograficamente. Temos aí os Yawanawa, os Kaxinawa, os Shanenawa, os Sharawana, os Mastanawa, os Yaminawa e outros “nawa” que falam a mesma língua Pano. Os Yaminawa convivem com os seus parentes Machineri sob a triple fronteira em Assis Brasil.

Atualmente eles transitam pelos municípios acreanos de Taruacá, Feijó e Cruzeiro do Sul, incursionando na cidade capital Rio Branco para se matricular na Universidade Federal do Acre (UFAC) ou pra interpelar as autoridades estaduais e federais em defesa dos seus direitos territoriais e culturais consagrados na Constituição do Estado Federal do Brasil.

O caminho certo de Kayatabu do Jordão

No Facebook é muito visível a organização cultural itinerante que chama se “Ponto Cultural Kayatabu do Jordão”, cuja finalidade —segundo uma das suas ativistas, Rita Sales Dani, estudante da UFAC— é “mostrar o caminho Kayatabu que é o caminho certo”.

Os jovens que integram esta organização pretendem promover na sociedade civil acreana o respeito pelos valores sagrados da floresta e o surgimento certo de lideranças originárias.

Em 2015, eles obtiveram o Prêmio Ponto de Cultura Indígena, “e foi assim que construímos a sede do Kayatibu no Jordão, Acre, e o terreiro com oca na beira do rio”, diz Rita Sales.

Mais outros povos isolados nas redes sociais

Além dos povos indígenas do Acre, as redes sociais também têm presença ativa de outros povos em isolamento voluntário como os Guarani Kaiowá e os Xavante, que neste exato momento brigam numa nova luta pela defesa dos seus territórios subjugados por os poderosos magnates da soja e os empresários que constroem flagrantes hidroelétricas, sem consulta previa, no Estado do Mato Grosso do Sul.

No Estado de Bahia, lindando com o Estado de Minas Gerais, moram os povos da etnia Pataxó, nação de grandes guerreiros que antigamente eram conhecidos como “os temíveis Aimores”. Aos inícios desta década, a população pataxó tinha 11.436 habitantes distribuídos em 19 aldeias situadas nos municípios baianos de Porto Seguro, Itamarajú, Santa Cruz de Cabrália e Prado. Nós achamos em Facebook ao jovem intelectual pataxó chamado Atxekô, quem trabalha como promotor turístico e como produtor artesanal.

Eu faço artesanato. Na minha aldeia falo da minha cultura para os turistas”, disse Atxekô num bate-papo com Sol de Pando feito ontem. Ele explicou que os Pataxó são vizinhos dos Maxacalis, povo que também fala a língua Macro-Jé. “Eles são nossos parentes mais próximos”, diz Atxekô, que também acha importante promover o orgulho indígena entre as crianças das aldeias. Numa foto que mostra meninos Pataxó com poderoso olhar, ele escreveu na sua língua: “Awêry nioktoyná Niamisu ikô tapuritú apetxienã txayuã”, o que em português quer dizer: “Dar-nos amor, união, paz para viver feliz com meus irmãos…”.

As populações indígenas em Brasil, Peru e Bolívia

Segundo a Fundação Nacional Indígena (Funai), dependente do Ministério da Justiça, no Brasil existem descrições de 107 povos ameríndios isolados, mas o número varia segundo diversos informes e trabalhos de investigação. Comparativamente, noutros países vizinhos a quantidade é muito menor. Mais em relação á população total do Brasil (209,3 milhões segundo dados de 2017) a população indígena brasileira (897.000 pessoas segundo publicou Sol de Pando em 2015) não chega, apenas, ao 1%. Mas a importância dos povos indígenas da Amazônia brasileira, pra o mundo todo, não é quantitativa sem não mais bem qualitativa.

 

Os últimos Pacahuara, imersos na pobreza total, foram despojados de seu território em benefício de uma empresa madeireira com grande influência no atual governo “indígena” da Bolívia. | Foto Sol de Pando

Em Peru, segundo dados oficias, existem 16 povos amazônicos, com um total aproximado de 4,5 mil pessoas vivendo em isolamento voluntário. Três outras comunidades, formadas por cerca de 2,5 mil pessoas, estão em uma situação de “contato inicial” com o mundo exterior.

Em Bolívia, por enquanto, já não há povos amazônicos em isolamento voluntário. O último deles, o povo Pacahuara do Acre (Hunikuins da língua Pano que ficou na Bolívia após da revolução acreana), foi exterminado com a entrega do seu território na fronteira entre Pando e Rondônia em favor duma empresa madeireira vinculada ao influente político boliviano Juan Ramón Quintana a través de quatro concessões florestais que abarcam 250.000 hectares. Os povos Yaminaya e Machineri, na triple fronteira com Brasil e Peru, também em Pando, sem atenção estatal alguma, optaram por cruzar o rio Acre pra morar com os seus parentes peruanos e brasileiros.

Huni Kuin: nasce uma nova civilização, voltando á origem | VIDEO

© Wilson García Mérida | Redação Sol de Pando no Acre

FONTE: Sol de Pando

VER TEXTO COMPLETO COM FOTOS E IMAGENS EM: http://www.soldepando.com/meninos/

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