Belo Monte: 2 anos em silêncio

Vista aérea da Usina Hidrelétrica Belo Monte, na barragem do Sítio Pimental, onde estão instaladas 6 turbinas. Foto Marizilda Cruppe.

Ninguém cortou a fita, soprou o bolo ou cantou parabéns. Em silêncio, a hidrelétrica de Belo Monte comemorou no mês passado dois anos de funcionamento.

O grande poeta anglo-americano T. S. Elliot anotou, no mais célebre dos seus poemas, que abril é o pior dos meses. Pois abril marca, sob esse prognóstico sombrio, alguns dos momentos importantes da história dessa enorme usina, projetada para ser a terceira maior do mundo, no leito do rio Xingu, no Pará: o início da sua operação, em abril de 2016 e este segundo ano de atividade, em meio a uma grande crise. Mas foi em outubro de 2010 que o leilão da concessão foi realizado. Para surpresa mesmo dos que acompanhavam os fatos pelos bastidores, o consórcio de empresas menos cotado acabou sendo o vencedor.

Hoje, a Operação Lava-Jato investiga se houve fraude na licitação, através de manobras das quais teria participado o mais poderoso ministro dos governos militares, Delfim Netto, que permaneceu muito influente nos governos de Lula e Dilma, do PT, sendo conselheiro para assuntos econômicos de ambos – para espanto geral, evidentemente. Outubro de 2010, como se sabe, foi o ano da primeira eleição da sucessora de Lula. Mero acaso?

Em oito anos de presença, Belo Monte jamais foi uma referência pacífica. Há fundadas suspeitas de superfaturamento da obra para a formação de um fundo (ou caixa 2), usado para pagar propina a dirigentes e políticos em troca de “jeitinhos” nas relações com o governo. Afinal, o BNDES foi o principal financiador da obra. Para azeitar essas estruturas subterrâneas, políticos de outros partidos foram mobilizados, inclusive adversários, como o PSDB do senador Aécio Neves (sem esquecer o PMDB de Jader Barbalho).

No início, a usina foi calculada em 19 bilhões de reais, valor que hoje é inferior ao dos aportes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O orçamento global foi bater em R$ 40 bilhões, na mais cara obra do PAC (o Programa de Aceleração do Crescimento), maternidade que Lula atribuiu a Dilma e que ela incorporou plenamente ao assumir a presidência da república. Também a obra pública mais cara de todos os tempos na Amazônia e entre as 10 mais dispendiosas do país.

A trajetória da usina foi problemática, tensa e conflituosa. O canteiro de obras foi ocupado por índios e trabalhadores, atacado e depredado. O Ministério Público Federal levou o consórcio Norte Energia muitas vezes às barras da justiça, conseguindo interromper seguidamente os serviços a pretexto de violação aos compromissos sociais e ambientais.

Os argumentos sobre a destruição da natureza e violências perpetradas contra as populações tradicionais da região tiveram grande repercussão internacional. Para se livrar das acusações de estar à frente de um projeto incompatível com as condições amazônicas, a empresa reduziu ao máximo o reservatório, que, na concepção original, se tornaria o maior do Brasil.

O lago formado pelo represamento principal encolheu 61%, mas a Norte Energia recorreu a uma audaciosa manobra de engenharia, desviando água do rio, abaixo do vertedouro, através de um sistema de 22 diques, o mais alto dos quais equivalente a um prédio de 28 andares.

Um canal de derivação com 20 quilômetros de extensão, 25 metros de profundidade (como se fora um prédio de oito andares) e 300 metros de largura à superfície, construído com a aplicação de concreto em volume superior ao do canal do Panamá, supre as 18 gigantescas turbinas com 12 milhões de litros de água por segundo, para que venham a produzir mais de 11 mil megawatts (mas só 40% de forma permanente), energia para suprir o consumo de 60 milhões de brasileiros.

Corrupção, fraude e impressionantes mudanças na concepção original de uma hidrelétrica, com sua origem ainda no regime militar, que criou a (ainda) quarta maior hidrelétrica do mundo, a de Tucuruí, no rio Tocantins, também no Pará, tiveram um preço adicional. Para bem avaliá-lo, seria preciso estender, para Belo Monte, operação semelhante à que investigou a Petrobrás. Não seria um capítulo de menor impacto. Daí, provavelmente, o silêncio no mês do aniversário.

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Leia mais aqui. Veja outros artigos do autor

A imagem que ilustra esse artigo é da Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará (Foto: Greenpeace)

FONTE: Amazônia Real

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NOTA

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