Povos Indígenas Isolados na Colômbia: políticas públicas e iniciativas comunitárias indígenas

A história de Julián Gil Torres é bastante conhecida pelos indígenas na Colômbia. Em 1969 Julián decidiu adentrar a Amazônia colombiana na região entre o rio Caquetá e o rio Putumayo, próximo ao rio Puré, para caçar animais silvestres e para conquistar os indígenas que ali viviam. Nunca mais se teve notícia de Julián, que desde então foi dado como desaparecido. Sua história fez com que se tornasse conhecida a existência de povos indígenas isolados nesta área em que hoje está o Parque Nacional Natural Rio Puré, e onde o Estado colombiano reconhece oficialmente a presença destes povos. 

A Colômbia reconhece oficialmente a existência de dois grupos de povos indígenas isolados, existem ainda outros quinze indícios espalhados pela Amazônia colombiana. Os indícios são informações que ainda precisam ser estudadas e confirmadas, mas diferentemente do Brasil, onde esse trabalho é de responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), na Colômbia essas informações não encontram um canal para concentrar informações de avistamentos e outros indícios. “Não existe uma entidade que esteja encarregada de recolher essas informações e isso dificulta muito o processo de identificação”, conta Daniel Aristizábal.

Coordenador do grupo que trabalha com povos em isolamento voluntário na Amazon Conservation Team (ACT) na Colômbia, Daniel Aristizábal esteve no encontro internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, realizado em junho deste ano pelo Centro de Trabalho Indigenista em Brasília (DF).

Mesmo com o desaparecimento de Julián Gil de 1969 em território de isolados, até hoje o Estado colombiano não definiu uma política para a proteção de povos indígenas em isolamento. O órgão responsável pelo tema é a Direção de Assuntos Indígenas, Rom (ciganos) e Minorias, vinculado ao Ministério do Interior, que coordenou os trabalhos de formulação de uma política pública de proteção através de um processo de consulta envolvendo organizações e comunidades indígenas que foi finalizado em 2013.

Assim como em outros países da América do Sul, os povos indígenas da Colômbia tiveram experiências de contatos traumáticos que reduziram drasticamente populações. É o caso dos Nukak Maku, povo de recente contato que sofreu os impactos causados pelos conflitos armados nas últimas décadas no departamento de Guaviare  e que desde o contato passou por um rápido declínio populacional diante dos muitos casos de desnutrição e doenças antes desconhecidas. “Foi um massacre porque o governo não sabia o que fazer quando eles saíram. Mandaram helicópteros, mandaram a cruz vermelha, mandaram comida, mandaram médicos para vacinar, mas não havia um plano de emergência”, lembra Dario Silva, do povo Kubeo e membro da Associación de Autoridades Tradicionales Indígenas de La Predrera Amazonas (AIPEA), que também esteve no referido encontro internacional promovido pelo CTI.

Foi justamente com o intuito de que os erros não se repetissem que as associações indígenas reivindicaram que a elaboração da política de proteção aos povos em isolamento contasse com consultas em todos os departamentos amazônicos da Colômbia. O processo de formulação, que se estendeu por anos, foi feito de maneira participativa. As etapas de consulta incluíram as comunidades indígenas que são as bases das organizações regionais. “É o primeiro caso na região de elaboração de uma política pública com a participação das comunidades indígenas desde o início”, comenta Aristizábal.

As organizações regionais na Colômbia são chamadas Associações de Autoridades Tradicionais Indígenas (AATIS), formalmente reconhecidas pelo Estado colombiano através do Decreto 1088 de 1993. São estas associações que levam as posições das comunidades para o governo. “Nós estamos fazendo um trabalho de construção de política pública que não é feito em Bogotá em um escritório. Essa construção se faz nas malocas, em nossa região, com a participação de nós indígenas que vivemos ao redor dos povos isolados”, conta Dario Kubeo.

Além das consultas feitas nas comunidades, as organizações envolvidas no processo levaram em consideração as experiências de outros países. “Temos a vantagem de que os outros países já têm suas políticas públicas e pudemos avaliar quais foram os erros e acertos dos países vizinhos. Pegamos muitas coisas da experiência no Brasil, das iniciativas da Funai naquele momento, para elaborar nossos primeiros rascunhos do que seria essa política”, relata Aristizábal.

De início, a discussão foi feita principalmente com as comunidades vizinhas aos povos em isolamento. Posteriormente se decidiu que ainda não era o suficiente, que era necessário levar essa proposta de política pública a todos os vizinhos nas regiões onde estão os possíveis indícios de territórios ocupados por povos isolados. Assim foi feito um processo de consulta previa que durou cerca de um ano. Isso tudo com a participação das bases e das organizações regionais e nacionais que buscavam um acordo dos princípios que devem reger essa política pública.

Atualmente já existe uma versão do que seria essa política de proteção aos isolados que foi entregue ao governo colombiano. Cabe ao governo agora dar sequência a esse processo.“A Colômbia avançou muito de uma maneira participativa, mas estamos muito preocupados a espera de que seja expedido um decreto, uma norma oficial e nisso o governo está demorando”, opina Aristizábal.

As iniciativas comunitárias indígenas
Os dois grupos de isolados com presença já reconhecida pelo Estado colombiano estão dentro do Parque Nacional Natural Rio Puré. Próximo ao parque está o Resguardo Curare-Los Ingleses, criado em 1995, onde vive a comunidade a qual pertence Dario Silva Kubeo. A partir de 2002, quando foi criado o parque, as comunidades indígenas vizinhas passaram a trabalhar no ordenamento territorial para proteger os lagos da região, espécies ameaçadas e também os isolados, com os quais compartilham territórios.

O Resguardo Curare-Los Ingleses está a aproximadamente 10 quilômetros do povoado de La Pedrera subindo o rio Caquetá. A proximidade com centros urbanos facilita a entrada de caçadores, pescadores, madeireiros e outras ameaças como as balsas de mineração que, apesar de existirem em maior número no lado brasileiro, também afetam os rios colombianos.

Para monitorar essas ameaças e controlar o ingresso nas áreas protegidas, os indígenas criaram um sistema próprio. “Uma estratégia de proteção que temos, com a experiência de outros países como Brasil e Peru, é de que a forma de proteger aos isolados não é de proteger diretamente essa população, mas sim proteger o território onde eles circulam. Montamos um posto de controle em um ponto estratégico, temos nossos meios de transporte próprios, gasolina para cada ano e pagamentos dos que estarão no posto”, conta Dario Kubeo.

Além disso, em 2012 as comunidades definiram que iriam levantar cartografias para fazer o zoneamento do resguardo. Com as informações sobre a presença de isolados em determinadas regiões próximas ao resguardo, ficou definida uma área de 90 mil hectares, que está entre o parque nacional e o resguardo, como zona intangível.

Assim como no processo de formulação da política pública para a proteção de isolados, as iniciativas das comunidades indígenas nesta região contaram com um processo participativo incluindo outros resguardos. “Dialogamos com outros resguardos vizinhos para que respeitem as zonas onde se pode buscar material para as malocas, caçar e pescar. Em uma outra zona de conservação estão os lagos, muitas aves e outras espécies de animais e por fim uma outra zona intangível, onde colocamos sinalização. A sinalização grande diz zona de coleta de tal ponto a tal ponto, está georreferenciada com GPS, e o mapa está nas placas, então as pessoas sabem em qual ponto podem coletar e pescar, em que ponto está a área de conservação, onde está o posto de controle e a zona intangível”, comenta Dario Kubeo.

Apesar dos avanços na ponta, restam ainda outros 15 povos indígenas isolados em território colombiano que não foram confirmados e que precisam da aprovação de uma política pública para terem seus direitos garantidos pelo Estado. A ameaça mais próxima da Amazônia colombiana é a expansão da fronteira agrícola, zonas que viveram o conflito armado durante décadas e que com o processo de pacificação em curso no país estão mais vulneráveis à criação de gado e ao cultivo. São estas mesmas zonas onde estão as informações de povos em isolamento.

 

Por Rafael Nakamura

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