Combate ao suicídio indígena depende de políticas de prevenção da vida e da cultura dos povos

Entrevista especial com Lucia Helena Rangel, Por: Patricia Fachin.

Nos últimos 16 anos foram registrados 782 suicídios nas comunidades indígenas brasileiras, o que significa uma “variação” de 30 a 73 casos por ano, diz a antropóloga Lucia Helena Rangel à IHU On-Line. Segundo ela, o relatório recentemente publicado pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi demonstra que o quadro de suicídios entre os Guarani-Kaiowá que residem no Mato Grosso do Sul não se alterou em quatro décadas, mas também sugere que esse fenômeno não é restrito a essas comunidades. “A situação preocupa muito porque em 2016 houve 30 casos de suicídios no Alto Solimões”, informa.

De acordo com Lucia, os dados até então coletados pelo Cimi começaram a se alterar quando a Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI passou a emitir seus relatórios. “Parecia que essa era uma situação restrita aos Guarani-Kaiowá, mas hoje temos registros de suicídios no Amazonas e em Roraima, sendo que o estado do Amazonas tem sido muito afetado em todas as regiões, como no Alto Solimões, no Vale do Javari, no Alto Rio Negro, no Médio Solimões e seus afluentes. Em toda essa região há uma taxa que em 2016 foi bastante alta”. Entretanto, pontua, “nós não sabemos se não era assim ou se esses casos não eram registrados”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Lucia explica que semelhanças existentes entre as regiões do Mato Grosso do Sul e do Alto Solimões podem auxiliar na compreensão desse fenômeno. “Eu não posso fazer afirmações categóricas – para isso eu teria que aprofundar a análise de dados –, mas os dois estados estão em regiões de fronteiras. O Alto Solimões faz fronteira com a Colômbia, e o Mato Grosso do Sul, com o Paraguai. Nessas duas regiões têm tráfico de drogas intenso, contrabando e tudo que é ilícito, ou seja, essas duas regiões são espaços de entrada e saída de tudo que é ilícito. Também é comum nessas duas regiões a tentativa do Estado brasileiro de tornar todos os indígenas em não-indígenas. Todas as ações do Estado não são para respeitar as comunidades, mas fazer com que elas tenham os desejos e expectativas que são dominantes na sociedade brasileira”, diz. Além disso, pontua, “embora haja uma diferença no Alto Solimões em relação ao Mato Grosso do Sul, porque no Alto Solimões as terras já estão demarcadas, por outro lado, existe um processo de urbanização das aldeias dos Ticunas, que é o povo mais numeroso nessa região. Com isso, o padrão de sociabilidade das comunidades vai se alterando, ou seja, elas passam a ter uma vida urbanizada, com escolas, mas não têm uma perspectiva de emprego para todos”.

Na avaliação dela, o enfrentamento desse fenômeno não depende da busca de alternativas na área da saúde, mas antes na promoção de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento dos povos tradicionais. “Não se trata de encontrar uma medicina preventiva, mas uma providência com políticas de prevenção da vida, da cultura dos povos, das escolhas de cada um. Mas o Estado não faz isso; ele é uma máquina de homogeneizar cidadãos que não oferece uma contrapartida”.

Lucia Helena Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.

Confira a entrevista em: http://www.ihu.unisinos.br/575226-combate-ao-suicidio-indigena-depende-de-politicas-de-prevencao-da-vida-e-da-cultura-dos-povos-entrevista-especial-com-lucia-helena-rangel

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