Quem caminha pelas ruas do Distrito Estrela do Araguaia (Posto da Mata) que, até dezembro de 2012, abrigava escolas, 98 comércios, 6 igrejas e 2,4 mil casas vê apenas destruição e vazio. A impressão que se tem é de que estamos adentrando numa cidade fantasma que antes fazia parte do perímetro urbano de dois municípios: Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia.
No local, onde foi à escola Boa Esperança, sobraram apenas entulhos e o parquinho onde 238 crianças, antes, brincavam descontraídas. Agora, no lugar dos risos, o que se ouve é apenas o vento que circula entre os brinquedos abandonados. Ao total, nas 2 unidades educacionais (2 municipais, sendo que uma cedia salas para a rede estadual), 820 alunos estudavam. “Saudade, aqui só tem mágoa”, desabafa a vice-prefeita de Alto Boa Vista, Irene Maria Rocha (PSD), que também era uma das moradoras da gleba Suiá Missu.
Agora, sem os prédios, o governo estadual constrói uma unidade em Alto Boa Vista e o prefeito Leuzipi Domingues Gonçalves (PMDB) alugou duas salas para abrigar os alunos que não puderam ficar nas escolas já existentes. A reportagem do Rdnews percorreu as ruas onde transitavam mais de 3867 pessoas, 1.533 na zona urbana e 1284 na rural, conforme último levantamento feito pela secretaria de estadual de Planejamento, em 2007. Pelo caminho encontramos vestígios dos moradores, como geladeiras, fogões e carteiras escolares.
Entre as poucas coisas que seguem intactas está uma caixa d’ água, uma antena de telefonia móvel, um silo abandonado e o cristo (símbolo da localidade). Alguns viviam no local desde a década de 1970, quando o Posto da Mata ainda era a fazenda Suiá Missu, também conhecida como a fazenda do papa e que, conforme os produtores, chegou a ser considerada uma das maiores do mundo.
A maioria, no entanto, fixou raízes entre 1992 e 1994, quando parte das terras foram loteadas e vendidas. Eles sustentam que compraram as propriedades e que, por isso, têm direito a retornar para o local ou serem indenizados. “Teve gente que não carregou nada com medo das bombas”, lembra Irene.
Depois, completa: “mais uma vez o sonho do povo foi destruído”, ao observar os destroços da segunda desintrusão, realizada no no final de março. Já o Ministério Público Federal, na ação que culminou na desintrusão, ressalta que antes que se pudesse formalizar a providência indicada, ou seja, a criação da reserva indígena determinada pelo ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) “centenas de posseiros, comandados por políticos locais contrários à causa indígena, que compete ao MPF defender, invadiram a referida fazenda, numa extensão de mais ou menos 1600.000 hectares e lá se encontram fazendo cercas, desmatamentos e construções apressadas”, diz trecho da ação.
Impasse
Os moradores haviam retornado à área no início deste ano e, após nova decisão da Justiça Federal, a União determinou que a Polícia Federal os retirasse mais uma vez da Gleba Suiá Missu, área que hoje pertencente a reserva indígena Terra Indígena Marawaitséde, dos índios Xavantes.
Estavam num galpão de uma oficina mecânica e em casas de lona com telhados de palha que começavam a ser feitas, aos poucos. No final de março, entretanto, tudo foi destruído.
De acordo com o governo federal, 12 imóveis, que ainda existiam no Posto da Mata, um posto de gasolina, lojas comerciais e residências, foram destruídas, porém, de acordo com os produtores, o estrago foi maior.
Irene relata que 6 igrejas (evangélicas e católica) foram derrubadas desta vez. “Tinham ficado de pé, mas, agora, vieram com uma pá carregadeira e tudo foi para o chão”, afirma.
O casal Lorival Peres de Souza e Divina Oliveira de Souza, 77 anos e 66 anos, respectivamente, foram os últimos a terem a casa destruída pelas forças federais. Moradores reclamam da truculência da PF que, segundo eles, utilizou 3 bombas de efeito moral para obrigá-los a deixar o local. Reclamam que estavam com uma criança pequena em casa, passaram mal e foram retirados de ambulância . “Bomba é coisa esquisita, fizeram um absurdo”.
Estavam no Distrito há 12 anos e tinham uma propriedade de 116 alqueires com 1,5 mil cabeças de gado. Eles perderam tudo e hoje moram numa espécie de alojamento com mais 5 pessoas, em uma casa alugada. Divina lembra que, na primeira desintrusão, tiveram que vender o gado a preço de “banana” e fiado. “Numa hora você tinha tudo e na outra nada”, reclama Divina.
Hoje, vivem apenas com o dinheiro da aposentadoria. “Mas não dá para nada, o dele vai pro remédio e o meu vai para o aluguel e estou costurando para os outros para sobreviver”, pontua Divina. Agora, cobram a devolução das terras e/ou indenização. “A Justiça do nosso país está desacreditada. Só bandido tem vez”, reclama Lorival. Já Divina reforça que, além do prejuízo financeiro, a situação tem provocado a morte de pessoas, desesperadas com a situação, e um crescente número de divórcios.
Crédito: Vestígios dos ex-moradores – Foto: Davi Valle
Patrícia Sanches
Enviada Especial a Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia
Crédito Fotos: Davi Valle
FONTE:
Suiá Missu se torna cidade fantasma; igrejas são demolidas e sobra o cristo