Apoiado pela Funai e realizado pela Secretaria do Movimento de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR) por meio do projeto “construir, exercer e fortalecer os direitos dos povos indígenas de Roraima”, o seminário A Voz das Mulheres Indígenas, realizado nos dias 4 e 5 de dezembro, na comunidade Alto Arraia, Terra Indígena Manoá-Pium, região da Serra da Lua, município de Bonfim, reuniu lideranças indígenas para debaterem sobre as conquistas, desafios e os direitos das mulheres.
A iniciativa também recebeu o apoio da Fundação Ford, da Diocese de Roraima e do Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR).
Participaram do evento aproximadamente 130 pessoas, entre mulheres das regiões Serras, Surumu, Murupu, Tabaio, São Marcos, Serra da Lua e Amajari, homens, jovens e crianças. Com o tema “conquistas, desafios e o direito da mulher indígena”, foram debatidas quatro temáticas: conquistas e desafios da mulher no movimento indígena, direito e a mulher indígena, lei Maria da Penha, e a violência doméstica e familiar.
Lucila Mota: matriarca da medicina tradicional em Roraima
Reconhecida como matriarca da medicina tradicional, Lucila Mota de Souza, 72 anos, do povo Wapichana, da comunidade Jacamizinho, Terra Indígena Malacacheta, fez memória das dificuldades que passou para produzir seus medicamentos tradicionais, superada ao longo dos anos, e apresentou os resultados, como a venda e exposição dos medicamentos tradicionais, participações em encontros, palestras, entre outros eventos em Roraima, Rondônia, Macapá e Acre.
Na língua tradicional Wapichana, Lucila agradeceu pelo momento vivenciado no seminário e disse que será como “maba”, que significa abelha na tradição Wapichana, onde “deixará somente coisas boas”. “Quero deixar essa palestra e esse conhecimento a vocês. Meu nome na língua Wapichana é maba, que significa abelha, abelha que trabalha com flores, ela tira o amargo da flor para fazer o mel, o doce. Então, no dia em que eu for, não deixarei coisas ruins a vocês, deixarei coisas boas” concluiu a matriarca, pedindo mais respeito, valorização e revitalização da cultura indígena, principalmente dos conhecimentos sobre o uso e produção da medicina tradicional.
Dionita Melquior primeira coordenadora regional das mulheres na região das Serras, Raposa Serra do Sol
A trajetória da conquista de espaço das mulheres indígenas em Roraima foi marcada pela luta em defesa da terra, um processo que também teve como um dos principais desafios o combate ao consumo e venda de bebidas alcoólicas nas comunidades indígenas, situação que deu nome à grande campanha das mulheres e lideranças indígenas em Roraima “não à bebida alcoólica, e sim à comunidade”. Para contar um pouco sobre essa trajetória, o seminário contou com a presença da liderança indígena Macuxi, Dionita Melquior André, 51 anos, da comunidade São Mateus, região das Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, filha do líder Jacir José de Souza.
Como primeira coordenadora regional das mulheres na região das Serras, Dionita relembrou dos primeiros passos da organização das mulheres indígenas na região e em Roraima.
“Nós dizíamos ‘somos do lado do Tuxaua, porque Tuxaua é a nossa força e eles também diziam, mulher tem que está do nosso lado’, relembrou Dionita sobre a reunião ocorrida no Bismak, em 1993, quando as mulheres conquistaram o seu espaço no CIR e em seguida, aprovaram o Estatuto Social da organização.
Joênia Wapichana, primeira advogada indígena no Brasil
Apesar de ainda existir a exclusão de mulheres, Joênia Wapichana destacou que o espaço em que as mulheres se encontram hoje já é uma conquista. Mas que nem sempre foi assim. “A mesma Constituição que fala sobre os direitos indígenas, também veio com novidades em relação às mulheres, e uma delas é a igualdade de direitos. As mulheres têm direito de participar das reuniões, dos eventos, de mobilização, o direito de falar por si só, direito de reclamar e denunciar” destacou a coordenadora.
Joênia citou como avanços o artigo 231 da Constituição, que reconhece a organização social da comunidade; o sistema jurídico; e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lei internacional que o Brasil se comprometeu a respeitar e cumprir desde 1989. Além disso, deu exemplos dos principais tipos de violência: familiar e doméstica, física, psicológica e moral e citou a Lei Maria da Penha, que não foi criada especificamente para mulheres indígenas, mas que em alguns casos é utilizada.
A Wapichana pontuou como uma das alternativas de prevenção os regimentos internos das comunidades indígenas, construídos pelas comunidades para tentar solucionar problemas como o consumo de bebida alcoólica, principal causador de violência doméstica.
Outra iniciativa das comunidades é a criação dos grupos de vigilância e monitoramento das terras indígenas, que atuam no combate a vários ilícitos, venda e consumo de bebida alcoólica, invasões, tráfico de drogas, trafico humano, entrada de marreteiros, entre outros.
Planejamento para 2018
No encerramento do evento, as mulheres elaboraram, apresentaram e aprovaram suas propostas de planejamento para os próximos anos de atividades e ações.
Também contribuíram com o debate o coordenador regional da Serra da Lua, Clóvis Ambrosio; o vice- coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Batista de Souza; e o Vereador indígena pelo município de Cantá, Roberlândio Rodrigues Messias.
Informações da Ascom/CIR
Fotos: Mayra Wapichana