Na COP23, brasileiros mostram que bioenergia pode reduzir emissão de carbono

Representantes brasileiros na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP23), que está sendo realizada em Bonn, na Alemanha, apresentarão hoje (14) um estudo sobre a importância da bioenergia na transição de uma economia baseada em recursos fósseis para uma focada em energias renováveis. 

De acordo com o estudo, a produção de bioenergia pode representar uma contribuição real para atender à crescente demanda de energia no setor de transporte global e, ao mesmo tempo, reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa. A contribuição brasileira se somará a outras iniciativas no mesmo sentido apresentadas na COP23.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Marcelo Poppe, coordenador do estudo feito pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), instituição ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, explicou como o Brasil vem se preparando e investindo em tecnologias avançadas de baixo carbono. 

“Vivemos hoje uma emissão de gases de efeito estufa muito grande e quase 90% dessas emissões vêm de combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás. E o transporte consome quase um quarto dessas emissões, através de combustíveis como o diesel e a gasolina. Há uma necessidade, pactuada no Acordo de Paris, [firmado em 2015 por 195 países], de reduzir essas emissões de uma maneira que se evite que a temperatura do planeta ultrapasse os 2ºC [graus Celsius] ou mesmo 1,5ºC para evitar perigos de desestabilização do equilíbrio climático da Terra”, explicou Poppe.

Bioetanol

O estudo brasileiro mostra como é possível utilizar, além do açúcar das plantas, também fibras e outras partes dos vegetais na produção de bioenergia, o chamado bioetanol de segunda geração. Segundo Poppe, a produção desse bioetanol pode representar uma contribuição real para se atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que prevê a redução das emissões de gases de efeito estufa.

“O bioetanol tem a vantagem de poder ser produzido a partir não só dos açúcares, mas de outras partes dos vegetais. Isso dá acesso a diversos outros países, que não são tropicais e não têm clima e solos propícios à plantação de milho, beterraba e cana, para produzir esse insumo a partir de outras fontes. O custo vai ser superior, num primeiro momento, mas é possível de fazer”, afirmou o pesquisador. 

O Brasil se comprometeu a promover uma redução das emissões de gás carbônico de 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025 e, posteriormente, 43%, até 2030. Para isso, o país precisa adotar medidas para aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% até 2030. Além disso, deve expandir o consumo de biocombustíveis, elevar o suprimento de etanol, inclusive aumentando a participação de biocombustíveis avançados de segunda geração e aumentar a presença do biodiesel na mistura do diesel.

PAISS

De acordo com o estudo, considerando um consumo global de gasolina estimado em 1,7 trilhão de litros em 2025, o bioetanol poderia substituir 10% da gasolina total consumida no mundo, usando menos de 10 milhões de hectares de terra. O mundo experimentaria rapidamente uma redução expressiva de emissões de gás carbônico no setor de transporte, responsável por um quarto das emissões totais.

Poppe afirma que os investimentos em bioenergia estão sendo implementados no Brasil por meio de parcerias público-privadas. Uma das iniciativas é o Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), liderado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Agência de Pesquisa e Inovação (Finep), que já financiou  atividades inovadoras envolvendo empresas estabelecidas e iniciantes, bem como importantes instituições de ciência e tecnologia.

“O PAISS apoiou essa transição e fez com que duas fábricas fossem instaladas no Brasil. Agora, a gente precisa garantir a cadeia produtiva e o mercado para esses produtos, para entrar num círculo virtuoso de aumento da produção, que reduz o custo, aumenta o consumo e desenvolve essa nova indústria”, disse Poppe.

Neste sentido, o papel do governo é decisivo para apoiar empreendimentos inovadores em bioenergia e bioprodutos, garantindo condições de mercado atraentes e reduzindo os impactos de incertezas, especialmente durante o ciclo de inovação e antes da consolidação da produção comercial.

Visão consistente

O objetivo do estudo brasileiro é fornecer uma visão consistente dos benefícios da produção de bioenergia, seja em nível nacional ou global, fornecendo fundamentos confiáveis para a transição de uma economia baseada em recursos fósseis para uma bioeconomia moderna. O documento tem por objetivo mostrar a importância do crescimento nos investimentos em soluções de baixo teor de carbono e fortalecer a cooperação internacional.

“Como 25% das emissões vêm do transporte, essa é uma área que tem que ser enfrentada. Nesse aspecto, os biocombustíveis são uma possibilidade de reduzir rapidamente (as emissões), porque são absolutamente compatíveis com os veículos existentes no planeta. Claro que, para aumentar a escala de produção, é preciso uma disponibilidade muito grande (de bioenergia no mercado) e uma redução de custos. É o que estamos buscando e, para isso, precisamos tanto de políticas públicas, quanto de desenvolvimento, eficiência, tecnologia, inovação”, defendeu o pesquisador.

Ele explicou que, atualmente, há uma discussão intensa sobre a precificação de carbono. “Evidentemente que se houver uma precificação de carbono a nível internacional, vai aumentar muito a competitividade das fontes que têm baixo teor de carbono. Vai melhorar muito. Como isso ainda não existe, há um certo subsídio para a indústria do petróleo, pois não é computado o custo ambiental dela; o que ela acarreta de consequências para o planeta. E isso provoca uma certa desvantagem das outras fontes de competir com o petróleo”.

Tendências

Com a discussão em pauta, o estudo aponta que a tendência é que haja investimentos no setor de bioenergias e bioprodutos, necessários para a transição para uma economia baseada em recursos naturais renováveis.

É fato que a vida moderna, com acesso a serviços e bens de consumo, depende da energia que ainda provem predominantemente de fontes de energia fóssil. No entanto, são bem conhecidas as consequências ambientais e o impacto que geram no planeta, incluindo mudanças climáticas. Desta forma, a transição impõe desafios e investimentos, mas se faz necessária.

“Embora exista um potencial natural suficiente, a construção de novas infraestruturas de energia requer altos investimentos e períodos de maturação relativamente longos, característicos dos sistemas energéticos. Essa transição energética é ainda mais aguda e complexa no setor de transportes, onde as tecnologias de veículos impõem, com poucas exceções, o uso de combustíveis líquidos, devido às suas vantagens logísticas e pronta disponibilidade para uso final. Para tornar esta situação mais difícil, a expansão da frota de veículos globais e a necessidade de energia associada é uma tendência clara, principalmente nos países em desenvolvimento”, diz o documento brasileiro.

Atualmente, estima-se que apenas de 3% do consumo mundial de energia no setor de transportes é atendida por biocombustíveis, correspondendo a uma produção anual de quase 100 bilhões de litros de etanol, com expectativas de que este volume dobre até 2030, aumentando a participação para 5% do consumo do setor.

Marieta Cazarré – Correspondente da Agência Brasil

Edição: Augusto Queiroz

 

 

 

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