O Brasil tomou a decisão política de acabar com a pobreza extrema, por meio do Plano Brasil Sem Miséria (BSM). Essa decisão foi implementada buscando a integração de políticas públicas brasileiras e a inserção na agenda global de erradicação da pobreza e de proteção do meio ambiente. O país é também um dos 17 países megadiversos, e possui 54% das florestas tropicais do mundo, grande diversidade de biomas e riqueza de flora e fauna. Tem como outros países, o grande desafio de conciliar desenvolvimento econômico, conservação ambiental, equidade social e preservar ecossistemas valiosos.
O uso sustentável da biodiversidade brasileira aliada à erradicação da pobreza, constitui-se em um dos desafios mais estratégicos para nossa sociedade contemporânea. Tema central da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, realizada em 2012, posteriormente, foi acolhido entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável bem como o Acordo de Paris tem a erradicação da pobreza como um dos temas estratégicos para a Humanidade no Século XXI.
Quando sediou a Rio + 20 nosso País já tinha implantado o Programa Bolsa Verde – PBV, um programa inédito de transferência de renda para famílias em situação de extrema pobreza com condicionalidades ambientais. Naquele momento, cerca de 30.000 famílias participavam do Bolsa Verde.
O PBV foi criado em 2011,por meio da Lei N° 12.512, possibilitando uma integração entre as políticas sociais e ambientais em torno dos objetivos de erradicação da pobreza, da conservação da biodiversidade e do combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Entre seus objetivos programáticos estão o incentivo à conservação dos ecossistemas; a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerçam atividades de conservação dos recursos naturais em áreas de Unidades de Conservação de Uso Sustentável; assentamentos ambientalmente diferenciados de reforma agrária; territórios ocupados por ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, povos indígenas e outras comunidades tradicionais.
A inclusão das famílias no PBV avançou cumprindo as exigências legais que as caracterizam como a situação social, confirmada pelo Cadastro Único para Programas Sociais, o CadÚnico, e o desenvolvimento de atividades de conservação ambiental. Para identificar essas famílias os diversos órgãos governamentais que participam do programa mergulharam no Brasil profundo, promovendo a Busca Ativa. Iniciado em 2011, o número de famílias beneficiárias cresceu até 2015, quando atingiu 74.522 famílias, sendo reduzido para as atuais 53.072.
Uma lição aprendida com o Bolsa Verde é que no caso de famílias em extrema pobreza e residentes em áreas distantes é necessário criar um amplo arranjo institucional dentro do governo federal e com as esferas estaduais e municipais. Realizaram-se mutirões para identificar e cadastrar 37 mil famílias, que durante seis meses percorreram os rios e estradas da Amazônia. Essa ação, além de proporcionar maior conhecimento acerca das características dessas famílias até então invisíveis ao olhar governamental, permitiu mobilizar 300 agentes públicos que passaram a conhecer mais profundamente a difícil realidade daqueles que vivem com muito pouco, mas que conservam muito da nossa biodiversidade.
Implantar o Bolsa Verde gerou muitos frutos, entre eles a maior articulação de políticas públicas para aqueles territórios onde o Estado tem mais dificuldades para marcar sua presença. É o caso da regularização fundiária para os ribeirinhos, realizada pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU; o registro civil de muitos cidadãos e cidadãs até então legalmente inexistentes; a identificação dessas famílias como agricultores familiares pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, conforme estabelece a Lei N° 11.326/2006; o atendimento de cerca de 25.000 famílias de extrativistas e assentadas da reforma agrária pelos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural do INCRA; e a implantação efetiva de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, especialmente Reservas Extrativistas, com um maior domínio por parte do Instituto Chico Mendes sobre os desafios socioambientais que essa ação determina.
Nesse encontro do Brasil consigo mesmo, foi necessário superar o tradicional isolamento das instituições para lançar em 2013, durante a realização do II Chamado da Floresta, promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS, entidade criada por Chico Mendes, no município de Melgaço, Pará, um conjunto de ações denominado “Brasil Sustentável – Políticas Públicas para os Povos da Floresta”[1]. Nesse município, que tem o pior IDH do País, foram reunidas mais de mil lideranças extrativistas da Amazônia e de outras regiões para dialogar com representantes do governo federal sobre a pauta extrativista, que incluiu suas demandas sociais, produtivas e de cidadania.
Entre as medidas anunciadas estavam o apoio a projetos de manejo florestal madeireiro e não madeireiro, de aquicultura e acordos de pesca, sistemas agroflorestais, com recursos do Fundo Amazônia e contrapartida da Fundação Banco do Brasil. Essas prioridades foram absorvidas pelo Fundo, e que teve a sua segunda fase assinada, em 2015, durante a Conferência de Paris, assegurando o compromisso de recursos adicionais por parte da Noruega e da Alemanha até 2020.
O Bolsa Verde tem o mérito de ser uma política pública de baixo custo e de alta eficiência. Em 2016, seus beneficiários, que podem receber a justa denominação de Guardiões das Florestas e das Águas, protegiam uma área significativa com cerca de 900 mil Km2, uma área equivalente aos territórios da Alemanha, Itália e Reino Unido juntos. As cerca de 1.000 áreas do programa, entre assentamentos e Resex, muitas em regiões de intenso desmatamento, segundo o monitoramento ambiental realizado pela Universidade Federal de Lavras[2] numa área total de mais de 29 milhões de hectares comprova que no interior delas o desmatamento está limitado ao permitido pelos dispositivos legais. Além disso, a transferência de renda de R$ 300,00, a cada três meses, em nome da mulher por meio do cartão do Programa Bolsa Família, permitiu retirar da situação de extrema pobreza cerca de 14.000 famílias. Esse valor, inclusive não foi corrigido pelo atual governo, como ocorreu para as famílias do Bolsa Família.
Entre os resultados socioeconômicos identificados pelo monitoramento amostral realizado pela UFRRJ[3] estão: 1) aumento do poder aquisitivo – incremento médio na renda de 42% depois dos benefícios do Bolsa Família e Bolsa Verde; 2) melhoria das condições de vida – maior presença nas escolas de crianças e adolescentes, segurança alimentar e aquisição de materiais escolares; 3) incremento da produção agroextrativista: compra de equipamentos para melhorar a produção; e 4) condições de conservação do meio ambiente: consciência em questões relacionadas ao meio ambiente e restrições dos instrumentos de gestão.
As noticias recentes por parte do Governo brasileiro sinalizam o desmonte do Bolsa Verde. As consequências podem levar ao retrocesso, empurrando milhares de famílias para o fosso da desigualdade e da exclusão social, contribuindo para o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia e à degradação da nossa biodiversidade, ao poder colocar essas famílias perante a cruel decisão entre preservar uma árvore ou alimentar seus filhos. Será uma situação onde todos perdem. Perdemos como sociedade, perdemos como Planeta.
Artigo: A ameaça de extinção do Programa Bolsa Verde: do ganha-ganha ao perde-perde
por Tereza Campello e Izabella Teixeira
[1] Medidas anunciadas no Brasil Sustentável disponíveis em
[2] Resultados do Monitoriamento 2016 disponibilizado pelo Ministério do Meio Ambiente em
[3] Relatório final do monitoramento amostral do Programa Bolsa Verde – ano base 2015 disponível em