Está pronto no governo o texto do decreto presidencial que deverá abrir uma área de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá para exploração mineral. A área equivale ao estado do Espírito Santo. A medida deverá ser anunciada em breve, conforme adiantou o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, ao comentar o pacote com novas regras para o setor de mineração divulgado na terça-feira (25). A abertura dessa área, porém, poderá gerar uma série de conflitos entre a atividade minerária, a conservação da biodiversidade e os direitos indígenas.
O alerta consta de um relatório divulgado nesta quarta-feira (26) pelo WWF-Brasil, produzido em parceria com a empresa Jazida.com, especializada em geoprocessamento. A área conhecida como Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca) engloba nove áreas protegidas: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este.
A Renca está bloqueada pelo governo brasileiro desde 1984, mas deve ser aberta para mineração como parte dos planos do governo Temer de atrair investimentos internacionais para a região e engordar o PIB. Uma portaria do MME, publicada no início de abril, foi o primeiro passo para retomar a exploração mineral na região.
“Apesar do forte apelo econômico, o desenvolvimento da atividade minerária pode trazer impactos indesejáveis para as áreas protegidas inseridas na Renca, tais como explosão demográfica, desmatamento, comprometimento dos recursos hídricos, perda de biodiversidade, acirramento dos conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais”, adverte Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
A legislação ambiental brasileira proíbe a mineração em unidades de conservação classificadas como de proteção integral – destinadas exclusivamente à preservação dos recursos naturais. Já as unidades de uso sustentável podem ser abertas à atividade, desde que haja um Plano de Manejo que indique claramente quais as atividades permitidas.
No caso das Terras Indígenas, a proibição é total. O mesmo se aplica às Reservas Extrativistas. Das nove áreas protegidas existentes na Renca, a legislação atual permite atividade mineral apenas na Floresta Estadual do Paru, já que a atividade está prevista no seu Plano de Manejo, e mesmo assim em apenas um trecho da Flota.
Potenciais conflitos
De acordo com o relatório, a principal área de interesse para a mineração na Renca coincide justamente com uma área de proteção integral, a Reserva Biológica (Rebio) de Maicuru, onde os dados da Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) apontam fortes indícios da ocorrência de cobre e ouro.
O relatório do WWF aponta ainda que existem na Rebio três processos minerários registrados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Trata-se de duas autorizações para lavra e uma de pesquisa. Duas concessões de lavra de ouro pertencem à Mineração Transamazônica S.A. A de pesquisa é de domínio da Mineração Jatapu Ltda. Esses processos devem ser mantidos, segundo a portaria do MME, que começa a reabrir a Renca.
Outra autorização de pesquisa a ser mantida pertence à Mineração Tucuri Ltda, e fica em uma área transfronteiriça que pega o trecho paraense da Estação Ecológica do Jari e a zona proibida à mineração na Floresta Estadual do Paru (PA). Outros 154 requerimentos de pesquisa protocolados junto ao DNPM serão analisados com a abertura da Renca. No total, a área requerida para estudos corresponde a cerca de 30 por cento de toda a reserva.
Na Floresta Estadual do Paru (PA) – de uso sustentável –, onde também há sinais de existência de ouro, o Plano de Manejo prevê apenas a atividade de pesquisa mineral, e mesmo assim em somente um trecho, na porção centro-sul da Renca.
Entretanto, o documento orientador das atividades na Flota deixa brechas para que o zoneamento da unidade seja alterado, estendendo a permissão para lavra, se comprovado o interesse mineral. Nesse tipo de unidade de conservação, existe a possibilidade de mineração, mas deve-se considerar todas as salvaguardas para garantir o cumprimento de seus objetivos, conforme a legislação exige.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Rio Iratapuru (AP) ainda não tem Plano de Manejo, sendo vulnerável a interesses contrários à conservação. Neste caso, o ideal seria elaborar o documento com as devidas restrições.
Outro potencial conflito é a existência de duas Terras Indígenas na Renca. No lado paraense está a TI Rio Paru d`Este, onde habitam duas etnias, os Aparai e os Wayana. No lado do Amapá, encontra-se o território indígena do povo Wajãpi. São povos que vivem em relativo isolamento, conservam modos de vida milenares e mantêm de pé uma área superior a 17 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica.
“Uma eventual corrida do ouro para a região poderá causar danos irreversíveis a essas culturas e ao patrimônio natural brasileiro. Se o governo insistir em seguir abrindo áreas para mineração sem discutir as salvaguardas socioambientais poderá ser questionado internacionalmente”, alerta Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas no WWF-Brasil. Segundo ele, o Brasil não pode repetir os erros cometidos na década de 1970 – quando grandes empreendimentos foram levados para a Amazônia sem nenhum critério que levasse em conta o meio ambiente e os povos da região.
* Publicado em: CicloVivo