Desinformação no EIA de Belo Monte: 8 – O EIA e o aquecimento global

Belo Monte é uma hidrelétrica de 11.233 MW no Rio Xingu, no Estado do Pará. A construção começou em 2011 e o reservatório foi enchido no final de 2015. A barragem tem graves impactos ambientais e sociais, incluindo impactos sobre os povos indígenas, e seu licenciamento e implementação envolveram várias violações dos acordos internacionais e das proteções constitucionais e da legislação brasileira (ver: [1-5]).

Entre os impactos de Belo Monte é a emissão de gases de efeito estufa (ver: [6]). O mesmo grupo que preparou a parte sobre hidrelétricas no primeiro Inventário Nacional [7] foi responsável pela seção do EIA de Belo Monte sobre as emissões de gases de efeito estufa. A estimativa das emissões de metano do futuro reservatório de Belo Monte é descrita da seguinte forma:

…..Se a emissão de metano for similar ao reservatório de Xingó, a área projetada do reservatório (400 km2) de Belo Monte emitirá em torno de 29 mg CH4 m-2 d-1. Mas se for similar ao reservatório de Tucuruí emitirá 112 mg CH4 m-2 d-1. Em face da incerteza tomamos que emitirá na média destes dois valores, ou seja, 70,7 mg CH4 m-2d-1. Antes da inundação …. chega-se a um valor de emissão de 48 mg CH4 m-2 d-1, para a presente emissão da área a ser transformada em reservatório de Belo Monte.”. ([8], Vol. 8, p. 72)

 

Novamente, a emissão suposta é mínima devido à omissão das principais fontes de emissão: as turbinas e vertedouros, além das árvores mortas que apodrecem acima da água [9]. No caso de Belo Monte, há outro grande fator que eleva as emissões reais para níveis ainda mais altos. Isto é o efeito de enormes barragens rio acima para controlar a vazão do rio Xingu na altura de Belo Monte.

O EIA-RIMA está todo feito sob a hipótese de que essas barragens não vão existir, e esse documento de quase 20 mil páginas se tornaria essencialmente uma obra de ficção se outras barragens fossem construídas. O impacto delas é evidente a partir dos dados técnicos. A primeira seria a hidrelétrica de Babaquara (hoje com o nome mudado para “Altamira”). Pelo plano original, esta barragem teria um reservatório de 6.140 km2, mais do que o dobro da notória barragem de Balbina. A variação vertical do nível da água no reservatório seria 23 m, assim abrindo um lamaçal de 3.580 km2 todo ano como área de deplecionamento. Isto seria uma “fábrica de metano” sem paralelo na história dos reservatórios amazônicos.[12]

 

NOTAS

[1] Fearnside P.M. (2012) “Belo Monte Dam: A spearhead for Brazil’s dam building attack on Amazonia?” GWF Discussion Paper 1210, Global Water Forum, Canberra, Austrália. 5 pp. http://www.globalwaterforum.org/wp-content/uploads/2012/04/Belo-Monte-Dam-A-spearhead-for-Brazils-dam-building-attack-on-Amazonia_-GWF-1210.pdf

[2] Fearnside P.M. (2017) “Belo Monte: Actors and arguments in the struggle over Brazil’s most controversial Amazonian dam”. Die Erde 148 (1): 14-26. doi: 10.12854/erde-148-27

[3] Fearnside P.M. (2017) “Brazil’s Belo Monte Dam: Lessons of an Amazonian resource struggle”. Die Erde (no prelo).

[4] Magalhães S.M.S.B. & Hernandez F.M. (eds.) (2009) Painel de Especialistas: Análise crítica do estudo de impacto ambiental do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte. Painel de Especialistas sobre a Hidrelétrica de Belo Monte, Belém, Pará. 230 pp. http://www.internationalrivers.org/files/Belo%20Monte%20pareceres%20IBAMA_online%20(3).pdf

[5] Villas-Bôas A., Garzón B.R., Reis C., Amorim L. & Leite L. (2015) Dossiê Belo Monte: Não há condições para a Licença de Operação. Instituto Socioambiental (ISA), Brasília, DF. 55 pp. Disponível em: http://t.co/zjnVPhPecW

[6] Fearnside P.M. (2011) “Gases de efeito estufa no EIA-RIMA da Hidrelétrica de Belo Monte” Novos Cadernos NAEA, 14: 5-19.

[7] Brasil, MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) (2004) Brazil’s initial national communication to the United Nations Framework Convention on Climate Change. MCT, Brasília, DF. 271 pp. http://www.mct.gov.br/upd_blob/0005/5142.pdf

[8] Brasil, ELETROBRÁS (Centrais Elétricas Brasileiras) (2009) Aproveitamento hidrelétrico Belo Monte: Estudo de impacto ambiental. Fevereiro de 2009. ELETROBRÁS, Rio de Janeiro, RJ. 36 vols. http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Dossie/BM/DocsOf/EIA-09/EIA_%202009.htm

[9] Fearnside P.M. (2009) “O Novo EIA-RIMA da Hidrelétrica de Belo Monte: Justificativas Goela Abaixo” In Santos S.M.S.B.M. & Hernandez F. del M. (eds.) Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Painel de Especialistas sobre a Hidrelétrica de Belo Monte, Belém, Pará. pp. 108-117.

[10] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.

[11] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.

[12] Este texto é traduzido e atualizada de [10], que foi adaptado de [11]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).

 

Leia os artigos da série: Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série

Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 4 – Barragens como “energia limpa”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 5 – A “Fábrica de metano”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 6 – Coca-Cola versus Guaraná

Desinformação no EIA de Belo Monte: 7 – Barragens no Inventário Nacional de gases de Efeito Estufa

 

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

 

FONTE: AMAZÔNIA REAL

 

 

 

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