Sim, eles querem – e merecem – ser ouvidos. Se não por respeito, solidariedade ou qualquer outro sentimento humanitário, ao menos que se reconheça a importância cultural dos indígenas. Ainda mais, que se evidencie um fato inegável: eles cuidam dos espaços onde vivem, tornam as florestas sustentáveis, não poluem os rios. Mas, se nada disso for levado em conta, então que se cumpra a lei. Pois o Artigo 231 da Constituição de 1988 diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” E, na mesma lei, há um artigo que manda ouvi-los caso seja preciso fazer uso de suas terras para questões econômicas.
Mas o governo de Michel Temer vem descumprindo a lei, recorrentemente, no que concerne aos indígenas. Na última edição digital do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, uma reportagem assinada por Erika Yamada e Luís Donisete Benzi Grupioni listou algumas das situações em que a administração federal revelou um absoluto descaso com a causa desses povos.
O evento mais recente aconteceu em Buenos Aires, no fim de maio, numa sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Comissão abriu espaço para tratar da situação dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Convidado, o governo brasileiro mandou diplomatas do Itamaraty, não do Ministério da Justiça e da Funai, como seria necessário para que a conversa pudesse levar a alguma possível solução.
O argumento para a ausência de organizações que efetivamente poderiam agregar ao debate com os índios foi a crise econômica. Mas pareceu descaso aos presentes. Sem interlocutores à altura, os índios levaram ao conhecimento da Comissão, segundo a reportagem, “diversas situações concretas de violações de direitos indígenas praticadas pelas três esferas de poder”.
“Destacaram as violências praticadas contra comunidades indígenas em disputas territoriais, envolvendo chacinas e mortes, como o ataque ocorrido em abril aos gamela no Maranhão por fazendeiros e capatazes e que resultou em dezenove feridos, e a criminalização envolvendo agentes do próprio Estado, de lideranças indígenas que estão na luta pela defesa de seus direitos. Para os peticionários, essas violações (assim como o avanço de ilícitos sobre os territórios e recursos naturais indígenas) se agravaram a partir do empoderamento de ruralistas e políticos com discursos anti-indígenas no governo Temer. Notadamente, criticaram a nomeação do até então ministro da Justiça Osmar Serraglio, defensor da proposta de emenda constitucional que visa impedir a demarcação de terras indígenas no Brasil e que, ao chegar à pasta, que tem a Funai sob sua jurisdição, afirmou que ‘terra não enche barriga’, deixando claro que tinha uma causa a defender”, diz o texto.
Os membros da Comissão mostraram preocupação com o rumo da relação entre governo e indígenas no Brasil. E foram informados também que em abril, durante o Acampamento Terra Livre, quando quatro mil indígenas se reuniram em Brasília para protestar contra os retrocessos nas políticas públicas referentes a seus povos, houve tumulto e repressão à manifestação.
“A distância entre o clima de normalidade propagado internacionalmente pelo governo e a realidade vivida no país vai se descortinando”, escrevem os repórteres. E não é difícil perceber isso, basta acompanhar as notícias nos jornais e sites.
Dentro da “realidade vivida no país”, porém, há muita coisa boa acontecendo no universo indígena. E gosto da ideia de usar este espaço também para informar sobre iniciativas que podem escancarar a potência desses povos, independente da vontade política dos governantes. É quando a sociedade civil se junta e dita as regras em prol de seu próprio bem-estar que as coisas começam a funcionar de verdade.
A Rede de Sementes Xingu é uma dessas notícias que dá gosto escrever a respeito. Já comentei aqui sobre ela algumas vezes, mas agora o motivo é de festa: a iniciativa comemora seus dez anos de existência. Trata-se de um modelo inclusivo de economia, que se resume em coletar, vender sementes o que, ao mesmo tempo, recupera e preserva as áreas desmatadas e a água na região. Segundo reportagem no site do Instituto Socioambiental (ISA), o mote da Rede não é só a renda, mas a proteção ao meio ambiente e às florestas.
É preciso considerar que, para os índios, preservar o meio ambiente não tem a mesma conotação distante e anódina que para muitos urbanos. Os povos indígenas vivem da mata, alimentam-se dos recursos da floresta, portanto mais do que ninguém sabem que preservá-los é fundamental para os humanos. Com ou sem Pactos, Acordos ou Tratados, eles estarão colaborando para baixar as emissões e tentar nos livrar das sequelas do aquecimento global.
Por tudo isso, os índios deveriam ser ouvidos, respeitados. Por tudo isso, eles deveriam também estar na condição de nossos conselheiros, em vez de protagonizarem cenas tristes em que se tornam vítimas do descaso, inscrevendo o país num lugar que não nos causa orgulho algum.
Por: Amelia Gonzalez
Fonte: G1
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