Hidrelétricas e o IPCC: 16 – A suposição de zonas úmidas

O efeito líquido de uma barragem é a emissão dela, menos o que teria sido emitido pelo ecossistema sem a barragem, incluindo a floresta na área inundada pelo reservatório. A Associação Nacional de Hidrelétricas dos EUA (US-NHA) reagiu à primeira publicação deste autor com resultados indicando emissões elevadas de barragens da Amazônia [1], declarando “é bobagem e é muito exagerado… O metano é produzido de forma substancial na floresta tropical e ninguém sugere derrubar a floresta tropical” (ver [2]).

 A Associação Internacional de Hidrelétricas (IHA) alegou ainda que as barragens são um “problema de soma zero, novas zonas úmidas substituindo antigas zonas úmidas” [3]. No entanto, as barragens não são construídas em pântanos planos que emitem metano, já que locais com corredeiras ou cachoeiras resultam na geração de muito mais energia. Os solos sob florestas de terra firme na Amazônia são considerados sumidouros de metano (e.g., [4]).

A suposição de emissões pré-barragem irrealisticamente altas não foi restrita às recusas iniciais do setor hidrelétrico de um impacto de barragens sobre o aquecimento global. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a controversa barragem de Belo Monte, a estimativa de emissão pré-barragem foi amplamente baseada em medições nos solos alagados que recentemente havia sido expostos pela queda dos níveis do rio, tal que os cálculos efetivamente assumiram que a área do reservatório como um todo estaria emitindo quantidades substanciais de metano (veja [5]) [6].

 

NOTAS

[1] Fearnside, P.M. 1995. Hydroelectric dams in the Brazilian Amazon as sources of ‘greenhouse’ gases. Environmental Conservation 22: 7-19. doi: 10.1017/S0376892900034020.

[2] McCully, P. 2001. Silenced Rivers: The Ecology and Politics of Large Dams: Enlarged and Updated Edition. Zed Books, New York, NY, E.U.A. 359 p.

[3] Gagnon, L. 2002. The International Rivers Network statement on GHG emissions from reservoirs, a case of misleading science. International Hydropower Association (IHA), Sutton, Surrey, Reino Unido, 9 p. [Disponível em: http://www.hydropower.org/DownLoads/GHG-Reply-IRN-2002-v10.pdf.

[4] Keller, M., Jacob, D.J., Wofsy, S.C., Harriss, R.C. 1991. Effects of tropical deforestation on global and regional atmospheric chemistry. Climatic Change 19, 139-158.

[5] Fearnside, P.M. 2011. Gases de efeito estufa no EIA-RIMA da hidrelétrica de Belo Monte. Novos Cadernos NAEA 14(1): 5-19.

[6] Isto é uma tradução parcial atualizada de Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy50: 225-239. http://dx.doi.org/10.1016/j.envsci.2015.03.002. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

 

A foto que ilustra esse artigo é da Hidrelétrica de Teles Pires, em Mato Grosso (Foto: UHE TELES PIRES/Divulgação)

 

Leia os artigos da série: Hidrelétricas e o IPCC 

Hidrelétricas e o IPCC: 2 – Barragens nos relatórios e diretrizes 

Hidrelétricas e o IPCC: 3 – Escolha enviesada de literatura 

Hidrelétricas e o IPCC: 4 – Barragens tropicais emitem mais 

Hidrelétricas e o IPCC: 5 – Emissões de gases nos inventários nacionais 

Hidrelétricas e o IPCC: 6 – As diretrizes de 2006

Hidrelétricas e o IPCC: 7 – Reservatórios como “áreas úmidas” 

Hidrelétricas e o IPCC: 8 – Turbinas e árvores mortas ignoradas

Hidrelétricas e o IPCC: 9 – Contagem incompleta a jusante 

Hidrelétricas e o IPCC: 10 – Concentrações subestimadas de metano 

Hidrelétricas e o IPCC: 11 – Potencial de Aquecimento Global desatualizado 

Hidrelétricas e o IPCC: 12 – Ignorando o valor do tempo 

Hidrelétricas e o IPCC: 13 – O horizonte de tempo 

Hidrelétricas e o IPCC: 14 – A “dívida” de aquecimento global 

Hidrelétricas e o IPCC: 15 – “Catação de cerejas” de barragens

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

 

 

 

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