Seita peruana domina áreas de plantio de coca na fronteira com Brasil, diz PF

Vestidos em túnicas como na época de Jesus Cristo, os fiéis da igreja peruana Missão Israelita do Novo Pacto Universal pregam que a Amazônia é o lugar ideal para sobreviver ao fim do mundo.

Para a Polícia Federal e especialistas em narcotráfico, porém, são eles os principais responsáveis pelo avanço do cultivo da coca ao longo da fronteira com o Brasil.

Vindos do altiplano peruano, os israelitas, como são conhecidos, chegaram nos anos de 1990 a essa despovoada parte da Amazônia peruana, onde criaram comunidades agrícolas e se isolaram da violência do conflito entre a guerrilha Sendero Luminoso e o Estado peruano.

Somente às margens do Javari, que separa o Peru do Brasil, existem quatro grandes assentamentos com cerca de 9.000 fiéis, segundo o pastor José Cordova Calderón, que prega em Islândia, povoado de cerca 1.500 moradores erguido sobre palafitas em uma ilha do rio.

Os israelitas também têm pequena presença no lado brasileiro, com duas igrejas em Tabatinga e outra em Benjamin Constant.

“No fundo do rio, há tremendas cobras, e são esses animais que vão proteger o povo de Deus”, explicou Calderón, sobre a opção dos israelitas pela Amazônia.

De acordo com investigações da PF, são essas comunidades as principais responsáveis pela propagação da coca na fronteira, a partir de meados dos anos 2000. Até então, a produção se restringia a áreas mais altas e secas.

As folhas de coca seriam compradas por pequenas organizações criminosas peruanas, responsáveis pelo processamento. O transporte e a venda têm participação de colombianos e, do lado brasileiro, precisam do aval da facção Família do Norte (FDN).

Calderón nega com veemência o envolvimento com a produção de coca. “Há plantio de coca nas margens de todos os rios peruanos, mas nós, como pregadores da doutrina de Cristo, a rechaçamos”, afirma. “A planta de coca é como um câncer para a sociedade”, completa.

PRODUÇÃO DE COCA

O auge do cultivo da planta na região fronteiriça ocorreu em 2013, quando havia 3.070 hectares plantados de coca, de acordo com monitoramento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

A partir de 2014, com apoio do Brasil, para onde se destina a produção fronteiriça, e dos EUA, o governo peruano iniciou um programa de erradicação manual. No ano seguinte, a última medição disponível, a área cultivada caiu para 370 hectares.

A situação, no entanto, é volátil, principalmente devido à notória ausência do Estado peruano na região -as forças de segurança brasileiras afirmam que inexiste colaboração em nível local com autoridades do país vizinho. As ações conjuntas, explicam, precisam ser negociadas diretamente em Lima.

Sob anonimato, um especialista em drogas peruano afirmou à Folha que a principal preocupação no curto prazo é que a pouca presença do Estado atraia guerrilheiros da Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) que não participam do processo de paz em curso.

MADEIRA

Além do narcotráfico, o contrabando de madeira é outro crime em ascensão na tríplice fronteira amazônica. Nas últimas semanas, houve duas grandes apreensões, num total de 1.632 toras, que geraram atrito entre autoridades brasileiras e peruanas.

No rumo contrário ao da cocaína, a madeira tem sido roubada da Terra Indígena Vale do Javari e levada ao Peru, segundo o Ibama, com base em informações de inteligência da Funai e do Exército. O potencial é imenso: com 8,5 milhões de hectares, é o segundo maior território indígena do Brasil.

A Amazônia peruana tem sofrido com o aumento da atividade madeireira ilegal: 78% da madeira inspecionada durante uma megaoperação em 2015 tinha origem ilícita, segundo o Osinfor (Organismo de Supervisão de Recursos Florestais do Peru).

Na avaliação do Ibama, o fim dos estoques de madeira na região levou as quadrilhas peruanas a atravessar a fronteira. Auxiliadas por brasileiros, ameaçam os índios, derrubam as árvores e, em seguida, as transportam através dos rios até o Peru, afirmam as autoridades brasileiras.

A fiscalização é dificultada pelo fato de os madeireiros usarem o rio Javari, que separa os dois países, e de terem à mão guias florestais, que comprovariam a origem legal da madeira e a extração do lado peruano.

Em fevereiro, o Exército apreendeu 432 toras no rio junto com quatro peruanos -dois escaparam. Acionado, o Ibama deslocou uma equipe do seu escritório mais próximo, em Manaus, a 1.108 km, para ajudar na autuação.

Os fiscais do Ibama concluíram que a documentação peruana apresentada era inconsistente com a carga. Além disso, encontraram cedro, árvore protegida pela Convenção Internacional sobre Comércio de Espécies Ameaçadas de Fauna e Floresta e que, por isso, requer uma licença especial para o transporte internacional.

Ao passar pelo vilarejo peruano de Islândia, em 15 de fevereiro, a equipe do Ibama que transportava a balsa com as toras foi abordada em pleno rio Javari pelo subprefeito do local, Juan Carlos Gonzales, nomeado pelo governo federal, e dois policiais.

Vestindo uma faixa com as cores da bandeira peruana sobre a camisa branca, Gonzales tentou demonstrar que a madeira havia sido retirada do lado peruano.

Após uma conversa tensa, os peruanos se retiraram, e as toras foram levadas até a cidade brasileira de Benjamin Constant (AM) -o Ibama fez a doação da carga para a Funai e o Exército.

Na semana seguinte, o Exército realizou uma apreensão ainda maior, com 1.200 toras. Novamente abordados pelos peruanos ao passarem por Islândia, desta vez eles entregaram a apreensão às autoridades do país vizinho.

O subprefeito Gonzales afirma que a madeira foi extraída de uma concessão no lado peruano, às margens de um afluente do Javari.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo

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