Hidrelétricas e o IPCC: 9 – Contagem incompleta a jusante

O que se entende por “emissões a jusante” varia entre autores, o termo às vezes é usado para referir-se à emissão da desgaseificação quando a água emerge das turbinas e para a emissão da superfície da água no rio a jusante da barragem, e, às vezes, o termo é usado somente para o fluxo da superfície do rio a jusante. Medições de fluxo no rio muito abaixo da saída da barragem perderão a maior parte das emissões, que ocorrem predominantemente nos primeiros metros abaixo das turbinas.

Um influente estudo foi realizado por FURNAS (uma empresa que gera 40% de energia elétrica do Brasil, principalmente em barragens fora da Amazônia). A empresa lançou uma constatação de que as barragens são 100 vezes melhores do que os combustíveis fósseis do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa [1].

A omissão das emissões provenientes da desgaseificação nas turbinas e vertedouros é uma das principais razões por que o estudo [2, 3] produziu valores tão baixos para as emissões.

As medições dos fluxos a jusante nas barragens de Serra da Mesa e Xingó começaram 500 m abaixo das barragens [4], enquanto para as barragens de Furnas, Estreito e Peixoto medições começaram 50 m a jusante ([5], p. 835). O estudo FURNAS também encontrou emissões relativamente baixas da superfície do rio, em parte, porque as barragens estudadas estão localizadas no Cerrado, onde se espera que as emissões sejam menores do que na Amazônia.

Medições por Guérin et al. [6] nos rios a jusante de três represas tropicais úmidas (Petit Saut na Guiana Francesa e Balbina e Samuel na Amazônia brasileira) mostraram altas emissões de metano (CH4) no rio a jusante das barragens, apesar da desgaseificação das turbinas não ter sido incluída.

Obter medições de fluxo próximas às turbinas não é suficiente para uma estimativa confiável das turbinas como fonte de emissões, independente de quão perto se chega para amostrar. A única forma prática para avaliar as emissões provenientes da água que passa através das turbinas é usar medições de concentração em amostras de água colhidas nas profundidades apropriadas acima e abaixo da barragem e calcular as emissões por diferença.

A emissão na saída das turbinas é suficientemente rápida que só haveria um efeito mínimo de bactérias na água para converterem parte do CH4 em CO2 antes de atingir a atmosfera. Quando os cálculos baseiam-se em diferenças na concentração, a quantidade de metano emitida é grande, levando à conclusão de que as emissões são maiores do que seria liberada por combustíveis fósseis durante um número considerável de anos depois que os reservatórios foram formados. Isto é o caso em várias barragens da Amazônia, tais como Tucuruí [7], Curuá-Una [8], Samuel [9] e Balbina [10,11], bem como para emissões calculadas para projetos planejados, tais como o complexo de Altamira composto pelas barragens de Belo Monte e Babaquara/Altamira [12].

Outra maneira em que a contagem das emissões a jusante pode ser incompleta é de cortar a consideração de fluxos, para além de uma determinada distância a jusante, por exemplo, 1 km no estudo de FURNAS (e.g., [2]). Infelizmente, as emissões continuam além desta distância; elas têm sido medidas nas barragens de Balbina, Samuel e Petit Saut [6, 10, 13] [14].

 

NOTAS

[1] Garcia, R. 2007. Estudo apoia tese de hidrelétrica “limpa”: Análise em usinas no cerrado indica que termelétricas emitem até cem vezes mais gases causadores do efeito estufa. Folha de São Paulo, 01 de maio de 2007, p. A-16.

[2] Ometto, J.P., Pacheco, F.S., Cimbleris, A.C P., Stech, J.L., Lorenzzetti, J.A., Assireu, A., Santos, M.A., Matvienko, B., Rosa, L.P., Galli, C.S., Abe, D.S., Tundisi, J.G., Barros, N.O., Mendonça, R.F., Roland, F. 2011. Carbon dynamic and emissions in Brazilian hydropower reservoirs, In: de Alcantara, E.H. (Ed.), Energy Resources: Development, Distribution, and Exploitation. Nova Science Publishers, Hauppauge, New York, E.U.A., p. 155-188.

[3] Ometto, J.P., Cimbleris, A.C.P., dos Santos, M.A., Rosa, L.P., Abe, D., Tundisi, J.G., Stech, J.L., Barros, N., Roland, F. 2013. Carbon emission as a function of energy generation in hydroelectric reservoirs in Brazilian dry tropical biome. Energy Policy 58: 109-116. doi: 10.1016/j.enpol.2013.02.041.

[4] da Silva, M., Matvienko, B., dos Santos, M.A., Sikar, E., Rosa, L.P., dos Santos, E., Rocha, C. 2007. Does methane from hydro-reservoirs fiz out from the water upon turbine discharge? SIL – 2007-XXX Congress of the International Association of Theoretical and Applied Limnology, Montreal, Québec, Canada. [Disponível em: http://www.egmmedia.net/sil2007/abstract.php?id=1839.

[5] dos Santos, M.A., Rosa, L.P., Matvienko, B., dos Santos, E.O., D’Almeida Rocha, C.H.E., Sikar, E., Silva, M.B., Bentes Júnior, A.M.P. 2009. Estimate of degassing greenhouse gas emissions of the turbined water at tropical hydroelectric reservoirs. Verhandlungen Internationale Vereinigung für Theoretische und Angewandte Limnologie 30(6): 834-837.

[6] Guérin, F., Abril, G., Richard, S., Burban, B., Reynouard, C., Seyler, P., Delmas, R. 2006. Methane and carbon dioxide emissions from tropical reservoirs: Significance of downstream rivers. Geophysical Research Letters 33, L21407. doi: 10.1029/2006GL027929.

[7] Fearnside, P.M. 2002a. Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications. Water, Air and Soil Pollution 133: 69-96. doi: 10.1023/A:1012971715668.

[8] Fearnside, P.M. 2005a. Do hydroelectric dams mitigate global warming? The case of Brazil’s Curuá-Una Dam. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 10: 675-691. doi: 10.1007/s11027-005-7303-7.

[9] Fearnside, P.M. 2005. Brazil’s Samuel Dam: Lessons for hydroelectric development policy and the environment in Amazonia. Environmental Management 35: 1-19. doi: 10.1007/s00267-004-0100-3.

[10] Kemenes, A., Forsberg, B.R., Melack, J.M. 2007. Methane release below a tropical hydroelectric dam. Geophysical Research Letters 34, L12809. doi: 10.1029/2007GL029479.55.

[11] Kemenes, A., Forsberg, B.R., Melack, J.M. 2008. As hidrelétricas e o aquecimento global. Ciência Hoje 41(145): 20-25.

[12] Fearnside, P.M. 2009. As hidrelétricas de Belo Monte e Altamira (Babaquara) como fontes de gases de efeito estufa. Novos Cadernos NAEA 12(2): 5-56.

[13] Gosse, P., Abril, G., Guérin, F., Richard, S., Delmas, R. 2005. Evolution and relationships of greenhouse gases and dissolved oxygen during 1994-2003 in a river downstream of a tropical reservoir. Verhandlungen Internationale Vereinigung fur Theoretische und Angewandte Limnologie 29: 594-600.

[14] Isto é uma tradução parcial atualizada de Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy50: 225-239. http://dx.doi.org/10.1016/j.envsci.2015.03.002. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

 

Leia os artigos da série: Hidrelétricas e o IPCC 

Hidrelétricas e o IPCC: 2 – Barragens nos relatórios e diretrizes 

Hidrelétricas e o IPCC: 3 – Escolha enviesada de literatura 

Hidrelétricas e o IPCC: 4 – Barragens tropicais emitem mais 

Hidrelétricas e o IPCC: 5 – Emissões de gases nos inventários nacionais 

Hidrelétricas e o IPCC: 6 – As diretrizes de 2006

Hidrelétricas e o IPCC: 7 – Reservatórios como “áreas úmidas” 

Hidrelétricas e o IPCC: 8 – Turbinas e árvores mortas ignoradas

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.  

 

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