Diretor do Ibama explica o aumento do desmatamento na Amazônia

Em 2016 o desmatamento na Amazônia cresceu quase 29%. No ano anterior a devastação também havia crescido, invertendo uma tendência de queda que começou há uma década. Quem presta a conta todos os meses desses números é o diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Luciano Evaristo, responsável pelas operações de fiscalização em cinco milhões de quilômetros quadrados. Em entrevista exclusiva para o Mídia e Amazônia, ele credita a falta de dinheiro e ao novo Código Florestal o aumento da devastação, lamenta as dificuldades que existem em manter os desmatadores presos por conta de uma lei ambiental branda e garante que não dá para apostar apenas no monitoramento e no controle para segurar o desmatamento da floresta. Evaristo também não está muito otimista para este ano. Acredita que o desmatamento vai cair, mas que ficará acima dos cinco mil quilômetros. 

Por que o desmatamento na Amazônia aumentou tanto no último ano?

O aumento do desmatamento teve várias razões. Uma delas foi o desinvestimento. Houve um desinvestimento na fiscalização ambiental federal. Tivemos uma redução perto da casa de 30% da nossa capacidade orçamentária de atuação no final do governo da Dilma e início do governo Temer. Essa queda da capacidade orçamentária somada à queda no número de agentes no campo porque tivemos muita gente se aposentando. Estamos com o concurso na bica. Deverá ser aprovado pelo governo para repor o pessoal que se aposentou. No mês de setembro do ano passado o Ministério do Meio Ambiente conseguiu junto ao BNDES o apoio para o custeio da máquina da fiscalização ambiental federal, principalmente de helicópteros e veículos, que são os dois grandes contratos. Isso é inédito porque o Fundo Amazônia não banca custeio. E com esse apoio de custeio a capacidade orçamentária da fiscalização voltou ao normal. Estamos hoje no campo operando dentro da nossa capacidade total, com todo o planejamento sendo executado. Mas só o fortalecimento da máquina repressiva de comando e controle não é suficiente. Então, a gente tá percebendo uma mudança na legislação que vai interferir no desmatamento. A gente está vendo  o Cadastro Ambiental Rural, que é o grande instrumento do código florestal, que vai mudar o perfil do monitoramento da propriedade.

O novo Código Florestal impactou no desmatamento?

Impactou. Gerou a expectativa de uma anistia. E as pessoas que vinham desmatando, ao perceberem que seria anistiado o desmatamento até julho de 2008, saíram desmatando para depois dizer que o desmatamento deles foi anterior a julho de 2008. Ninguém estava raciocinando que ia ter um módulo de validação que não ia deixar isto acontecer. Isso vai ser um desastre quando entrar o módulo de regularização porque muita gente desmatou querendo regularizar. E a expectativa que lá na frente possa vir outra lei trazendo a anistia de 2008 para 2015.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) tem sido usado como instrumento de grilagem?

Há uma tentativa. Muitos acham que poderão enganar o sistema de validação do cadastro. Eles saem desmatando para tentar consolidar mais áreas achando que vão enganar o módulo de fiscalização colocando aquela área desmatada como se fosse anterior a julho de 2008. Então todo grileiro quando abre as áreas e vai vender, já vende com o cadastro ambiental incluído. Agora resta saber na hora que o módulo de validação do CAR entrar em ação. Nas áreas embargadas pelo Ibama, o cara não vai poder colocar o cadastro ambiental da grilagem em cima. Então, o grileiro vende, iludindo o comprador que aquela área está regularizada porque ele entregou o cadastro ambiental rural no nome daquele cidadão. E essa ilusão faz com que as pessoas comprem as áreas dentro da grilagem. Então, você tem algumas vertentes do desmatamento. Uma delas é o desmatamento feito pelo grileiro, um assalto as terras públicas da União. O cara vem, invade com armas, coloca um sistema de proteção armado, tira toda a madeira de valor econômico, vende. Com o dinheiro dessa madeira ele financia a brocagem daquela floresta, depois ele vem com o fogo. O fogo dá uma limpada na área, vem o avião e joga o capim e depois coloca a área pra vender. Vende já com o cadastro ambiental rural a ser entregue. Outra forma que eles usam, no estado do Pará, no Sul da Amazônia, para tentar ludibriar a fiscalização é utilizar laranjas. Eles desmatam e eles mesmos denunciam, dão um jeito de dar autoria do desmatamento a algum laranja. Na hora que o CPF é autuado, esse CPF vai para o site de áreas embargadas, aí o Ibama processa o laranja. Ao comercializar a área, ele pega e faz o CAR em nome do comprador e não em nome do laranja. Na hora que vai consultar se o comprador está com nome sujo, vê que não está. E tentam de várias formas. Pegam o desenho do CAR e usam a imagem do Inpe, do Deter e do Prodes e tentam fazer desenhos da propriedade que saiam fora daquela lógica, daquele embargo que foi feito dentro do combate ao desmatamento. Por isso que nas operações Castanheira e Rios Voadores profissionais de geoprocesamento foram presos. Eles são os que escolhem a área, delimitam, atuam no planejamento do desmatamento e depois vão fazer o CAR, tentando evitar a queda do CAR em cima do embargo do Ibama.

“As penas ambientais são muito brandas. O máximo de prisão são quatro anos e ninguém nunca ficou este tempo na cadeia. Paga cesta básica e volta ao crime. Esses caras só foram presos porque outros crimes foram atrelados como falsificação de documentos, lavagem de dinheiro, trabalho escravo.”

 

Combater o desmatamento hoje é combater o crime organizado?

O desmatamento da grilagem é o do crime organizado. É a quadrilha que tem um profissional de georeferenciamento que escolhe, a área prepara o sistema de regularização, lava o dinheiro do crime lá dentro, que comete uma série de crimes em seqüência mais o crime ambiental. Eles mobilizam, tem olheiros, pistoleiros, têm equipes de gato que fazem o aliciamento do desmatador. Esse é o desmatamento do crime organizado, que pratica o desmatamento a corte raso. O que ocorre hoje com o sistema de monitoramento? Tudo que você faz para detectar, o bandido faz para tentar sair da sua detecção. Inicialmente você tinha o deter A do Inpe, um sistema de detecção acima de 24 hectares, com 240 metros de resolução. Então, ele é meio cego, meio míope. Os caras adotaram uma nova técnica de desmatar colocando o cupim na floresta, que são pequenos acampamentos, de dez pessoas cada um. Espalhados na área onde eles pretendem consolidar a grande propriedade grilada. E o satélite meio cego do Deter fica tentando enxergar e o cupim não tira todas as áreas. E o satélite Está vendo árvore, não tem desmatamento. Recebemos uma denúncia dos índios, tive que ir lá ver. Em três dias, cinco acampamentos, 44 presos, todos na mesma estrutura modular do cupim. Um acampamento para dez pessoas, um cozinheiro, um meloso (que abastece e cuida manutenção das motosserristas). Cada motosserra desmatando um alqueire por dia. Um alqueire é 2,44 hectares, em um acampamento. Só eu nessa operação peguei 15. Não tinha um único polígono do Deter. Eles desenvolveram uma nova técnica. Essa representação que fiz na PF juntou receita, Ministério Público, fomos pegar os crimes associados, aí pegamos a quadrilha inteira. É crime organizado, quadrilha. Na BR 163, Sul do Amazonas, Oeste do  Mato Grosso, as áreas de grilagem são as organizadas pelo crime organizado. Não é o posseiro que vai desmatar uma área para ficar. Não é. É comércio de terras da União. Agora porque que ocorre?  Porque a União não destina suas áreas. Ou você vai fazer da suas áreas devolutas, Terras Indígenas (TI), Unidades de Conservação (UC), ou você vai vender. Você vai destinar ou fazer reforma agrária. Não pode ficar sem destinar. A BR 163 é um grande exemplo. Olhando do Sul para o Nordeste você tem uma reserva biológica, do lado esquerdo você tem florestal nacional, parque nacional, mais acima você tem 2 terras indígenas enormes e entre as terras indígenas e as unidades de conservação e a rodovia, você tem uma faixa de terra devoluta enorme que os grileiros estão invadindo, desmatando e vendendo. Quando a União poderia ter vendido com a obrigatoriedade de manutenção da reserva legal e criado um cinturão de proteção das UCs e das TIs pelas propriedades privadas regularmente estabelecidas. Iria proteger essas áreas. Eles não fizeram isso. Ao não fazerem isso a grilagem tomou conta e quando toma conta a espinha de peixe abre, ai você cria as frentes de entrada pra UCs e TIs para o roubo de madeira. A terra indígena consegue se defender porque o índio está lá e o se entrar morre, mas a UC não consegue se defender porque não tem ninguém lá. Dificilmente você consegue manter uma estrutura lá pra proteger.

Qual a grande dificuldade em punir o infrator ambiental?

As penas ambientais são muito brandas. O máximo de prisão são quatro anos e ninguém nunca ficou este tempo na cadeia. Paga cesta básica e volta ao crime. Esses caras só foram presos porque outros crimes foram atrelados como falsificação de documentos, lavagem de dinheiro, trabalho escravo. Só pelo desmatamento nenhum juiz mantém ninguém preso. Qual a criminalidade do desmatamento e APP (Área de Preservação Permanente). Porque todo desmatamento que a gente pega na Amazônia a gente configura crime? Porque a gente extrapola pra Constituição Federal considerando que é a Amazônia e metemos o crime. Comunicamos o crime em todo desmatamento na Amazônia. Temos uma legislação que favorece o desmatador. Hoje o cara desmatar, mexer com madeira ilegal dá mais do que cocaína. Não é só o uso do desmatamento, do solo pra grilagem, pra venda, pra aumentar a área de produção e onde começa o desmatamento? Na brocagem da floresta, começa quando os estados autorizam os planos de manejo. Quando eles autorizam e não verificam e não fazem vistoria para ver se tem floresta para ter manejo. Ele começa a gerar créditos de madeira e coloca no sistema dele que vai no sistema DOF (Documento de Origem Florestal). Jogam milhares e milhares de créditos de metros cúbicos de madeira no sistema. Aí se criou na Amazônia um mercado negro de créditos. Você tem uma área que tem reserva de 80, você faz um plano de manejo, mas não explora, você pega o crédito me vende neste mercado negro. É muito mais vantajoso você vender o crédito do que explorar. Explorar é mais caro. Os compradores de crédito compraram  os créditos e vão roubar as madeiras das UCs, das TIs, das concessões das áreas privadas, das reservas legais, rouba, essa madeira e fazem a comercialização como se essa madeira viesse de origem sustentável. O IBAMA ataca o desmatamento a corte raso sendo que  comercializa o dos planos de manejo sem a devida estrutura, joga créditos fictícios que vão causar o desmatamento a corte raso lá da frente e vai correr sempre atrás do rabo. Em 2014, Rondônia jogou três milhões de metros cúbicos de madeira dentro do sistema e não tem isso tudo.

O que os estados poderiam fazer para colaborar mais efetivamente com o combate ao desmatamento?

Eles que autorizam a supressão, o manejo, a comercialização. Precisam melhorar os seus sistemas de licenciamento da produção, do plano de manejo que geram os créditos fictícios. Hoje você não precisa mais pegar um helicóptero, você tem imagens de menos de um metro de resolução. O cara apresentou o plano você tem que ver com os satélites se eles têm estrada. Se não tiver estrada não tem plano. Se não tiver área não tem plano. Você verifica por satélite se o que o cara está dizendo é verdade. Depois vocês ficam monitorando com imagens de alta resolução se aquelas árvores georreferenciadas estão saindo. Sem sair do escritório. Se não está saindo você bloqueia o plano, cancela os créditos e vai na cadeia inteirinha penaliza todo mundo que comprou.

O efetivo hoje é suficiente para a fiscalização?

Não gosto de falar de questão de efetivo porque imediatamente as pessoas querem pegar a área e dividir pelo efetivo e falar que tem um agente pra uma imensidão. Essa lógica não existe. Se eu for dividir o território da Amazônia pelo efetivo, nem o exercito dos Estados Unidos segura o desmatamento. A lógica do combate ao desmatamento é estar nos locais de maior concentração e fazer o combate direto lá. Ocupamos bases que representam 70% de todo o desmatamento da Amazônia. Freando nestas áreas. O desmatamento da BR 163 está todo em relação aquela rodovia. Se eu controlar ali, controlo o foco. A junção da presença no campo nas áreas críticas 365 dias por ano no combate direto ao cara que está com a motosserra na mão mais a fiscalização do CAR. Essa soma assegura o controle. Mas se o instituto do embargo cair, será extremamente complicado segurar o desmatamento na Amazônia. O embargo tem a vantagem de cortar o dinheiro. A multa, o cara vai entrar na justiça, recorrer na primeira instância, na segunda, vai enrolar mil anos para pagar. Já o embargo corta o crédito. Então o embargo é o grande instrumento que precisa ser mantido. Crise econômica, fiscalização no campo pequena, parte de licenciamento, por exemplo, quem quer desmatar legalmente não está encontrando ressonância no órgão ambiental estadual para fazer seu desmatamento legal. Hoje praticamente todo desmatamento é ilegal porque a parte de licenciamento, de autorização é muito pequena. O estado do Amazonas, de todo o desmatamento no último Prodes, ele autorizou 0,2%. Isso quer dizer nada. Um estado que não está autorizando nada e tem um desmatamento daquele tamanho, é sinal que ele não autoriza e não fiscaliza. Tem que autorizar bem e fiscalizar. E o Ibama operando 70% na supletividade. Ao invés do Ibama estar cuidando de suas áreas está cuidando  de áreas que são de primeira responsabilidade do estado. E ainda tem o aspecto político, fiscalizar não dá voto. De dois em dois anos tem eleição.  Os prefeitos são instruídos a trabalharem para os seus candidatos então eles dão senha para desmatar. E não combatem. Só a União. Em todo ano eleitoral trabalhamos muito aqui.

“Ainda bem que não foi asfaltada (BR 319). Na hora que for, vai ser pior que a BR 163. Vai destruir o Sul do Amazonas. Vai abrir a estrada para destruir o que sobrou da floresta Amazônica no Amazonas.”

 

Qual o impacto na floresta se a BR 319 sair?

Fizemos um licenciamento para reparar as condições da estrada. Está em andamento um pedido de asfaltamento. Ainda bem que não foi asfaltada. Na hora que for, vai ser pior que a BR 163. Vai destruir o Sul do Amazonas. Vai abrir a estrada para destruir o que sobrou da floresta Amazônica no Amazonas. É extremamente preocupante o asfaltamento da 319. E as UCs lá foram criados em um processo mais avançado do que o da 163. Eles estão criando antes da desgraça acontecer. A 163 se criou depois que o pau estava comendo. Tirar as UCs de lá é perigoso porque estamos abrindo um corredor de desmatamento que vai comprometer todos os compromissos do Brasil na mitigação do clima.

Assim como foi feito há dez anos quando o desmatamento alcançou quase 30 mil km2, não seria o momento de criar muitas UCs como barreira ao desmatamento?

Nas áreas já conflagradas não. Mas no Amazonas eu criaria tantas quantas fossem possíveis. Do jeito que esta aí é complicado porque não está havendo  autorização. Se não está havendo autorização do desmatamento, todo o desmatamento é ilegal. Você não pode estar em um país onde a agricultura está crescendo 3% em momento de crise, em que a soja cresce 15% sua produção, de que essas áreas que houve a expansão as agricultura esteja licenciada. Expansão tem que voltar em termos de autorização para a gente abater do desmatamento. Você pode desmatar 20% e esse desmatamento não aparece. Nós somos um país de loucos. A gente fala que vai fazer desmatamento zero, mas a gente não autoriza nada.

O que podemos esperar para o próximo Prodes? O desmatamento vai diminuir?

Vamos derrubar um pouco. Temos que esperar os sistemas de monitoramento. Acho que vamos reduzir um pouco. Vamos trazer aos poucos para cinco mil. Não espero menos de cinco mil.

*Luciano Evaristo

*Diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

 

 

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