O enredo da Imperatriz Leopoldinense e o agronegócio sem confetes

Causa estranheza a reação de representantes do agronegócio, que recebem um samba-enredo sobre agressões contra a natureza como fosse uma agressão a todos os produtores rurais.

Assim como deveria ser com as grandes empreiteiras, e como deve ser com cada um de nós, pode-se afirmar que o descumprimento de preceitos legais não se coaduna com a condição de convívio em sociedade. Identificar e reconhecer as modalidades de corrupção talvez represente um dos instrumentos didáticos mais relevantes para que tenhamos uma perspectiva de mudanças conjunturais que nos tire do que parece uma espiral descendente inacabável.

Sem nenhuma pretensão de minimizar os crimes escabrosos aportados nas negociações de grandes obras em nosso país, e fora dele também, há que considerar as muitas facetas do que podemos qualificar como um comportamento corrompido. A impunidade, a falta de controle e, mais que tudo, a inevitável constatação de que há um caldo cultural muito presente nesse contexto. Levar vantagem e garantir empoderamento e riquezas tem caminhos que podem, de forma falsa, receber aval ético. Justificado pelos seus fins e não pelos meios com o quais é obtido.

Por isso, causa tanto constrangimento o enredo do desfile da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que enfoca o uso de agrotóxicos no Brasil, aliado a outras consequências geradas pela exploração além dos limites de nosso Patrimônio Natural. O chamado agrega as queimadas, o desmatamento, a erosão pela não proteção de encostas e matas ciliares, a perda da biodiversidade e da destruição extensiva da paisagem natural de nossos biomas.

O que excede os limites no uso do território e prejudica comunidades inteiras passou a ser o pano de fundo de uma crítica que expõe uma situação real, incontestável. Que, se não deve ser generalizada, também, de longe, não representa a exceção.

Menos ênfase parece ser dada à iniciativa, que certamente reascende a capacidade crítica de eventos culturais como os desfiles das escolas de samba em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. O que causa mesmo espécie é a reação de representantes do agronegócio, que recebem o posicionamento do enredo direcionado a chamar a atenção para as agressões contra a natureza como uma agressão a todos os produtores rurais. Além da grita não corresponder à realidade, não existem quaisquer justificativas para que problemas dessa magnitude não sejam colocados a público.

Cabe evidenciar que ações ilegais de degradação da natureza se enquadram na mesma linha dos processos de corrupção, uma vez que retiram um bem de interesse público, no caso, as áreas naturais, para o indevido e ilegal beneficiamento próprio. Ou seja, nenhuma diferença entre o empreiteiro que paga para ganhar uma concorrência e o produtor que desmata ou polui, conscientemente, além dos limites da lei.

É sintomática a grita contra o enredo da escola de samba carioca. Mas não há barreiras que separem as ilegalidades, independentemente de quais atividades estão sendo consideradas. O que também permite uma abordagem que recupere da memória recente o que ocorreu em Mariana, Minas Gerais, por causa de atividades minerárias que, sem nenhuma dúvida, excederam todos os limites do razoável. Não se deve permitir uma rotulagem que estigmatize ou limite um problema como a corrupção a setores específicos. Não é assim que o fenômeno poderá ser coibido.

Estamos numa seara ampla e que precisa ser adequadamente desbaratada. Que seja separando o joio do trigo, mas, também, esclarecendo de maneira didática e transparente quem são os atores da sociedade que estão nos impedindo de criar um ambiente mais justo e equilibrado em nosso país. E esses são muitos, com ênfase no trato com o setor público que, em última instância, não combate adequadamente e até se mostra conivente com ilegalidades como as aqui exemplificadas.

Com toda a reverência ao poder econômico e político ostentado pelo agronegócio, há limites a serem estabelecidos e respeitados por todos e que não podem ser atropelados a partir de argumentos de que tudo se justifica pela “geração de divisas”. As empreiteiras e as mineradoras também poderiam usar esses argumentos.

Não será com investimentos maciços em propaganda, articulações políticas que mudam leis a partir de interesses próprios e seguidas reações truculentas contra a demonstração cabal de que muitos desafios ainda existem nesse tipo de atividade que o agronegócio conseguirá alçar o respeito que tanto persegue.

Se continuar assim, cabe esperar um 2018 com todas as escolas de samba do país sendo patrocinadas pelo tal setor produtivo. Proporcionando uma aplicação de analgésicos para enganar as dores reais que, estrategicamente, devem continuar a ser mantidas debaixo do tapete. Continuaremos sem capacidade de reação se assim for.

* Clóvis Borges – diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

Fonte: Blog do Planeta

 

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