A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós – 11: Áreas indígenas afetadas “indiretamente”

Além da proposta da Terra Indígena Sawré Muybu, que é “diretamente” afetada pela inundação, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) enumera quatro áreas indígenas que estão na “Área de Impacto Indireto” (AII):

(1). TI Praia do Índio. Esta área munduruku, localizada perto de Itaituba, está listada no EIA como tendo 31.74 ha e 39 pessoas indígenas autodeclarados; é 100% na Área de Impacto Indireto (AII) ([1], Vol. 7, p. 118).

(2). TI Praia do Mangue é uma área munduruku de 32 ha e se encontra 100% na AII, com 152 indígenas autodeclarados ([1], Vol. 7, p. 119). A TI é muito perto de Itaituba, e o crescimento da cidade transformou a TI em uma área periurbana. Os Munduruku expressam preocupação sobre problemas da proximidade da cidade que já são aparentes, tais como álcool e crime.

(3). TI Munduruku, que teria parte da sua área inundada pela hidrelétrica de Chacorão [2], tem 2,3% dos seus 2.415.382 ha na AII da barragem de São Luiz do Tapajós ([1], Vol. 7, p. 118) [também dado como 2,03%: ([1], Vol. 7, p. 116].

(4). TI André Miran, é uma área de 798.481 ha para o povo Sataré-Mawé no estado do Amazonas; 25,3% da TI se sobrepõe com a borda ocidental da AII.

O EIA ([1], Vol. 7, p. 116) também lista áreas “em estudo pela FUNAI.” Estas são a “Área de Km 43 da BR-230″, que é designada pela FUNAI por seu nome Munduruku “Sawré Apompu” [2], a “Área Pimentel”, “São Luiz do Tapajós” (designado pela FUNAI e pelos Muduruku como “Sawré Jaybu”) e “Boa Fé”, que se refere a uma parte da proposta TI Sawré Muybu.

Além de áreas indígenas na área de impacto indireto, há também um grupo “isolado”. Indígenas isolados são mostrados em “Ponto nº 9″ no mapa de grupos isolados (FUNAI, 2006) que é reproduzido no EIA ([1], Vol. 7, p. 119). O EIA aponta que este ponto está dentro da área indireta da influência da barragem de São Luiz do Tapajós ([1], Vol. 7, p. 119). No entanto, não diz nada sobre o que deve ser feito para proteger essas pessoas.

O EIA parece apresentar informações de uma forma que minimiza a presença indígena na área. Por exemplo, “destaca” em relação a TI Praia do Índio:

“Destaca-se o fato de que no setor censitário 076 de Itaituba, apesar de conter integralmente a TI Praia do Índio, que responde por 95% do território do referido setor censitário, apenas 38% das pessoas residentes autodeclaram-se indígenas” ([1], Vol. 7, p. 117).

Isto parece ser apresentado para implicar que 62% da população desta TI é realmente não indígena, mas, sendo que a TI se encontra praticamente encostada na cidade de Itaituba, os 5% do setor censitário fora da TI podem não ser desprezíveis, entre outros potenciais problemas com os dados do censo [3].

 

NOTAS

 

[1] CNEC Worley Parsons Engenharia, S.A. 2014. EIA: AHE São Luiz do Tapajós; Estudo de Impacto Ambiental, Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. CNEC (Consórcio Nacional dos Engenheiros Consultores), São Paulo, SP. 25 Vols. + anexos. http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/São%20Luiz%20do%20Tapajos/EIA_RIMA/

[2] Seixas, B.C.S.; P.R. de Almeida e Castro & I.N.R. Ferreira. 2013. Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu (Pimental)/PA. Setembro de 2013. Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Brasília, DF. 194 p. Disponível em: http://apublica.org/2014/12/relatorio-funai-determina-que-terra-e-dos-munduruku/

[3] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [4]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.

[4] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf 

PHILIP M. FEARNSIDE

Leia os artigos da série:

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 5 – O direito de “consulta” dos povos indígenas

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 6 – O bloqueio do reconhecimento da terra indígena

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 7 – A barragem e o enfraquecimento da FUNAI

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 8 – Os Munduruku desistem de uma FUNAI inexistente

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 9 – A perda de pesca

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 10 – A perca de locais sagrados dos Munduruku

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

 

 

 

 

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