MPF exige respeito aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais no licenciamento ambiental

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação que determina que os direitos de comunidades indígena e tradicionais e o patrimônio cultural sejam respeitados nos processos de licenciamento ambiental. O documento vem a público em meio a uma ofensiva – no governo, Congresso e Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) – contra a legislação que rege o assunto.

A recomendação pede adequações à Portaria Interministerial nº 60, de março 2015, que alterou os procedimentos do licenciamento ambiental na esfera federal de projetos que afetem essas populações e bens culturais. Entre outros pontos, a portaria restringe as distâncias de uma obra nas quais seus impactos socioambientais devem ser considerados e define prazos exíguos para a manifestação nos licenciamentos de órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Cultural Palmares (FCP) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Segundo a norma, esses órgãos têm, no máximo, 105 dias para manifestar-se sobre Estudos de Impactos Ambientais (EIA-Rima) de projetos que afetem bens culturais, territórios e populações indígenas e tradicionais. Se não o fizerem dentro desse período, o licenciamento poderá seguir em frente sem a manifestação desses órgãos.

A publicação da portaria – e da norma anterior que ela atualiza, a Portaria 419/2011 – atendeu o lobby de setores do empresariado e dos ruralistas para acelerar a emissão de licenças ambientais e reduzir suas exigências.

“Ao permitir que uma obra tenha seu licenciamento definitivamente aprovado sem que sejam analisados os impactos sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e patrimônio cultural, a Portaria incide em grave inconstitucionalidade. Isso permite que obras inviáveis sob a perspectiva socioambiental sejam aprovadas e implementadas, à revelia dos direitos fundamentais”, analisa Maurício Guetta, advogado do ISA.

A recomendação do MPF alerta que esses órgãos devem ter o tempo adequado para manifestarem-se sobre os impactos de um empreendimento a territórios, populações e bens culturais. Também deixa claro que esses impactos devem ser considerados independente da distância em relação ao empreendimento analisado. A recomendação foi endereçado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), responsável pelos licenciamentos em âmbito federal, e aos ministérios do Meio Ambiente, Justiça e Cultura – a quem aqueles órgãos estão subordinados – além do Ministério da Saúde.

As subprocuradoras gerais autoras da recomendação, Deborah Duprat e Sandra Cureau, avaliam que a portaria é inconstitucional e que ela deveria ser revogada. Elas não descartam apresentar ações judiciais contra a norma, mas ainda aguardam uma resposta formal do governo, que pediu um novo prazo para se manifestar.

A figura da recomendação é um alerta do Ministério Público para que uma autoridade ou instituição ajuste-se à lei, sem que, a princípio, seja proposta uma ação judicial ou Termo de Ajustamento de Conduta, instrumentos mais comuns usados pelo MP. Em muitos casos, no entanto, a recomendação é sucedida por uma ação, como pode acontecer nesse caso.

Prazos “Isso é absolutamente absurdo: nós imaginarmos que o licenciamento possa acontecer ainda que ele vá causar graves e irreversíveis danos a direitos fundamentais”, critica Duprat. Ela lembra que os órgãos envolvidos não têm a estrutura e pessoal necessários para cumprir os prazos fixados na portaria. “Ainda que haja a razoabilidade em algum prazo, ele tem de ser examinado à vista das condições do momento”, complementa.

Questionada, a assessoria do Ministério de Meio Ambiente respondeu por e-mail que “a Portaria foi elaborada e consensuada por todas as entidades citadas que consideraram suficientes os prazos estipulados”.

“Não se pode deixar de avaliar os impactos que os empreendimentos vão causar sobre as comunidades locais. E se esses impactos forem realmente relevantes, as licenças não podem ser deferidas”, afirma Cureau. Ela avalia que a manutenção da portaria provocará uma onda de ações judiciais, atravancando ainda mais o andamento de projetos de infraestrutura no país.

Sandra Cureau também critica propostas em tramitação no Congresso que pretendem enfraquecer o licenciamento. “A portaria é apenas um dos aspectos dessa situação toda”, lembra. “O que vemos tanto nessa portaria como nesses projetos de lei, que estão andando a toque de caixa, é uma violação” à Constituição.

Licenciamento sofre ataque do lobby de ruralistas e empresários

No plenário da Câmara, pode ser votado, a qualquer momento, o relatório sobre o Projeto de Lei 3729/2004. Ainda não há um relator ou parecer oficialmente definidos, mas a informação que circula no Congresso é de que a bancada ruralista pretende usar o projeto para enfraquecer vários dos instrumentos previstos na legislação atual.

No plenário do Senado, pode ser votados a qualquer momento o Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015 e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012. O PLS define um prazo curtíssimo, de cerca de oito meses, para o licenciamento de grandes obras consideradas estratégicas pelo governo, como grandes hidrelétricas e estradas. Já a PEC, prevê que, a partir da mera apresentação de um Estudo Impacto Ambiental (EIA), nenhuma obra poderá mais ser suspensa ou cancelada. Na prática, isso significa que o processo de licenciamento ambiental simplesmente deixa de existir.

No Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), a proposta de alteração das resoluções 01/86 e 237/97 da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) também enfrenta duras críticas dos ambientalistas. Ela também pretende simplificar processos, restringir prazos e a participação social e enfraquecer os instrumentos de avaliação, prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais.

Se aprovadas, essas propostas – defendidas por um forte lobby de ruralistas e empresários – tornarão inviáveis análises de impactos socioambientais com a profundidade e segurança necessárias, aumentando as dificuldades para evitar e atenuar esses impactos e ampliando os riscos de desastres como o de Mariana (MG). Também deverá estimular ações judiciais e conflitos entre empresas e populações afetadas.

Por: Oswaldo Braga de Souza, com informações de Victor Pires
Fonte: ISA

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