Produtores rurais que foram retirados do vilarejo Posto da Mata, em Mato Grosso, em processo no qual foram obrigados a sair de terras indígenas, denunciaram que o governo federal abandonou as famílias nas áreas do Projeto Casulo, assentamento criado para recebê-los após a decisão judicial de 2012 que retirou os não índios da reserva xavante Marãiwatsédé.
A audiência pública promovida nesta quinta-feira (4) pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural recebeu aproximadamente 60 trabalhadores que relataram o descaso do Executivo para com os assentados.
O ex-presidente da Associação de Produtores Rurais da Suiá Missú (Aprosum) Renato Teodoro afirmou que as famílias moram em lona, sem água, sem acesso a estradas, sem energia elétrica e sem saneamento. “Houve vários compromissos assumidos pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] que não foram cumpridos porque o projeto Casulo não existe, só no papel”, afirmou Teodoro.
Ele afirmou que o processo de retirada foi feito de forma desumana porque deixou muitas famílias abandonadas. “Ninguém respeitou nada, destruíram igrejas, escolas. Produtores se mataram, se separaram, ficaram doentes. Foi uma desumanidade, e ninguém consegue resolver o assunto”, relatou Renato Teodoro.
Lixão
A vice-prefeita de Alto da Boa Vista (MT) Irene Maria Rocha Santos denunciou que há pessoas vivendo em lixão na área, buscando comida. “Não fomos ouvidos por ninguém. Minha indignação é pelo descaso”, disse.
Emocionada, a comerciante Maria Brasilina, disse que antes da retirada tinha renda própria e era uma microempresária em Posto da Mata, e que hoje precisa trabalhar como doméstica para ter o que comer. Brasilina também relatou que chegou ao ponto de pedir dinheiro nas estradas para comprar comida.
Histórico
Em outubro de 2012, o Supremo Tribunal Federal determinou a devolução para o povo Xavante da área de 165 mil hectares ocupada por produtores rurais. A operação de retomada contou com a participação do Exército e de outras forças policiais.
O Posto da Mata, vilarejo que havia sido construído dentro da área da terra indígena, foi uma das áreas desocupadas no processo. A Justiça determinou que a União providenciasse assentamentos da reforma agrária aos necessitados no chamado projeto Casulo, em Alto da Boa Vista, onde, atualmente, existem 97 famílias assentadas.
Demarcação
O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que solicitou o debate, disse que a PEC 215/00 pode ser a solução para os problemas de demarcação de terras indígenas.
A proposta transfere para o Congresso Nacional a responsabilidade pelos processos de demarcação. “O modelo atual de demarcação traz mais problemas do que soluções, tanto para produtores quanto para índios. Não podemos mais dividir o Brasil entre índios e não índios”, lamentou o parlamentar.
Marcada para esta semana, a comissão especial que analisa a proposta (PEC 215/00) que submete ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de áreas indígenas adiou para a próxima terça-feira (9) a votação do parecer do relator, deputado Osmar Serraglio (PDMB-PR). A reunião está marcada para as 14h30.
Solução que tarda
O diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano, reconheceu os problemas apontados na audiência pública, mas disse que o governo está empenhado em solucionar essa situação.
Ele afirmou que o Executivo está repassando R$ 300 mil para a prefeitura de Alto da Boa Vista construir estradas e liberando R$ 3.200 para cada família como crédito inicial de fomento. Torsiano também afirmou que os recursos para construção das moradias já estão autorizados e liberados .
No entanto, o representante do Incra reconheceu uma obviedade: “O tempo para nós, que estamos nos gabinetes com ar condicionado em Brasília, é diferente do tempo daqueles que estão sofrendo”.
Íntegra da proposta: PEC-215/2000
Edição – Newton Araújo