Deputados e representantes da sociedade civil debateram nesta terça-feira (11), em comissão geral na Câmara dos Deputados, pontos polêmicos da proposta que define novas regras para acesso ao patrimônio genético de plantas e animais e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira (PL 7735/14).
O projeto, do Executivo, tranca a pauta do Plenário desde 11 de agosto e tem dividido opiniões em torno de dois pontos principais: o pagamento de royalties pelo acesso a recursos da biodiversidade e a repartição de benefícios financeiros advindos dessas verbas. Apesar dos esforços em torno de um texto consensual, não houve acordo e a votação foi mais uma vez adiada.
O líder do PV, deputado Sarney Filho (MA), afirmou que a votação da proposta não pode ser feita com pressa. “Vimos que ainda existem muitas questões a serem pacificadas. E isso não se dá somente no âmbito da sociedade civil, mas também dentro do próprio governo”, disse o parlamentar.
Royalties
Em relação aos royalties, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) destacou que o maior receio é que o setor produtivo seja onerado. “Todo o agronegócio teria de pagar royalties aos países de origem por produtos que não são nativos do Brasil, como a soja, o trigo, o milho, o arroz, a cana, a laranja”, apontou.
Segundo Heinze, o texto que vem sendo negociado prevê o pagamento de royalties pela exploração econômica somente de espécies nativas brasileiras, deixando de fora da cobrança espécies de outros países que são o foco do agronegócio: soja, cana-de açúcar, café.
A deputada Luciana Santos (PCdoB-CE), autora do pedido de comissão geral, destacou avanços do projeto, que pretende substituir a legislação atual – Medida Provisória 2.186/01 – e desburocratizar o acesso dos pesquisadores aos recursos genéticos brasileiros e conhecimentos tradicionais associados. Uma das mudanças é a substituição do demorado processo de autorização prévia por um cadastro feito pelo pesquisador e que será objeto de fiscalização pelo governo.
Para o secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Caio Rocha, o atual texto avançou ao tratar em um só documento da pesquisa sobre fármacos e cosméticos e sobre alimentação e agricultura. Conforme ele, o projeto trará amplos benefícios à agricultura brasileira, dando condições de paridade na competição internacional e criando um sistema de repartição justa e equitativa de benefícios vindos da exploração de recursos da biodiversidade.
Pesquisa científica
O Projeto de Lei 7735/14 simplifica as regras para a pesquisa e a exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos do Brasil, bem como de conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades tradicionais. “O estímulo à pesquisa, o acesso à bioprospecção: esse é o ponto fundamental, porque o Brasil, como país número 1 em biodiversidade do mundo, tem de realmente fazer disso um carro-chefe”, destacou o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti.
Outro ponto forte, na avaliação dele, é proteção inequívoca ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade. “Isso está colocado [no projeto] na forma de uma exigência de anuência prévia [de povos indígenas e tradicionais para o acesso ao conhecimento] e no fortalecimento dos mecanismos de repartição de benefícios”, citou.
Repartição de benefícios
Por sua vez, o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta, criticou dispositivos do texto que limitariam a divisão de benefícios, como o define que ela só envolveria produtos acabados que tenham como elemento principal de agregação de valor o acesso a conhecimentos tradicionais ou ao patrimônio genético.
“Isso é preocupante porque exclui quase totalmente muitos produtos da exigência de repartição de benefícios”, disse Guetta, que lamentou ainda a possibilidade de o governo poder criar uma lista de itens que estariam fora dessa obrigação. “Precisamos retirar a menção a elemento ‘principal’ do texto, para que mais produtos sejam incluídos na exigência de repartir benefícios”, defendeu o deputado Sarney Filho.
Representando o Núcleo de Educação Científica do Instituto de Biologia, Nurit Rachel Bensusan acrescentou que o projeto prevê ainda que micro e pequenas empresas também não serão obrigadas a repartir benefícios gerados a partir da biodiversidade.
Guetta ainda destacou que a discussão da proposta desconsiderou a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais, que também são impactados pelas novas regras, sobretudo pelo direto a rateio de recursos.
Íntegra da proposta: PL-7735/2014
Edição – Marcelo Oliveira