A exploração em terras indígenas de riquezas naturais, como minérios e madeira, será tema de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) nesta terça-feira (5). O objetivo é abordar o assunto levando em consideração os meios necessários para assegurar a biodiversidade, a sustentabilidade e a qualidade de vida dos povos indígenas.
Participarão do debate Valdir de Jesus Gonçalves e José Nazareno Torres de Moraes, técnicos indigenistas da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuam em Tabatinga (AM) e Belém (PA), respectivamente. O pedido para a realização da audiência foi do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).
Debates em torno dos direitos garantidos aos índios e da possibilidade de exploração de recursos naturais existentes em suas terras têm sido frequentes nas comissões técnicas do Senado. Há duas semanas, por exemplo, o tema foi discutido pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Uma das questões em debate diz respeito às dificuldades dos índios cintas-largas, de Mato Grosso e Rondônia, cujas terras são hoje alvo de exploração ilegal e motivo de conflitos entre índios e garimpeiros. Estuda-se como alternativa a permissão para que sejam exploradas as jazidas de diamante nelas existentes.
Os povos indígenas e as entidades envolvidas com suas causas também se mobilizam cada vez mais para influir sobre o tema – com destaque, no momento, para a questão dos recursos minerais. Para que a exploração desses recursos seja autorizada, o Congresso precisa aprovar uma lei estabelecendo em que condições as terras dos índios podem ser utilizadas para o desenvolvimento de atividades de mineração.
Normas constitucionais
A Constituição inclui entre os bens da União os potenciais de energia hidráulica e os recursos minerais, inclusive os do subsolo, cabendo ainda à União competência para explorar essas riquezas, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão (artigos 20 e 21). Ao mesmo tempo, o artigo 231 obriga a sociedade e o Estado brasileiro a respeitarem a organização social, os costumes, a língua, crenças e tradições dos índios, bem como os direitos originários sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam.
Pelo parágrafo 2º do mesmo artigo, a esses povos cabe ainda o “usufruto exclusivo” das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes na suas terras. Com reforço de dispositivo do Código Civil, essa regra serve de apoio ao entendimento vigente de que os índios podem usar livremente os recursos florestais de suas terras em atividades tradicionais voltadas à sua sobrevivência física e cultural.
Assim, os índios podem cortar árvores para construir casas, fazer utensílios domésticos, móveis, instrumentos de trabalho, cercas, canoas e barcos, por exemplo. Se o objetivo for comercial, porém, sempre dependendo da iniciativa dos próprios índios, a exploração deverá seguir as restrições impostas pelo Código Florestal e outras leis, inclusive em relação ao manejo e à proibição de corte e venda de algumas espécies.
Sem colidir com o artigo 21, que define como bens da União os recursos hídricos e minerais, o parágrafo 3º do mesmo artigo 231 define condições gerais para o aproveitamento desses recursos quando se localizarem em terras indígenas. Nesse caso, a exploração só poderá ocorrer “com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
Ou seja, nesse caso não há usufruto exclusivo e está clara a previsão de uma lei regulamentadora. Em relação aos recursos hídricos, a regulamentação por meio da lei que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433, de 1997) não vem impedindo que demandas cheguem ao Judiciário, especialmente em relação ao ponto que determina a consulta prévia às comunidades, um dos motivos de ações contra a instalação da usina de Belo Monte.
Já em relação aos recursos minerais, ainda permanece um vácuo de regulamentação, embora já estejam tramitando diversas proposições.
Um dos projetos de tramitação mais adiantada é de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), o PLS 121/1995, já aprovado pelo Senado e agora em exame na Câmara dos Deputados (PL 1610/96). Mas o movimento indígena vem defendendo que o tema seja regulamentado como parte do Estatuto dos Povos Indígenas, na forma do PL 2057/91, um projeto apresentado à Câmara pelo então deputado Aloizio Mercadante, hoje ministro da Educação. Subscrita por outros deputados, a proposta está sem despacho novo desde 1994.
Atividade econômica
A norma regulamentadora é também necessária em decorrência de dispositivo constitucional do capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, no qual os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica são mais uma vez definidos como propriedade da União, embora garantindo ao concessionário a propriedade do produto da lavra (artigo 176).
No parágrafo 1º desse dispositivo, fica ainda estabelecido que a pesquisa e a lavra dos recursos e o aproveitamento dos potenciais hídricos somente poderão ocorrer mediante autorização ou concessão da União, “no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país, na forma da lei”. Ainda pelo texto, lei deverá estabelecer “as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”.
FONTE : Agência Senado