Terras indígenas sem índios, “tradições” e falsos índios

Na sequência das preocupantes invasões e ocupações de fazendas e canteiros de obras de hidrelétricas, ocorridas nas últimas semanas, começa a receber o devido destaque uma série de questionamentos contra as mobilizações indigenistas. No último fim-de-semana, foi divulgado o estudo elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que contesta certas demarcações de terras indígenas feitas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no Paraná, nas quais, simplesmente, não havia populações índias. Outra séria denúncia foi feita por um procurador do Rio Grande do Sul, sobre a demarcação de uma terra indígena no estado, que teria sido feita com base nas visões de um pajé após tomar um chá alucinógeno. E a Polícia Federal anunciou que um conhecido “líder indígena” do Amazonas sequer é índio, tendo fraudado o seu Registro Administrativo de Nascimento de Índio (Rani).

No sábado 8 de junho, o jornal O Globo publicou uma reportagem de primeira página, destacando um relatório da Embrapa, o qual conclui que terras paranaenses que a Funai pretende demarcar como sendo terras indígenas, não são ocupadas por índios. Segundo a reportagem, o documento foi encaminhado para a análise do governo federal, dias antes de ser anunciada a decisão de que os novos processos de demarcação deverão consultar outros órgãos federais.

A área em questão é situada na região oeste do estado, entre os municípios de Guaíra e Terra Roxa, que tem sido palco de intensas disputas entre indígenas e fazendeiros, e onde surgiram numerosas denúncias de invasão de índios paraguaios, tal como noticiado neste Alerta (21/03/2013). O estudo da Embrapa se baseou em dados relativos à ocupação desde o ano de 1985, e questiona informações usadas pela Funai para justificar as demarcações de terras indígenas. De acordo com o relatório, das 15 áreas em litígio, em quatro não há qualquer presença de índios, enquanto que, em outras dez, a ocupação é extremamente recente, não datando de antes de 2007.

O relatório da Embrapa ainda confirma os rumores de que índios paraguaios s têm sido levados para o Paraná pelo aparato indigenista, para justificar as demarcações junto à Funai. O estudo deu elementos suficientes para frear, dentre outros, o processo de demarcação da reserva Xetá, com 120 quilômetros quadrados (12.000 hectares), na região de Umuarama, a ser destinada a um grupo de aproximadamente 100 índios. Além disso, apenas sete indivíduos desse grupo são considerados membros puros daquela etnia, segundo estudos antropológicos (bemparana.com.br, 10/06/2013).

Em nota oficial, a Casa Civil da Presidência da República declarou que, no referido estudo, não há “juízo de valor a respeito dos direitos dos povos indígenas ou dos agricultores”, e que o documento “tem por objetivo ajudar a disciplinar e tornar mais claros os critérios que envolvem os processos de demarcação de terras no país”. Já o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que relatórios produzidos por outros órgãos federais, como o da Embrapa, ajudam a evitar os “erros” cometidos pela Funai. “O relatório da Embrapa não é um estudo antropológico. Esse estudo quem faz é a Funai. Mas tem, sempre, informações muito importantes que vão permitir esclarecimentos, que se tire dúvidas ou que se tenha mais precisão na hora de se concluir a demarcação da terra”, afirmou.

No RS, chá alucinógeno ajuda a demarcar terra indígena  

No Rio Grande do Sul, o procurador Rodinei Candeia denunciou um caso quase bizarro, na delimitação de 4.320 hectares para constituir uma nova terra indígena, no norte do estado. Segundo ele, o laudo antropológico no qual se baseia o processo demarcatório, de autoria da antropóloga Flávia Cristina de Mello, incluiu a “visão” que o pajé da tribo indígena teve ao usar um chá alucinógeno. “Depois de tomar o chá, o pajé deles, Eduardo Karay, teve uma visão e disse que deveriam ir para uma área em que passou quando criança. No dia seguinte, colocaram fogo na aldeia e, com apoio da Funai, foram para Mato Preto. O laudo antropológico é uma fraude absoluta”, afirmou Candeia (Agrolink, 6/06/2013).

Agora, o procurador tenta reverter na Justiça a decisão que desapropriou propriedades que reúnem 1.200 pessoas, em uma área que engloba os municípios de Getúlio Vargas, Erebango e Erechim, declarada de posse tradicional indígena por uma portaria do Ministério da Justiça de 21 de setembro de 2012. Segundo Candeia, a antropóloga teria presenciado e participado da decisão de invadir a área, que ocorreu durante o ritual com o chá alucinógeno. Tais informações constam, inclusive, na sua tese de doutorado, defendida em 2006, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Na referida tese, intitulada Aetchá Nhanderukuery Karai Retarã: Entre deuses e animais: Xamanismo, Parentesco e Transformação entre os Chiripá e Mbyá Guarani, a antropóloga, que é professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus (BA), narra que, antes de migrarem para a região de Mato Preto, os índios Karai estavam em conflito constante com índios Kaingang (o que, ironicamente, desmente a ideia idílica de uma pretensa irmandade entre todos os indígenas). Em meio a tais conflitos, teriam surgido entre os Karai suspeitas de ações de “feitiçaria” por parte dos Kaingang, resultando em mortes súbitas e no incêndio na área de Cacique Doble, onde os Karai viviam anteriormente, no norte do Rio Grande do Sul.

A narrativa ganha tons fantásticos na passagem em que trata dos rituais noturnos do pajé Eduardo Karai, que “ouvia e via em seus sonhos que era a hora de partir de Cacique Doble”. Segundo a autora, a partir desses sonhos, o pajé determinou que a tribo deveria voltar para a região ele teria vivido em sua infância, e assim surgiu o projeto de migração para Mato Preto. A mudança foi reforçada com a convicção de Eduardo Karai de que o incêndio era fruto “da ação de yvy andjague (espíritos inimigos) e que não eram ações isoladas, nem manifestação do poder de um humano. O mal que acometia a aldeia ali permanecia, na sepultura de Mário e nas cinzas da casa queimada. Era preciso agir rápido pois os riscos eram eminentes e progressivos”.

Ainda segundo o texto, a viagem propriamente dita foi rápida. Um mutirão entre parentes e aliados foi montado para se obter as condições logísticas de tal deslocamento. O cacique da aldeia, Joel Pereira e seu cunhado, Siberiano Moreira, conseguiram apoio do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e AER (Administração Executiva Regional da) FUNAI para o deslocamento de Cacique Doble até Mato Preto, a cerca de 180 quilômetros de distância, na divisa entre os municípios de Getúlio Vargas e Erebango.

Contudo, antropóloga defendeu-se das críticas do procurador, afirmando que “o uso das chamadas ‘plantas de poder’ faz parte dos rituais da maioria dos povos indígenas que ainda praticam suas religiões, e isso não desabona em nada o processo de reivindicação do grupo. Ao contrário, reforça o argumento de tradicionalidade”. Ela afirmou ainda que tem uma “metodologia de trabalho, onde é preciso ter certo distanciamento. Nada na minha tese desmerece o laudo antropológico. Não sou uma profissional aventureira, minha tese foi indicada a prêmios”.

Ficamos a imaginar que prêmios e de que entidades.

“Líder indígena” do Amazonas não é índio

Em Manaus (AM), a Polícia Federal acabou com a farsa de Paulo José Ribeiro da Silva, 39 anos, também conhecido como Paulo Apurinã, que há anos se apresentava como “líder indígena” da etnia apurinã e já promoveu invasões de propriedades e foi até mesmo recebido pela presidente Dilma Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de inauguração da ponte sobre o Rio Negro. Tanto ele como a mãe, Francisca da Silva Filha, foram indiciados sob suspeita de falsificação de documento público (Folha de S. Paulo, 3/06/2013).

Segundo a investigação da PF, a ausência de dados genealógicos e de estudos antropológicos, além dos depoimentos de índios que negaram a origem de Paulo e Francisca, são fortes indícios de que o Rani de ambos seja uma fraude. Em depoimento ao órgão, a própria genitora de “Paulo Apurinã” reconheceu nem ela nem o filho falam a língua indígena, e que escolheu os seus nomes apurinãs – Ababicareyma (mulher livre) e Caiquara (o amado) – em um dicionário de tupi-guarani.

Segundo Sérgio Fontes, superintendente da PF no Amazonas, os documentos de Paulo e Francisca “foram adquiridos mediante fraude com colaboração de uma funcionária da Funai”, em 2007. Após tal constatação, a PF anunciou que fará uma devassa nos Ranis emitidos na Amazônia, de modo a entender as causas de um boom na emissão desse documento: de uma média anual de 159 Ranis por ano, entre 2000 e 2007, o número se ampliou para 1.143 ao ano, entre 2008 e 2011 – um crescimento de 619% (Folha de S. Paulo, 10/06/2013).

Segundo o processo de emissão do documento, um dos critérios de aprovação é o autorreconhecimento – a comunidade indígena da etnia alegada deve reconhecer a pleiteante ao Rani como um membro. Caso a Funai duvide de tal parentesco, deve solicitar um laudo antropológico, o que não ocorreu no caso de Paulo e Francisca. Estima-se que existam, atualmente, cerca de 8.000 índios apurinãs, espalhados por uma região que engloba parte do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.

Todavia, mesmo apanhado com a boca na botija, o farsante negou que tenha fraudado o seu “RG indígena”, e afirmou que o seu bisavô era um apurinã. O documento, na ausência de certidão de nascimento, serve como subsídio para a inclusão de beneficiários em programas sociais, como cotas em concursos públicos e universidades, além do ingresso no Bolsa Família. De fato, a própria mãe de Paulo demonstrou um grande senso de oportunidade, ao se beneficiar de tal status para entrar, como cotista, no curso de turismo da Universidade Estadual do Amazonas.

Se o argumento do espertalhão fosse válido, muitos milhões de brasileiros poderiam fazer uso dele para se qualificar como indígenas, já que, como demonstram os estudos genéticos, mais de 50 milhões de brasileiros que se consideram brancos têm ascendência indígena pelo lado materno.

Então, caro leitor, vai solicitar também o seu Rani?

FONTE : Alerta Científico e Ambiental – Vol. 20  / nº 22 / 13 de junho de 2013 – Alerta Científico e Ambiental é uma publicação da Capax Dei Editora Ltda.
Rua México, 31, s. 202, CEP 20031-144, Rio de Janeiro-RJ; telefax 0xx-21-2532-4086; www.alerta.inf.br; msia@msia.org.br – Conselho editorial: Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco e Silvia Palacios.

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