Mestres em Sustentabilidade exploram diversidade cultural dos povos indígenas

O estudo dos povos nativos do Brasil existe na UnB desde a sua fundação. E agora ganha novas contribuições dos recém-formados mestres em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Indígenas. São profissionais indígenas e não-indígenas, que discutem questões ligadas a tradição, gêneros, meio ambiente e reafirmam o “protagonismo e autoria indígena na vida acadêmica”, na definição do professor Othon Leonardos, um dos responsáveis pela criação do curso. 

“A origem dos estudos indigenistas na UnB veio ainda na sua fundação, com Darcy Ribeiro, seguiu nos anos 1970 com Roberto Cardoso de Oliveira e jamais parou”, relembrou Jaime Santana, decano de Pesquisa e Pós-Graduação. Para ele, o alto nível das dissertações da primeira turma do curso aponta para novos desdobramentos. “Trabalhamos já com a ideia de pós-graduação em estudos de línguas indígenas. São mais de 400 línguas, que precisam ser pauta acadêmica e a UnB está na ponta desse processo”.

Um exemplo dessa excelência ligada à diversidade é a aluno Maria Elenir Neves. Nascido no Rio Grande do Sul, ela é da etnia dos kaingang e especialista em da Secretaria Especial de Saúde Indígena. Em sua dissertação, Maria analisou os cuidados com gestação, parto e pós-parto em sua tribo. “Décadas atrás, era difícil ouvir a voz dessas mulheres em uma tribo capitaneada pelos homens. Eram como que invisíveis e nós da saúde não sabíamos ouví-las”, afirma. Ela conta que só quando trabalhou diretamente com o parto kaingang – e todas as suas especificidades, que incluem uso de chás, banhos, bafações, dietas alimentares e resguardo – começou a ser entendida como mulher e médica pela tribo. “Minha tese atesta que só assim, com articulação e entendimento do médico da cultura do outro, podemos chegar a um denominador comum de saúde”, resume ela.

Filha de Mário Juruna, militante histórico, a xavante Samantha Ro’otsitsina de Carvalho Juruna herdou do pai o interesse pela luta. No mestrado, abordou o movimento indígena sob recorte do Acampamento Terra Livre (ATL), que desde 2004 ocupa Brasília anualmente, funcionando como assembleia geral e instância de decisão dos índios brasileiros. Em 2012, quando o ATL aportou no Rio+20, Samantha registrou o depoimento de 16 pessoas de 16 diferentes povos. “Essas pessoas falaram da sabedoria ancestral que está na dança, pintura, natureza e modos de produção. Me trouxeram a certeza de que a luta indígena começa na base, de dentro para fora, a partir da sabedoria e resistência dos mais velhos”, disse ela.

Isabel Taukane, da etnia bakairi, da região de Piratininga (Mato Grosso), uniu gênero e sustentabilidade ao estudar o Instituto Yukamaniru, organização local composta por 30 mulheres que executa projetos ambientais. “Nossa terra sofre com arrendamentos, que devastam a mata e prejudicam a água de nascentes. Por isso, temos viveiros de plantas em que trabalhamos continuamente, sob recursos próprios e alguma ajuda governamental”, explica ela. Cristiane Portela, pesquisadora associada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), presente na banca examinadora, ressalta a singularidade do trabalho: “Essas mulheres buscaram o protagonismo em uma comunidade ainda muito machista, demonstrando habilidade sócio-política e ressignificando mitos de sua cultura. Ao estudá-las, Isabel trouxe a questão de gênero, já tão moderna, para dentro do debate indígena”.

LACUNAS – Formada em Propaganda e Marketing, Isabel Taukane fez o mestrado indígena para complementar sua formação. “Na UnB, preenchi essas lacunas ao encontrar um diálogo de saberes, em que podemos refletir sobre a contribuição dos povos indígenas para a sociedade brasileira, bem como da apropriação das questões não-indígenas para as aldeia”, diz. “É uma troca”. Essa necessidade também preocupava o historiador baiano Erlon Fábio de Jesus, que defendeu tese sobre a permanência dos tupinambá em Olivença, no sul da Bahia. “Minha relação com a cultura indígena vem da minha própria família, formada por gente de Olivença que se miscigenou e foi morar nos bairros periféricos da cidade”, afirma. “Meu trabalho não seria possível em outras universidades, cujo coronelismo branco não se interessa pelo tema. Na UnB, sim, pude falar não só do índio visto de fora, mas também ter aulas junto a eles, aprender e conviver em seus espaços”. Em campo, Erlon esteve junto a escolas e festas indígenas, dois pontos de reafirmação de identidade tupinambá. “A escola indígena estudada apresenta em seu projeto político-pedagógico a questão da luta pelo território, uma inovação dentro do projeto educacional. Da mesma forma, a Puxada do Mastro de São Sebastião, festa de cablocos que relacionam com a natureza e religiosidade, é um momento de revigoração da cultura e delimitação de espaço”, disse.

Graduado em Teologia e Gestão Ambiental, Chicoepab Suruí é outro que trouxe a academia para sua tribo. Os paiter suruí de Rondônia, tiveram quase 10% de suas terras degradadas em função de retirada ilegal de árvores, plantação de café e arroz, e implantação de pasto para gado. Em 2003, a associação indígena Metareilá diagnosticou o território e capitaneou o Plano 50 Anos Suruí de reflorestamento. “Estudei o impacto na percepção de meu povo dali em diante”, explica Chicoepab, “e vi que houve não só uma mudança ambiental, mas de consciência. Isso porque envolveu as famílias como um todo, desde a escolha do que plantar até a colheita”. Mais que isso, a tribo enxergou possibilidades econômicas nessa nova etapa. “Podemos aproveitar a floresta com ela em pé, produzindo medicamentos tradicionais, artesanato e frutos para comercialização”, avalia ele.

AUDIOVISUAL – A musicista Verônica Aldé trabalhou junto a um projeto-piloto do Museu do Índio, proposto pela Funai do Rio de Janeiro, de registro e documentação dos cantos indígenas. “O projeto é uma via para pensar a implantação de políticas públicas para salvaguarda dos cantos indígenas, ainda inexistentes no Brasil”, explica. Em vídeo de 30 minutos, produto final do mestrado, Verônica Aldé deu voz a emocionantes depoimentos de mestres krahô do Tocantins, que demonstram a música na tribo. “O som não tem significado apenas em si mesmo, mas também na carga religiosa que traz. Além disso, há educação e sustentabilidade na força que os rituais dão para a relação diária com a terra. Cada planta tem sua canção”, exemplifica.

FONTE  ;  UnB Agência

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