Primeiro grupo de indígenas conclui curso criado na Universidade de Brasília e desenvolve estudos para trabalhar a sustentabilidade nas terras, nas aldeias e junto do próprio povo

Filho de cacique, Ywmonyry, da comunidade Apurinã — localizada no sul do Amazonas — nasceu para ser caçador e viver na floresta. Mas, aos 10 anos, saiu da tribo e iniciou os estudos na cidade de Boca do Acre (AM). Ganhou um novo nome, dado pelo homem branco: Francisco de Moura Cândido. Sofreu discriminação, pensou em desistir, mas continuou.

Depois de ter concluído o ensino médio, em Roraima, graduou-se e, no mês passado, aos 39 anos, entrou para a história da Universidade de Brasília (UnB). Faz parte do primeiro grupo de 13 índios a concluir o mestrado em sustentabilidade junto de povos e terras indígenas. Uma iniciativa pioneira da instituição por disponibilizar 50% das vagas do curso para eles, trabalhar a sustentabilidade de forma insterdisciplinar e ter a participação de professores daquela raça no programa.

Criado em 2010 pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, a seleção para integrar o grupo de novos mestres foi a mais concorrida da pós-graduação nos últimos tempos: cerca de 170 candidatos disputaram 26 vagas: 13 para índios e outras 13 para não índios que trabalham no setor. “É o primeiro mestrado que tem características de reservas de vagas para esse público e que tem a questão indígena como foco”, ressalta a coordenadora pedagógica do programa, Mônica Nogueira.

Cinco estudantes defenderam a dissertação em dezembro, e o segundo ciclo de apresentações será concluído no fim de janeiro. “A expectativa é de que esses profissionais produzam teorias e técnicas novas, além de diferentes formas de conhecimento”, espera a coordenadora.

Experiência

Com o trabalho “BR-364: análise da sustentabilidade das medidas mitigatórias e compensatórias na terra indígena Colônia 27 no estado do Acre”, Francisco de Moura Cândido pretende manter a pesquisa realizada há 12 anos em diversos povos. “O Acre tem 37 terras indígenas e 209 aldeias, tenho o privilégio de conhecer todas. A experiência fundamentou meu mestrado e ajudará a estabelecer o diálogo entre o científico e o cultural”, analisou.

A partir do estudo, avaliou os pontos positivos e os negativos nas compensações decorrentes do estudo e produziu alternativas. “Quando se fala em medidas de mitigação e compensação, entende-se que são ações pontuais, mas é necessário ter ações continuadas. Não adianta construir uma escola, por exemplo, e não qualificar professores”, exemplifica. “Como índio, lutarei por isso porque essa é a melhor maneira de ajudar o meu povo. Nasci para ser caçador, mas, por meio dos estudos e da qualificação, encontrei a maneira de fazer a diferença”, completou.

Francisco enfrentou um curso com duração de 22 meses e carga horária de 420 horas. Estudou com alunos de perfis e ideais parecidos. Os mestrandos trabalham em consultorias, órgãos do governo ou com as aldeias, e o programa fornece instrumentos para quem atua em defesa dos interesses indígenas. Ele contou com a participação de lideranças como pajés e caciques, além de professores doutores da UnB, entre outros.

“Eles têm necessidade de dominar os nossos códigos, aprenderem os conteúdos técnico-científicos para a realidade deles, sem que isso signifique abrir mão de seus saberes. Esse hibridismo fortalece a sustentabilidade. Não para eles seguirem o que nós achamos certo, mas para instituírem seus próprios métodos”, refletiu Mônica Nogueira.

Todo o aprendizado e a interação entre culturas e dissertações concluídas só ocorreram devido às parcerias firmadas com o programa. O apoio dos ministérios da Cultura e da Defesa, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da United States Agency for International Development (Usaid) possibilitou que os estudantes recebessem bolsas e apoio logístico para a formação. A continuidade do mestrado específico depende disso.

Resgate

As aulas ministradas na aldeia de Umutina, em Mato Grosso, serão aprofundadas com o enfoque para o resgate da cultura da comunidade e o trabalho conjunto para a sustentabilidade. A professora Eliane Dorotonetá Monzilar concluiu o mestrado com o objetivo de mostrar ao povo alternativas de se relacionar com o meio ambiente e evoluir dentro do próprio território. Com a dissertação “Educação, trabalho e sustentabilidade dentro do território Umutina”, ela pesquisou como os jovens viam a permanência deles na aldeia e chegou a alternativas para manter a cultura, a língua e os costumes do povo.

Nos últimos dois anos, algumas famílias mudaram-se para a cidade. Com o trabalho realizado, foi possível ver o resultado inverso. “A ideia é criar possibilidades, alternativas, mostrar que é possível manusear a terra sem prejudicar o meio ambiente. Mostrar que o jovem pode trabalhar dentro do seu território, ter um conhecimento da cultura local, mas também da sociedade ocidental, dialogar”, concluiu.

Inscrições até 4 de fevereiro

As regras para o vestibular destinado a estudantes indígenas encontram-se no endereço eletrônico www.cespe.unb.br/vestibular/vestunb_13_1_2_funai. Para 2013, estão abertas 10 vagas para o primeiro semestre e 10 para o segundo, nos cursos de agronomia, ciências biológicas, ciências sociais, enfermagem, engenharia florestal e medicina. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até 4 de fevereiro. S provas objetivas e a redação serão aplicadas em 9 de março. A seleção faz parte de um convênio firmado em 2004 entre a UnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Fonte: Correio Braziliense

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