Relatório do PNUMA alerta sobre riscos aos recursos naturais que dão suporte à segurança alimentar

O mundo precisa dar atenção urgente à manutenção e ao incentivo dos recursos naturais fundamentais à produção de alimentos, que enfrenta ameaças cada vez maiores em decorrência da ação humana, para ajudar a garantir a segurança alimentar de uma população em expansão, revela um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

O relatório, Evitando a fome no futuro: Fortalecendo a base ecológica da segurança alimentar por meio de sistemas alimentares sustentáveis, aponta que a segurança alimentar deve envolver os serviços ambientais fornecidos pela natureza para que os sete bilhões de habitantes do planeta tenham o que comer; uma população que, segundo estimativas, deve chegar a nove bilhões em 2050.

Ineficiências ao longo da cadeia de suprimento alimentar complicam ainda mais o desafio, e o relatório estima que um terço da comida produzida para o consumo humano é perdido ou desperdiçado, somando 1,3 bilhão de toneladas anuais.

O debate sobre a segurança alimentar, até agora, está amplamente focado na disponibilidade, no acesso, na utilização e na estabilidade como os quatro pilares da segurança alimentar, tendo como base os recursos e serviços ecossistêmicos que apoiam todo o sistema alimentar.

O relatório pretende aumentar a consciência sobre esses cruciais aspectos ambientais, os quais têm sido prejudicados pela pesca predatória, o uso insustentável da água e outras atividades humanas. Também molda o debate sobre a economia verde, promovendo práticas de produção e de consumo de alimentos que assegurem a produtividade sem prejudicar os serviços do ecossistema.

“O meio ambiente tem sido uma reflexão tardia no debate sobre segurança alimentar,” disse o cientista-chefe do PNUMA, Joseph Alcamo. “Esta é a primeira vez que a comunidade científica nos dá um quadro completo de como a base ecológica do nosso sistema alimentar não apenas é instável, mas também está sendo realmente prejudicada.”

Enquanto aponta os desafios atuais, o relatório também oferece um caminho delineado para o estabelecimento dos fundamentos ecológicos e para o aprimoramento da segurança alimentar. Faz recomendações para reprojetar sistemas agrícolas sustentáveis, mudanças de dieta e sistemas de armazenamento, bem como novos padrões alimentares para reduzir o desperdício.

“A era da produção aparentemente interminável baseada na maximização de insumos como fertilizantes e pesticidas, minando reservas de água doce e terra arável fértil, assim como os avanços ligados à mecanização, está chegando ao limite, se é que já não o atingiu”, disse Achim Steiner, subsecretário-geral da ONU e diretor executivo do PNUMA. “O mundo precisa de uma revolução verde, mas com V maiúsculo: uma revolução que compreenda melhor como se dá, de fato, o cultivo e a produção de alimentos em termos dos recursos naturais oferecidos por florestas, água doce e biodiversidade.”

O relatório, produzido em colaboração com outras organizações internacionais —incluindo o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a Organização da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO), o Banco Mundial, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Instituto de Recursos Mundiais (WRI) — faz uma análise holística do sistema alimentar. Onze cientistas e especialistas escreveram o relatório, cobrindo muitas áreas distintas do conhecimento, incluindo padrões de consumo alimentar, produção agrícola, pesca marinha e de água doce.

Descobriram que, ao passo que a agricultura fornece 90% do consumo calórico total do mundo, e a pesca mundial é responsável pelos outros 10%, esses setores de apoio à vida enfrentam muitas ameaças, todas exacerbadas por forças subjacentes como crescimento populacional, aumento de renda e mudanças de estilo de vida e de alimentação relacionadas à urbanização.

O relatório identificou as seguintes ameaças específicas contra esses sistemas:

Agricultura

  • Concorrência pela água. Alguns especialistas acreditam que as demandas alimentares do futuro precisam ser atendidas com mais terra irrigada, mas já há forte concorrência pelo crescente consumo doméstico e industrial de água
  • Práticas agrícolas convencionais exercem uma variedade de impactos sobre o ecossistema, como, por exemplo, redução da biodiversidade em fazendas e promoção do aumento de pragas e doenças, perda de solo, eutrofização e contaminação de lençóis freáticos
  • Práticas agrícolas tradicionais, se praticadas de maneira inadequada, podem provocar severo desgaste do solo
  • Desmatamento e contaminação por pesticidas de terras adjacentes a fazendas degradam a “biodiversidade fora das fazendas”, impactando polinizadores e o controle natural de pragas nas plantações
  • As mudanças climáticas e seus impactos complicarão as ameaças anteriores à agricultura deslocando zonas de cultivo e trazendo uma eventual redução da produtividade das plantações

Pesca marinha

  • A pesca predatória é a principal força que atua contra a base ecológica da pesca. A FAO estimou que, em 2008, 53% dos recursos marinhos estavam totalmente utilizados, 28% excessivamente utilizados, 3% esgotados e 1% se recuperando do esgotamento
  • Perda de habitat costeiro como recifes de corais e florestas de mangue. Ao menos 35% dos manguezais e 40% dos recifes de corais foram destruídos ou degradados ao longo das últimas décadas
  • A pesca de arrasto, a dragagem e práticas pesqueiras destrutivas como o uso de dinamite e cianeto, que provocam a perda ou a modificação do habitat
  • Degradação da qualidade da água costeira. O esgotamento de nutrientes causa a eutrofização costeira, zonas com redução crítica de oxigênio dissolvido e vida aquática extinta. Mais de quatrocentas zonas mortas foram identificadas em áreas costeiras
  • As mudanças climáticas provocarão o aquecimento da água e a acidificação dos oceanos, com muitos impactos sobre a pesca marinha. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) projeta uma perda global de 18% do recifes de corais em todo o mundo nas próximas três décadas, reduzindo drasticamente o habitat dos peixes.

Pesca de água doce

  • O desenvolvimento de infraestrutura como, por exemplo, a construção de represas em bacias hidrográficas, está destruindo ou modificando habitats de peixes de água doce. Mais de 50% dos maiores rios do mundo foram fragmentados por represas em seus cursos principais, e 59% em seus afluentes
  • A mudança do uso de terras e a remoção da camada de vegetação levam a mais escoamento, erosão e poluição sedimentar da água. Atividades humanas têm aumentado o fluxo de sedimentos nos rios em cerca de 20% ao redor do mundo
  • A expansão agrícola interrompe a conectividade entre planícies aluviais e rios – as planícies aluviais são responsáveis por alguns dos mais produtivos habitats para a pesca de água doce.
  • Escoamento agrícola e descargas de esgoto doméstico e industrial estão degradando a qualidade de grande parte da água doce. O despejo de resíduos em reservas de água doce africanas pode aumentar de quatro a oito vezes entre os anos 1990 e 2050.

Apesar dos problemas serem muitos e variados, o relatório faz uma série de recomendações que pode preparar os fundamentos ecológicos e criar as condições para uma produção alimentar sustentável.

“As soluções devem ser encontradas em toda a cadeia de produção alimentar – das fazendas que precisam cultivar mais comida de forma mais sustentável, às grandes empresas que precisam garantir que seus produtos sejam produzidos por pesca ou agricultura sustentável, até o consumidor que deve pensar seriamente na adoção de uma dieta sustentável,” disse Alcamo.

“Sem dúvida, precisamos lidar primeiro com os problemas socioeconômicos relacionados à segurança alimentar — questões de acesso e viabilidade econômica alimentar, e assim por diante,” acrescentou. “Mas, contassem última análise, não teremos comida suficiente para distribuir a não ser que descubramos uma forma de produzirmos alimentos de forma sustentável sem destruir seus fundamentos ecológicos.”

Recomendações

Dentre as principais recomendações em prol de uma agricultura e uma pesca mais sustentáveis, constam as seguintes:

-Construir instalações centralizadas de armazenamento e refrigeração para pequenos agricultores de maneira a ajudá-los a produzir para o mercado com maior rapidez e a evitar a perda de alimentos

-Promover dietas sustentáveis para evitar a tendência de a dieta se tornar menos saudável à medida que os consumidores enriquecem, em particular promovendo um menor consumo de carne e laticínios em países desenvolvidos

-Reconsiderar padrões de qualidade para alimentos que levem a desperdício desnecessário

-Desenvolver uma agricultura sustentável, não apenas em fazendas individuais, mas estendendo para todo o país. Há exemplos de melhor manejo do solo, de uso de água mais eficiente na agricultura e de gestão integrada de nutrientes

-A agricultura sustentável pode ser ampliada através do apoio aos fazendeiros, estendendo os direitos de posse de terras a fazendeiros para incentivar a preservação e premiando fazendeiros e comunidades agrícolas pela manutenção do ecossistema.

-Estratégias econômicas coerentes com o pensamento econômico verde também são fundamentais para a ampliação da agricultura sustentável, tais como:

o   Eliminação de subsídios que contribuem para a pesca predatória (o setor de pesca global recebe de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões) e para a destruição de habitats, e redirecionando fundos para investimento em gestão de pesca sustentável e para  o reforço da capacidade.

o   Incentivos para a pesca sustentável como subsídios para a troca de equipamento de pesca em alternativas menos danosas

o   Introdução de medidas fiscais como taxas e impostos sobre o volume de colheita e multas mais altas para pesca ilegal, não reportada ou não regulamentada

o   Atrair pequenos acionistas para a economia alimentar global e torná-los parte do sistema de certificação de práticas sustentáveis na agricultura e na pesca

     -Onde for tecnicamente viável, a rentabilidade máxima da pesca marinha deve ser calculada e respeitada com acordos de aplicação e incentivos econômicos. Em países mais pobres e para pequenos pesqueiros marinhos, uma abordagem de “cogestão” pode funcionar, com pescadores concordando quanto ao tamanho dos peixes e aos limites por espécie e a interrupção sazonal de atividades de pesca

       -Estabelecer redes de áreas aquáticas protegidas

   -Preservar áreas de pesca marinha reduzindo as fontes de poluição terrestres que geram “zonas mortas” em áreas costeiras

Resumindo, os cientistas apontaram que não se pode aliviar a fome ou evitar períodos de escassez simplesmente fortalecendo a base ecológica do sistema alimentar mundial, e negligenciar esse aspecto prejudicará os esforços nos outros quatro pilares da segurança alimentar.

Informações adicionais

O relatório completo, lançado no dia 20 de junho de 2012, está disponível para download em: http://www.unep.org/publications/ebooks/avoidingfamines/ (DISPONÍVEL EM JULHO 2012)

FONTE :  http://www.pnuma.org.br/index.php (DISPONÍVEL EM JULHO 2012)