Planalto enquadra ditadura indigenista no Brasil (*)

A publicação da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), que define uma série de salvaguardas institucionais referentes às terras indígenas, em especial, quanto ao acesso a elas e à sua utilização econômica, reforça a tendência de reversão da inclinação antinacional que vinha sendo imposta à política indigenista brasileira desde o final da década de 1980. De fato, desde o ano passado, o governo da presidente Dilma Rousseff tem dado mostras de que tenciona enquadrar as políticas referentes aos assuntos indígenas e ambientais aos interesses maiores da nação, reduzindo gradativamente a influência dos respectivos movimentos na formulação das mesmas. A atuação brasileira na conferência Rio+20 foi a mais recente manifestação desse impulso.

Em 17 de julho, o Diário Oficial da União publicou o texto da Portaria, que se baseia no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), registrado na notória Petição 3388, referente ao julgamento da desocupação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. No seu artigo 1°, a Portaria reúne as principais definições quanto às salvaguardas sobre os processos de demarcação e homologação de terras indígenas em todo o território brasileiro, flexibilizando a questão do acesso físico e aos recursos econômicos das terras indígenas, como se observa nos parágrafos seguintes:

(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar.
(II) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional.
(III) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da Lei.

Outro avanço importante é a colocação dos interesses estratégicos da defesa nacional acima da interpretação radical dos interesses indígenas, ao determinar que o usufruto dos índios de suas terras não impede a União de instalar equipamentos públicos e construir vias de transporte nestas terras. Além disso, a Portaria determina que:

(V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI.
(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI.

Em relação ao trânsito de brasileiros não-índios em terras indígenas, o Parecer altera a proibição prévia de entrada de pessoas não autorizadas pelos índios nas reservas, estabelecendo que “devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios na… terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI”. Além disto, define que o ingresso e a permanência de não-índios “não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas por parte das comunidades indígenas, proibindo, desta forma, a prática corrente em muitos lugares de cobrança de pedágio por parte de índios”.

Outra prática irregular proibida pelo Parecer é o arrendamento de terras indígenas para certas finalidades espúrias: “As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973)”.

Mesmo sem citar nominalmente a atividade, tal redação impede o arrendamento de terras indígenas para a geração de créditos de carbono, que já vinha sendo colocado em prática, como já noticiado neste Alerta (15/03/2012).

Por fim, a Portaria traz uma série de medidas que podem encerrar os conflitos por terras entre produtores rurais e indígenas, que têm sido crescentemente marcados por atos de violência de ambas as partes, além de proporcionar segurança jurídica ao campo, ao definir, no Artigo 1º. e nos seguintes:

(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada. (…)
(XIX) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.

Art. 2º. Os procedimentos em curso que estejam em desacordo com as condicionantes indicadas no art. 1º serão revistos no prazo de cento e vinte dias, contado da data da publicação desta Portaria.

Art. 3º. Os procedimentos finalizados serão revisados e adequados a presente Portaria.

O titular do AGU, Luís Inácio Adams, explicou que a Portaria não estabelece regras novas, somente promove uma regulamentação para orientar os órgãos da AGU a atuarem conforme o que foi estabelecido pelo STF em 2009. “A Portaria é necessária para que exista segurança jurídica desses processos. Estou acatando e não criando normas, apenas apropriando uma jurisprudência que o STF entendeu ser geral, para todas as terras indígenas. Não é uma súmula vinculante, mas estabeleceu uma jurisprudência geral”, explicou Adams (Agência Brasil, 17/07/2012).

Reações ensandecidas

Como seria de se esperar, a tinta do DOU mal havia secado, quando alguns dos principais promotores da ideologia indigenista no Brasil iniciaram ruidosos protestos contra a iniciativa. Em nota oficial, o inefável Conselho Missionário Indigenista (CIMI) declarou que “a intenção do governo é estancar de vez os procedimentos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas. Mais uma vez dobra os joelhos, rezando a cartilha do capital ditada pelo agronegócio” (CIMI, 17/07/2012).

O Instituto Socioambiental (ISA), em sua nota à imprensa, fez coro às críticas contra a possibilidade de construção de usinas hidrelétricas e instalações militares sem consultas prévias aos indígenas, considerando que “a decisão afronta a Declaração da ONU para os Povos Indígenas e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que foram ratificadas pelo Brasil” (ISA, 18/07/2012).

Na avaliação de Raul Silva Telles, do Programa de Política e Direitos Socioambiental do ISA, “o que assusta nessa decisão da AGU de se antecipar ao STF e adotar a interpretação mais reacionária das condicionantes do caso Raposa Serra do Sol é o autoritarismo a ela inerente… A medida retoma um linguajar e uma racionalidade que imaginávamos superados desde o fim do regime militar”.

O Parecer 303 da AGU vai no caminho de se colocar um ponto final em mais de duas décadas de obscurantismo ideológico encastelado nos entes públicos brasileiros, que resultou numa virtual ditadura indigenista-ambientalista na formulação das políticas públicas setoriais. A ensandecida reação das ONGs denota que seus dirigentes têm a mesma percepção, pelo que podemos esperar uma nova campanha virulenta contra o governo brasileiro, dentro e fora do País.

FONTE : Alerta Científico e Ambiental – ano 19 nº 27 – 19 de julho de 2012

Alerta Científico e Ambiental é uma publicação da Capax Dei Editora Ltda.
Rua México, 31, s. 202, CEP 20031-144, Rio de Janeiro-RJ; telefax 0xx-21-2532-4086; www.alerta.inf.br; msia@msia.org.br – Conselho editorial: Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco e Silvia Palacios.

* A equipe do ECOAMAZÔNIA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião deste ‘site”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *