PA – Belo Monte, maniqueísmos e preguiça jornalística (*)

Muitas informações são divulgadas, diariamente e em todo o mundo, acerca dos conflitos que envolvem a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ao mesmo tempo, não se sabe quem realmente ouviu a opinião e os interesses dos ribeirinhos, caboclos e indígenas sobre essa obra na Amazônia.

Para Verena Glass, jornalista e coordenadora de comunicação do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, “Belo Monte não é uma questão apenas dos brasileiros, na medida em que ela mexe com violações de direitos humanos”.

Em abril de 2011, após várias comunidades tradicionais encaminharem denúncias à Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu a suspensão da obra na Bacia do Rio Xingu, a fim de garantir os direitos dos índios. A partir de então, a imprensa passou a mostrar preocupação na cobertura dos acontecimentos em Belo Monte.

Decorrido mais de um ano desse pedido, o relatório final do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação do Brasil, apresentado no dia 30/05 em Genebra, enumera os efeitos das grandes obras para a remoção forçada das populações e a necessidade de melhorar a proteção de povos indígenas e quilombolas como duas das cinco preocupações que foram destacadas pelos países participantes. Nesse cenário, Glass afirma que a imprensa internacional cobre os acontecimentos em Belo Monte de modo mais eficaz que a nacional e promove discussões mais profundas, capazes de chegar à ONU.

A jornalista conta também que fenômenos da mídia representam uma maior mobilização e conscientização em relação a Belo Monte. Exemplo dessa mobilização foi a do cantor Sting, fundador da Rainforest Foundation, ONG que defende os povos indígenas. “O aumento dos protestos pelas redes sociais contra as obras no Pará me alegram muito e é importante que grandes nomes estejam participando das discussões da Amazônia”, considera a antropóloga e economista Betty Mindlin.

Para ela, a mídia tem grande responsabilidade na formação da opinião pública, mas a educação da população brasileira também deve estar voltada para as questões sociais e ambientais de Belo Monte. Mindlin acredita na viabilidade do desenvolvimento econômico aliado à justiça social, mas para isso os movimentos sociais devem ter uma atuação forte sobretudo no Brasil e despertar o interesse de estudantes. “Essa visão crítica tem que existir desde cedo”, enfatiza a antropóloga.

De acordo com Glass, ainda existem poucas informações precisas e profundas em relação aos indivíduos que serão atingidos pelo projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ela considera que as distorções e a desinformação em relação aos impactos sociais da usina resultam em uma visão maniqueísta sobre as populações tradicionais e ribeirinhas. “As pessoas das grandes cidades brasileiras olham para a Amazônia como sendo, de um lado, habitada por ‘bons selvagens’, e, de outro, um vazio demográfico”, ressalta Leonardo Sakamoto, jornalista, doutor em Ciência Política e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).

Segundo Betty Mindlin, vive-se em uma sociedade divida, em que há mitos no bom e no mal sentido, como o de que a Amazônia é desabitada, o que acaba por favorecer as ocupações destrutivas nesse território. Por outro lado, Leonardo Sakamoto afirma que ainda há, hoje, muita paixão em defesa dos direitos dos povos, sobretudo dos indígenas, e muitos se esquecem da submissão dessas pessoas ao capital. “Esses indivíduos são de carne e osso, têm interesses”, enfatiza o jornalista, referindo-se às promessas de recompensas que a empresa responsável pelas obras de Belo Monte, a Norte Energia, faz à população.

Dessa forma, para Sakamoto, ter uma abordagem maniqueísta é mais fácil, na medida em que não exige reflexão e boa apuração por parte dos jornalistas. “O jornalista é fruto do que ele vive e por isso reproduzimos os mesmos erros de cobertura do passado”. Tanto para Sakamoto, quanto para Glass, a imprensa deve mostrar que o que está em jogo na região não é o bem contra o mal. “O que está lá não é tudo de bom”, diz Sakamoto. Para ambos, a garantia de alternativas para Belo Monte deve ser feita a partir do discurso crítico e adaptado à realidade de cada um, e não à facilidade de se produzir uma matéria superficial e pontual, como ocorre em muitos veículos da grande mídia.

A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte segue o modelo energético do governo da presidente Dilma Rousseff e custará cerca de R$ 30 bilhões para os cofres públicos – um dos maiores investimentos da história do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O PAC também inclui as usinas no rio Madeira, Jirau e Santo Antônio, estando esta com as suas duas turbinas em operação há dois meses. Enquanto isso, com orçamento duas vezes maior à Santo Antônio, Belo Monte pode ser a ponta de lança para o planejamento de outras obras. “Dependendo da resistência em Belo Monte, o governo vai pensar se vale a pena construir em outros lugares”, diz a jornalista do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.

A cobertura da imprensa em relação às hidrelétricas também é questionada pelo jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto. Em seu blog Cartas da Amazônia, do portal Yahoo Notícias, ele ressalta que a atenção da mídia e da opinião pública brasileira é levada ao paroxismo antes que dela possa resultar uma ação. “Quando o momento de intervir se apresenta, está desatenta, já perdeu o interesse, passou para outro item da agenda”.

Ele considera que, ao invés de centrar o foco apenas na questão de Belo Monte, a imprensa deveria acompanhar a hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, que está em funcionamento há quase dois meses. “Uma vez tornadas prontas e acabadas, os que a vinham acompanhando partem para outro front”, pontua.

Ainda não se sabe, assim, se os objetivos dos recentes protestos contra Belo Monte são resultados práticos ou apenas a defesa de uma causa que em pouco tempo desaparecerá. A superficialidade e as distorções da imprensa brasileira só aumentam essas incertezas, cabendo ao “jornalismo de trincheira” – defendido por Sakamoto – aprofundar o olhar para os cotidianos e reais interesses dos amazônidas.

Por  Priscila Kesselring / Blog Coletivo Outras Palavrashttp://www.revistasina.com.br/portal/

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