Ofensiva indigenista contra integração ibero-americana

Uma série de articulações transfronteiriças está em marcha para barrar projetos de infraestrutura e integração entre os países sul-americanos, com a mobilização de tribos indígenas brasileiras e de países vizinhos. Nos últimos meses, tais grupos têm realizado eventos diversos, para a troca de experiências no combate aos projetos, com conferências virtuais e, até mesmo, a promoção de cursos de “diplomacia indígena”.

A iniciativa se enquadra na estratégia geral do movimento ambientalista-indigenista internacional, contra os grandes projetos de infraestrutura física da América do Sul, visando obstaculizar a integração da região. Por trás deste aparato, estão grandes empresas e órgãos governamentais do eixo anglo-americano, cuja agenda neocolonialista tem nas causas ambientais e indígenas um eficiente instrumento de “guerra irregular”. Um caso exemplar é o programa da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID), chamado “Iniciativa para a Conservação de Bacia Amazônica”, que foi temporariamente suspenso após protestos diplomáticos e militares brasileiros, em 2007, mas retomado depois sob nova roupagem. Sua finalidade era, precisamente, dotar os movimentos indigenistas ou de ribeirinhos de instrumentos que os capacitassem para integrar uma “internacional indigenista” que lute contra o desenvolvimento soberano da Amazônia.

A principal organização envolvida na articulação transfronteiriça dos indígenas é a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica, na sigla em espanhol), ONG que conta com o apoio de instituições como a União Europeia (UE), o Fondo Indígena (financiadora com estreitas ligações com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID), a OXFAM e a Fundação Ford, e que reúne representantes do Equador, Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. No lado brasileiro, a Coica tem como membro a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que, por sua vez, conta com o apoio da USAID, Amigos da Terra-Suécia, Banco Mundial, The Nature Conservancy, NORAD (programa norueguês para povos indígenas), CAFOD (organização católica britânica), entre outros (Coiab.com.br).

Segundo o seu coordenador-geral, Marcos Apurinã, “estamos mapeando todas as conquistas dos nossos parentes no continente para aproveitarmos as experiências deles aqui no Brasil… Nossos problemas são praticamente idênticos aos dos indígenas dos outros países (BBC, 23/04/2012)”.

O coordenador técnico da Coica, Rodrigo de la Cruz, definiu os “problemas” que a organização indígena pretende enfrentar: as grandes obras de infraestrutura e de integração regional planejadas pelos países ibero-americanos, como a hidrelétrica de Belo Monte, no Brasil; a rodovia que atravessará o parque nacional Tipnis, na Bolívia; a exploração petrolífera na Reserva Faunística Yasuní, no Esquador; a rodovia Bolaños-Huejuquilla, no México; e o Projeto Mesoamérica, de integração de redes elétrica e de transporte do México à Colômbia. Ele afirmou, ainda, que a ONG está preocupada com “a nova forma de desenvolvimento conhecida como economia verde. Entendemos isso como um esforço para a exploração dos recursos naturais nos territórios indígenas”.

A pauta explicitada pelo coordenador da Coica não poderia ser mais explícita: projetos fundamentais para a integração e a modernização das economias de uma região carente de desenvolvimento.

Já a Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (Fenamad), principal organização indigenista do departamento peruano de Madre de Dios, está determinada a deter os projetos de integração física do país andino com o Brasil. Dentre os projetos visados pela ONG, estão a rodovia Interoceânica, que ligará o Noroeste brasileiro aos portos peruanos no Pacífico, cuja construção começou no ano passado, e o acordo energético binacional que prevê a construção de seis hidrelétricas no país vizinho, a serem interligadas à rede elétrica brasileira (BBC, 23/04/2012).

O presidente da Fenamad, Jaime Corisepa, alega que tais empreendimentos serão um incentivo ao desmatamento e à mineração ilegal. Diante dos protestos indígenas, o governo peruano suspendeu o projeto de construção das hidrelétricas e condicionou a sua retomada à consulta às “comunidades tradicionais”, conforme determinado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – um das principais instrumentos jurídicos internacionais à disposição do indigenismo, em sua luta contra a soberania dos Estados nacionais.

A Coica tem promovido uma série de encontros entre os seus integrantes, com o fim de debater formas de pressionar os governos a demarcar novas reservas indígenas (preferencialmente, em áreas de fronteira), estratégias de obtenção de apoio por parte de organismos internacionais (como a própria OIT, além de ONGs e governos estrangeiros), para promover os “direitos indígenas” e impedir as grandes obras nas terras de “comunidades tradicionais”.

Além disso, ONGs indigenistas como a Comissão Pró-Índio (CPI) do Acre – apoiada pelo Instituto Socioambiental (ISA), Rainforest Foundation (Noruega), Rainforest Concern (Reino Unido), International Land Coalition e outras -, têm promovido a ideia de que os índios de países diversos são “parentes” e constituiriam uma “nação” própria, diversa das atualmente estabelecidas. Segundo a consultora da CPI, Marcela Vecchione, as fronteiras da região foram definidas conforme critérios econômicos e não teriam levado em conta as comunidades presentes, que foram separadas por limites nacionais e teriam mantido relações intensas, cruzando livremente as fronteiras nacionais.

Digna de atenção é a organização da “Oficina de Formação em Diplomacia Indígena”, no ano passado, com vistas a ampliar os recursos dos indígenas em sua luta contra a soberania dos Estados nacionais ibero-americanos. O curso de formação, uma parceria entre a Coica e a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid), visa estimular os movimentos afiliados a recorrer a organismos internacionais para impulsionar a sua causa. Para Rodrigo de La Cruz, com uma diplomacia unificada, os índios ganham força em seus pleitos e têm maior recepção nas organizações internacionais, como a OIT e a própria ONU. Na oficina, os participantes foram, também, instruídos sobre os mecanismos internacionais que os beneficiam, em especial a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, de 2007 (BBC, 24/04/2012).

Outro mecanismo internacional destacado na oficina foi a Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH), órgão que tem poder de fixar compensações e indenizações às partes prejudicadas, caso julgue que os Estados nacionais não resguardaram os direitos dos indígenas. Esse órgão conta com jurisdição em 21 países latino-americanos – dentre os quais Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, México e Uruguai, e já utilizou tais prerrogativas, como quando pediu a suspensão das obras de Belo Monte, em abril de 2011. Felizmente, na ocasião, o governo brasileiro reagiu com veemência, levando a CIDH a recuar.

Todavia, as afirmações de Ricardo Verdum, doutor em Antropologia pela Universidade de Brasília, são esclarecedoras quanto à agenda do indigenismo para a Ibero-América. Segundo ele, o grande desafio dos movimentos indígenas é fazer com que os países que firmaram os compromissos internacionais os respeitem. À reportagem da BBC, o antropólogo afirmou, sem rodeios, que a articulação dos indígenas tem criado novos órgãos para fazer frente às políticas dos Estados nacionais, de forma a criar “Parlamentos dos Povos Indígenas” – órgãos que serviriam para a elaboração de políticas específicas para os índios, constituídos de forma a vinculá-los aos Poderes Legislativos nacionais. “Hoje eles estão bem mais atentos, buscando se organizar de forma politicamente autônoma”, afirmou Verdum.

FONTE: Boletim Alerta Científico e Ambiental

Alerta Científico e Ambiental é uma publicação da Capax Dei Editora Ltda.
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