Ocupação de Belo Monte: o recado foi dado, por Paul Wolters (CIMI)

‘Demos um soco para a presidente da república!’ diz um dos caciques Kaiapó, do Pará sobre a ocupação do canteiro de obras de Belo Monte.* ‘O movimento foi muito bom. Enviamos nossa mensagem. O mundo inteiro ouviu e sabemos que muitos estão dando apoio para nós. O mundo quer viver em paz.’

*Por motivos de segurança os nomes na matéria foram anonimizados

Se for por eles, os seus guerreiros Kaiapó teriam continuado a ocupação do canteiro de obras. Queriam levar a luta até o fim, reforçados pelo aviso que outros grupos indígenas, inclusive outros Kaiapó, estavam se preparando para unir-se ao movimento. Mas considerando a conjuntura, com o recado dado a nível nacional e internacional, a assembléia geral dos ocupantes achou melhor encerrar a ação de forma pacífica.

Ação direta
A histórica ocupação do canteiro de obras da usina de Belo Monte – maior obra do PAC e considerada a jóia da coroa –, na quinta-feira passada, foi resultado do seminário contra a usina, que se realizou nos dias anteriores em Altamira. O seminário reunira cerca de 700 participantes, entre eles indígenas de 22 povos, pescadores da bacia do Xingu, pequenos agricultores, outros atingidos e movimentos sociais. Cansados de ver seus direitos desrespeitados e de sofrer tantas violências praticadas tanto pelo governo quanto pela Norte Energia, decidiram ir além das conversas e fazer uma ação direta: a ocupação pacífica do canteiro de obras e o bloqueio da Transamazônica na frente do canteiro.

Saindo na madrugada de quinta-feira, realizaram a ocupação sem que houvesse resistência por parte dos guardas do local. Durante o dia, o clima continuava tranqüilo, a pesar da fila crescente de carros e caminhões parados pelo bloqueio da estrada. De fato, muitos motoristas e pessoas da região aproveitaram para conhecer o canteiro, que até então sempre tinha ficado fechado para o público. Finalmente podiam conhecer a magnitude do desmatamento e da devastação, do que é apenas um dos três canteiros de obras.

Ao final da tarde chegou o advogado da Norte Energia, escoltado por policiais fortemente armados, com armas em punha, com um mandado de reintegração de posse. Contrário a qualquer ação crítica à obra, a justiça não tardou para julgar o pedido de reintegração de posse por parte da NeSa.
Se é verdade que muitos dos participantes queriam continuar a ocupação, notadamente os indígenas e pescadores, em assembléia os ocupantes chegaram à conclusão que era melhor encerrar pacificamente o que começara pacificamente. Recolheram seus pertences e iniciaram, por volta das sete e meia da noite, a volta para Altamira. A ocupação durou cerca de quinze horas.

Guerra
Como alguns participantes já tinham começado a sonhar com uma ocupação permanente, para acabar de vez com o Belo Monstro, houve quem saiu um pouco insatisfeito. Mas prevaleceu um sentimento de satisfação e realização. Pela união criada, o recado dado. E pela expectativa de futuras ações.

‘Foi muito positivo a união com pescadores, estudantes,’ explica o cacique Kaiapó, que queria ter continuado na ocupação. ‘Todos queremos que o rio fique no mesmo lugar. Queremos nosso rio, nossas florestas no mesmo lugar. Se não pararmos Belo Monte, com certeza vai ter mais usinas. Entregamos um documento para Dilma. Vamos esperar o que ela vai responder. O próximo encontro vai ser mais forte. Muito mais.’

Os pescadores de Senador Porfírio, na Volta Grande do Xingu, que secaria caso a usina for construída, compartilham essa visão, na roda de avaliação:
Maria*: ‘[A manifestação] Foi bom. Aceitamos participar [do seminário] porque nós somos os prejudicados.’

José*: ‘Dizem que [a usina] não vai prejudicar. Mas você pode ver, na época seca, [o rio] está seco, não dá para passar lá, está tudo seco.’

Maria*: ‘A água vai ficar suja, não vai nem dar para pescar.’

Pedro*: ‘A ocupação foi ótimo! Espero que o próximo vai ser melhor ainda! O canteiro é uma destruição total da natureza, com vales dinamitadas. Os moradores de lá [da vila Belo Monte, de lado das obras] nunca tinham entrado, e agora viram tudo pela primeira vez!’

João*: ‘A gente não pode abrir mão para eles, não podemos desistir da luta, para eles sentirem a pressão da população. Isso é o início da nossa guerra!’

Roças mortas
Um dos representantes de um outro importante grupo de atingidos presente no seminário e na ocupação, os pequenos agricultores, expressa as mesmas opiniões. Eduardo é agricultor da comunidade Nossa Senhora de Perpétua Socorro, no rio Arimum, na Reserva Verde para Sempre em Porto do Moz, a baixo da barragem planejada. ‘Achei muito bem a união com os indígenas. Nós vamos resistir. O dia que precisarem de mim para lutar, eu vou e vou levar mais pessoas. Foi bom ter ocupado o canteiro, porque foram muitas pessoas ver o impacto que a obra está fazendo e o impacto que vai fazer para a gente. Estou aqui para representar o meu povo, porque vamos ser atingidos. Estou aqui para meus filhos e netos.’

Os impactos para ele são claros. Com a seca permanente da Volta Grande, que seria causada pelo desviou das águas do rio Xingu, o transporte de barco vai acabar. ‘Nosso transporte é o barco. Fui visitar um amigo, a baixo [da barragem ] do Tucuruí: ele nunca mais conseguiu subir o rio. Não consegue mais escoar sua produção.’ Além do mais, a seca permanente vai atingir as próprias roças, ele explica: ‘Onde moro a diferença no vazão do rio é de três metros. Com o rio seco, a água no solo vai baixar muito. Assim as plantas e nossas roças vão morrer.’ Ele ainda aponta outras semelhanças nefastas entre Tucurui e Belo Monte: ‘Agora estão fazendo a linha de extensão de Tucuruí, que vai passar pela Resex, desmatando um linha de catorze metros de largura. O linhão vai passar em cima de nossas casas, mas não deixa energia para as pessoas. Com Belo Monte vai ser igual.’

Por fim, cita um exemplo de uma outra região amazônica para a luta contra Belo Monte. ‘Vi na televisão uma reportagem sobre os indígenas de Raposa Serra do Sol: eles conseguiram [sua terra], com muita luta e dedicação. Então, nós também podemos!’

Na lei ou na marra
Também Sebastião, do povo Kumaruara (PA), compartilha a visão dos demais. ‘O encontro, a ocupação é uma vitória: já demos nosso aviso. Foi a primeira vez que participei, que conheci a realidade da batalha. Nos momentos desses, precisamos estar unidos, com outros grupos que depois nos apoiarão, na mesma batalha. As barragens vão nos afetar, nosso rio, nosso alimento. O governo não pensa nisso. Fala muito em defender a Amazônia, mas de fato destrói ela. O dinheiro que seria importante investir na nossa saúde, educação, o governo está investindo no que não é muito necessário, nos projetos dos ricos.

Para Edmundo do povo Tupinambá, de Tocantins, o encontro e a ocupação sinalizaram o começo de uma grande união de resistência contra usinas. Ele é da região onde está sendo planejado o complexo hidrelétrica de Tapajós: ‘Tapajós é igual a Belo Monte. Vai afeitar muito os ribeirinhos, muitas pessoas que dependem do rio. É muito grande o massacre. Nosso Pai Tupã não autorizou a destruição da natureza, deixou-a inteira para os filhos Dele. Só o ganancioso quer destruí-la. Vendo isso, Ele também chora. As pessoas devem lembrar as letras do Pai Tupã: “Tupã está na terra, Tupã está na mata,(…), Tupã está em você, Tupã está em mim.” Isso significa que destruir a terra, é destruir a você mesmo. As pessoas não entendem isso.

A ocupação é um modelo para mostrar que somos fortes. Para que os grandes entendem que o povo sabe lutar. Foi uma derrota para eles. O encontro foi belíssimo, foi muito bom, para reunir os povos. Estamos unidos para lutar. Nem todos os povos estão aqui, tem muitos mais. Temos que juntar-mos e lutar, para o que der e vier. Se for para voltar, para ficar um dia, um mês, a gente volta para acabar com a usina. Ou na lei, ou na marra. Esse encontro é o começo da vitória.’

Paul Wolters
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Secretariado Nacional – Brasília

Fonte: cimi.org.br

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